A virada de Janot

Vera Magalhães

18/06/2017

 

 

Se a Lava Jato fosse uma série, poucos personagens teriam experimentado um “character development” tão evidente quanto Rodrigo Janot. Resumindo, grosso modo, o “arco do personagem”, como dizem os roteiristas, Janot começou a saga como aquele personagem bonachão, pouco carismático, pouco proativo, que se viu diante de um escândalo de proporções avassaladoras e demorou para pegar no tranco.

Antes de soltar a primeira “lista do Janot”, era comum se encontrar com o então ministro da Justiça José Eduardo Cardoso em reuniões fora da agenda, o que sempre suscitou uma dúvida sobre seu suposto alinhamento ao PT. Renan Calheiros, outro personagem central da trama, era, então, um suporte importante para Dilma Rousseff, e nos bastidores se dizia que contava com a benevolência de Janot para escapar de denúncias – e realmente elas demoraram a vir, no seu caso.

A primeira lista saiu, em 2015, com vários nomes, mas Janot ainda demorou para ganhar relevância na história.

O núcleo Curitiba da Lava Jato estrelava os episódios mais eletrizantes, e os capítulos de Brasília se arrastavam sem angariar muita audiência.

Mas tudo mudou na atual temporada.

Com a segunda lista do Janot, após a delação da Odebrecht, um daqueles “ganchos” que levam a uma reviravolta crucial na narrativa, o procurador- geral se tornou mais aguerrido, e – algo improvável – passou a acumular admiradores.

O rol de políticos listados a partir da colaboração da empreiteira incluiu todo o espectro relevante da política, e Brasília passou a ombrear com Curitiba em importância para o desfecho da Lava Jato.

Mas ainda não era tudo. Janot teria, em breve, uma chance de chegar a protagonista.

E ela veio na forma da delação da JBS, uma clássica virada inesperada na história, que colocou o próprio presidente da República na berlinda.

E aí nosso homem no Ministério Público saiu da toca. Escreveu artigos defendendo procedimentos para lá de heterodoxos e benefícios inéditos dados aos mafiosos da proteína animal, mandou prender geral – algo com que vinha sendo comedido em suas temporadas menos ativas – e ganhou de vez a atenção dos espectadores, dividindo opiniões: para uns, herói; para outros, vilão.

É nesta condição que Janot chega a um ponto crucial da própria saga: sua sucessão. A superexposição que experimentou nos últimos meses o impediu de pleitear o terceiro mandato. Se, por um lado, ganhou mais, por outro passou a ser persona non grata no Planalto, o que o impediria uma recondução.

Questionado também internamente, corre o risco de ver o único dos nove postulantes à sua cadeira mais identificado com seu grupo, o subprocurador Nicolao Dino, ficar de fora da lista tríplice escolhida pela categoria e que será enviada a Michel Temer – hoje o inimigo público número 1 de Janot.

Próximo a sair de cena na série Lava Jato, pois seu mandato acaba em setembro, Janot ainda é um personagem difícil de decifrar: seu sangue nos olhos na reta final foi seletivo? Afinal, quando era Dilma Rousseff a presidente ele não demonstrou tanto vigor apuratório.

Também é impossível não apontar a fragilidade técnica de decisões como conceder o paraíso na terra aos delatores da JBS, não periciar o áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista ou usar um tuíte para reforçar o pedido de prisão de Aécio Neves.

Vê-se um procurador-geral que, contrariando suas características iniciais, deixa o posto querendo mostrar serviço, sendo que todo o seu histórico mostra um ritmo bem mais lento.

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Funaro, de ‘corretor’ a candidato a ‘novo Joesley’

Alexa Salomão

18/06/2017

 

 

PERFIL - Lúcio Funaro, economista / Operador financeiro que está preso há quase um ano depõe no inquérito que investiga Temer e dá sinais de que pode delatar

Até ser citado na gravação entre o empresário Joesley Batista e o presidente da República, Michel Temer, o nome Lúcio Funaro não era necessariamente popular. Nas últimas semanas, porém, não para de ganhar projeção. Com trânsito entre empresários e políticos, principalmente do PMDB, vem depondo no inquérito que investiga Temer por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. Como é apontado pelos investigadores como um homem de dentro dos esquemas do partido, o gravador de Joesley pode virar traque perto de seus explosivos documentos e grampos.

Quem conhece Funaro usa adjetivos como “brilhante”, “carismático” e “divertido” para defini-lo. Mas também “maluco”, “descontrolado” e “perigoso”.

Ele tem temperamento expansivo, fala agitada e, quando se irrita, esbraveja palavrões inomináveis. Há quase um ano, porém, permanecia mudo em uma cela da Papuda, presídio em Brasília. Mês sim, mês não, circularam boatos de que negociava delação premiada.

