Temer quer ‘vender’ Norte-Sul aos russos

Lu Aiko Otta

18/06/2017

 

 

Falta de saída para o mar é principal problema da ferrovia de 1.257 km que consumiu R$ 10,4 bilhões, boa parte desviado para corrupção

O presidente Michel Temer embarca esta semana para a Rússia e leva na bagagem o plano de tentar atrair os russos para participar da licitação da Ferrovia Norte-Sul.

Chamada nos anos 1980 de “ferrovia que liga nada a lugar nenhum” pelo então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva ela não tem saída para o mar. Hoje, a principal dúvida dos investidores é saber como a carga transportada nessa linha vai chegar a algum porto do País.

Temer oferecerá aos russos a concessão de 1.257 km de linha férrea ligando as cidades de Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP) construídos com R$ 10,4 bilhões em recursos públicos ao longo dos últimos 30 anos. Parte desse dinheiro foi desviado em esquemas de corrupção, o que fez com que o ministro dos Transportes, Maurício Quintella, classificasse a história da ferrovia como uma “página negra” do investimento ferroviário no Brasil.

Para chegar ao mar, a carga na Norte-Sul tem duas opções: ir ao porto de Santos (SP) passando pela Malha Paulista da concessionária Rumo-ALL ou seguir para o porto de Itaqui (MA), passando por linhas administradas pela VLI, pela estrada dos Carajás, da Vale, e pela Transnordestina. Em ambos os casos, ela precisará exercer o chamado direito de passagem, para poder circular por ferrovias de outros proprietários.

“O direito de passagem não pode ser uma liberalidade da concessionária, tem de ser uma obrigação”, disse o presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários de Transportes de Carga (Anut), Luis Henrique Teixeira Baldez. Ele explicou que a Lei 13.448, que originalmente era a Medida Provisória (MP) 752, das Concessões, estabelece a obrigatoriedade do direito de passagem. “Mas ela só traz o conceito e não diz de que forma isso vai ocorrer.” O detalhamento dessa regra deverá constar de um decreto presidencial que ainda não existe.

A entidade espera ser chamada a opinar em sua elaboração.

Ela quer, por exemplo, garantias de que haverá passagem para 100% das cargas transportadas. “Do contrário, isso gera uma ociosidade na ferrovia”, afirma Baldez.

Equacionado. O governo considera que, no caso da Norte-Sul, o problema do direito de passagem está equacionado. Já foi fechado um acordo entre as concessionárias, de forma que no próprio contrato de concessão estará estabelecido o volume de carga que terá direito de passagem assegurado, e a que preço.

Rumo, VLI, Vale e Transnordestina assinarão aditivos a seus contratos de concessão com as mesmas garantias. E os termos constarão também da prorrogação contratual que o governo negocia com a Rumo e com a Vale.

“Acho que vai dar certo”, comentou o diretor do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira. Ele considera que o reforço ao direito de passagem na nova lei das concessões foi uma medida importante não só para o concessionário da Norte-Sul, mas também para os Operadores Ferroviários Independentes (OFIs) que possam se interessar em operar cargas nessas malhas.

Há, porém, dúvidas se a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) será capaz de criar condições para o direito de passagem caso os volumes de carga sejam maiores do que o previsto no contrato. “A demanda está subdimensionada”, afirmou uma fonte do setor agrícola privado.

Nesse caso, a agência precisaria exigir que as concessionárias fizessem investimentos para aumentar sua capacidade. E o histórico da agência reguladora em exigir obras adicionais, pelo menos no caso das rodovias, não é bom.

Nova estação. Plano do governo é apresentar Ferrovia Norte-Sul aos russos como grande oportunidade de investimento

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Operação Lava Jato deixa mais de R$ 90 bi em obras paradas

Renée Pereira

18/06/2017

 

 

Projetos foram suspensos por suspeitas de sobrepreço, divergências em relação a preços e por falta de crédito

A Operação Lava Jato deixou um rastro de mais de R$ 90 bilhões em obras paradas de Norte a Sul do Brasil, sem previsão de retomada. A lista inclui grandes empreendimentos que, se estivessem em operação, trariam inúmeros benefícios para a população brasileira, como projetos de mobilidade urbana (metrôs e corredores de ônibus), rodovias, universidades e centros de saúde. Há também instalações industriais de grande relevância para a economia nacional, como os investimentos da Petrobras.

Alguns projetos foram paralisados por suspeitas de sobrepreço, outros por divergências em relação ao valor das obras e também por falta de financiamento ou recursos próprios para tocar a construção. Todos os empreendimentos têm em comum o fato de estarem sendo construídos por empreiteiras envolvidas no maior escândalo de corrupção do País e que hoje estão com graves problemas financeiros, sem caixa e sem crédito no mercado.

O levantamento das obras foi feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e pelo jornal O Estado de S. Paulo e considerou apenas os grandes projetos.