Agora, emite um sinal forte de que o momento chegou.

Contratou o criminalista Antonio Figueiredo Basto, referência em delações. Só na Lava Jato, ele homologou dez.

Preso em julho do ano passado, na Operação Sépsis, é acusado de pedir propina a empresários em troca da liberação de recursos da Caixa Econômica Federal. Segundo investigadores, manipularia não apenas financiamentos, mas também o FI-FGTS, o bilionário fundo mantido com recursos do trabalhador e gerido pela Caixa.

E, de acordo com as apurações, não estaria só: seria operador do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) nesses e em outros esquemas ligados ao PMDB.

Na quarta-feira passada, Funaro, em Brasília, e Cunha, preso em Curitiba, prestaram depoimentos no inquérito de Temer.

Antes, a estratégia de Funaro era falar pouco ou nada. Agora, é responder a todas as perguntas.

Foi seu segundo depoimento na investigação. Durou quatro horas. Não teria poupado o ex-ministro e aliado pessoal de Temer Geddel Vieira Lima. Exvice- presidente da Caixa, Geddel é investigado nos mesmos supostos esquemas de Funaro e Cunha, mas, em sua defesa, alega ser vítima de ilações.

Longa data. Funaro tem longo histórico na Justiça. Já foi citado ou envolvido ou chamado a depor em boa parte das grandes investigações de lavagem de dinheiro do País. Operação Satiagraha, CPI dos Correios, Bancoop e mensalão, caso em que fez delação e saiu livre.

Na sequência, chegou a responder a cem processos judiciais simultâneos. Metódico e autoconfiante, leu e acompanhou a sua defesa em todos.

Aliás, adora uma briga na Justiça.

Processou sócios, clientes e muita gente que o chamou de doleiro, atividade que, segundo ele, jamais exerceu. Ele mesmo se apresenta como exímio corretor da Bolsa de Valores, onde ganhou muito dinheiro.

Em entrevista ao Estado em 2014, contou ter se reerguido após o mensalão como “assessor na solução de litígios empresariais” e em fusões e aquisições.

Deflagrada a onda de operações, a partir da Lava Jato, vieram denúncias indicando que exercia atividades paralelas no mundo dos negócios.

Limite. Antes de ser preso, Funaro dizia que não faria delação nos moldes da oferecida a Marcelo Odebrecht. Avaliava não fazer sentido entregar tudo e ficar preso. Mas a sua convicção foi testada no limite.

Perdeu o aniversário de 1 ano da única filha. Sua irmã foi filmada e presa pela PF por receber R$ 400 mil – segundo a polícia, parte do pagamento da suposta mesada que Joesley contou pagar para manter o silêncio de Funaro. A delação de Joesley também o incomodou: ele ali, preso, e o outro conta tudo e leva a delação dos sonhos? Assim como Joesley, Funaro teria reunido provas. Exemplo: quem foi a seu escritório, no Itaim-Bibi, na zona oeste de São Paulo, pode ter se sentido seguro na recepção, uma vez que nem sempre eram registrados os visitantes. Mas se se sentou à mesa de reunião da primeira sala, à direita da entrada, correu um risco. Preocupado com a segurança, Funaro espalhou câmeras. De sua sala, mantinha uma central de Big Brother dos cômodos. Se gravou e se guardou, não dá para afirmar, mas a possibilidade existe – e os efeitos são imprevisíveis, porque o “assessoramento empresarial”, como ele chamava, foi amplo.

Funaro atendeu a médias e grandes empresas de diversos setores: papel e celulose, óleo e gás, alimentos, energia, transportes, agronegócio. Algumas delações dão uma pista da extensão do “trabalho”. Ao menos 12 grandes operações do FI-FGTS teriam rendido propinas, segundo outro delator, Fabio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa, que foi integrante do Comitê de Investimento do FI-FGTS, órgão que decide o destino do dinheiro do fundo.

No bolo dos pagadores de “benefícios” haveria gente graúda. O ex-sócio de Funaro, Alexandre Margotto, contou, em delação premiada, que Eike Batista pagou a Funaro e Cunha para que sua empresa LLX Açú Operações Portuárias recebesse, em 2012, investimento de R$ 750 milhões do FI-FGTS. Se as suspeitas em relação a Funaro se confirmarem, seu nome, desta vez, tende a se tornar tão – ou mais – popular do que o de Joesley.

Esquema. Funaro é acusado de pedir propina em troca de liberação de recursos da Caixa

Precursor

100 processos judiciais simultâneos foram abertos contra Lúcio Funaro após ele ter sido testemunha no mensalão, quando fez delação premiada, uma das primeiras na história da Justiça brasileira. Preso há quase um ano, agora estaria negociando a segunda.

 

O Estado de São Paulo, n. 45169, 18/06/2017. Política, p. A8