“Na Hidrelétrica São Roque, parada há mais de um ano, a retomada criaria mil empregos durante 10 meses. Esse é o contingente de pessoas e o tempo para concluir os 20% de obras restantes. Até a paralisação, o projeto já havia recebido R$ 700 milhões de investimentos. Faltam mais R$ 300 milhões para concluir o empreendimento e iniciar operação.

Mas, envolvida na Lava Jato, a Engevix ficou descapitalizada e sem recursos para continuar as obras da usina que terá capacidade para gerar 142 megawatt (MW). Agora, a empresa tenta encontrar um sócio para colocar o projeto em pé.

Em outros projetos, a expectativa é a troca dos acionistas. A Petrobras, por exemplo, já anunciou que pretende sair integralmente da produção de fertilizantes. A empresa é dona da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 3 (UFN3), que estava sendo construída pela Galvão Engenharia e Sinopec. Com 81% das obras concluídas e R$ 3,2 bilhões investidos, a obra foi paralisada em dezembro de 2014 e até hoje não existe previsão de retomada.

Abandono. A exemplo da UFN3, o BRT Via Livre Leste-Oeste e o Ramal da Copa, em Pernambuco, e o Estaleiro Enseada tiveram as obras interrompidas há quase três anos. No primeiro caso, o consórcio construtor formado por Mendes Júnior e Servix abandonaram as obras e foram multadas, afirma a Secretaria de Cidades de Pernambuco. Dos R$ 168,6 milhões do projeto, R$ 136 milhões já foram investidos. Os serviços estão sendo retomados aos poucos com a contratação de novas empresas.

“Há um conjunto grande de obras paradas no Brasil inteiro, mas os dois maiores símbolos da paralisia dos investimentos são a Linha 6 do metrô de São Paulo e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). São dois desastres”, afirma o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.

Só as obras paulistas representam R$ 9,9 bilhões de investimentos, parados desde o ano passado. Envolvidas na Lava Jato, as empreiteiras do consórcio construtor (Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC) não conseguiram fechar o financiamento com o BNDES para continuar a construção, que estava com 15% das obras executadas.

O governo do Estado de São Paulo diz que aguarda uma solução até o início do mês que vem. Caso contrário, um processo de rescisão do contrato poderá ser iniciado.

A obra do Comperj é ainda mais dramática. Orçado em US$ 13,5 bilhões, o projeto está parado desde julho de 2015 e seu futuro é incerto. Em nota, a Petrobras afirmou que está buscando parcerias para concluir as obras da primeira fase.

Só no papel

“Há um conjunto grande de obras paradas no Brasil inteiro, como a Linha 6 do metrô de São Paulo e o Comperj”

Claudio Frischtak

PRESIDENTE DA CONSULTORIA INTER.B

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Sem crédito e serviço, construtoras tentam recuperação judicial

 Renée Pereira

18/06/2017

 

 

Só no primeiro ano da Lava Jato, mais de 250 construtoras foram à Justiça para tentar manter os negócios

A paralisação de obras é um problema crônico no Brasil, antes mesmo de a Operação Lava Jato ser iniciada. Segundo dados da Comissão de Obras da Câmara dos Deputados há, pelo menos, 1,6 mil obras paradas pelo País. Os projetos estão espalhados por vários setores como educação, segurança e recursos hídricos e envolvem problemas diversos, como revisão de orçamento, problemas de desapropriação de áreas e projetos mal feitos.

“Há também um conjunto grande de obras paradas por falta de recursos do governo federal, falta de orçamento”, afirma o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak. Segundo ele, a mudança drástica na economia afetou o planejamento das empresas, que passaram a ter problemas financeiros com a baixa demanda. “Muitos projetos foram feitos num cenário macroeconômico bem diferente do atual.”

No caso das construtoras, além do aspecto econômico, as empresas também tiveram o efeito “reputação”. Sem dinheiro, sem crédito e sem novas obras, muitas empreiteiras entraram em recuperação judicial. Só no primeiro ano da Lava Jato, mais de 250 construtoras foram à Justiça para tentar se recuperar.

Exemplo. Enquanto o processo andava, muitas decidiram rescindir os projetos que estavam tocando. A Schahin Engenharia, por exemplo, interrompeu em 2015 as obras do Campus Integrado Instituto Nacional do Câncer (Inca). Hoje o projeto - que seria um centro de desenvolvimento científico e de inovação para o controle do câncer no País - está em compasso de espera.

Segundo o Instituto, vinculado ao Ministério da Saúde, para preservar o investimento já feito, alguns serviços foram contratados, como a finalização da viga de coroamento e a regularização do terreno. “A continuidade da obra depende da atualização do projeto e realização de nova licitação, cujos trâmites já se iniciaram. O orçamento está sendo redimensionado”, afirmou o Inca

 

O Estado de São Paulo, n. 45169, 18/06/2017. Economia, p. B3