Dois fios seguram Temer

Vera Magalhães

28/06/2017

 

 

Michel Temer é, hoje, um presidente suspenso por dois fios, cuja resistência será testada dia a dia enquanto durar a crise que colheu seu governo desde que veio à tona sua conversa em 7 de março com Joesley Batista.

O primeiro é a economia. Será necessário medir diariamente o pulso do chamado mercado e também dos grandes representantes do setor produtivo. Até vir à luz a denúncia de Rodrigo Janot, esses agentes econômicos ligavam menos para a figura de Temer que para a permanência da equipe econômica e sua capacidade de levar adiante as reformas.

Hoje mais preocupado em manter a cabeça em cima do pescoço que em votar alguma mudança constitucional, Temer pode passar, em poucos dias, a ser visto como fator a atravancar o tímido crescimento e a impedir as reformas. E aí será imediatamente descartado.

O segundo fio a manter Temer acima do precipício é político, e é representado sobretudo pelo PSDB. Se os tucanos revirem o apoio claudicante que empenharam ao peemedebista há duas semanas, ele passará a correr risco real de perder sua sustentação congressual – um dos poucos fatores que o separam da septicemia vivida por Dilma Rousseff em abril de 2016.

Os tucanos hoje se dividem entre o grupo de Aécio Neves e dos ministros, de um lado, querendo ficar, e deputados e caciques paulistas, de outro, querendo desembarcar e salvar os dedos para 2018, já que os anéis já foram perdidos.

Virtuais presidenciáveis no ano que vem, Geraldo Alckmin e João Doria Jr. perceberam, a partir das recentes pesquisas, que não terão chance de se mostrar como o novo numa eleição que será pautada pela impaciência com a política se ficarem atrelados a Temer até o fim de seu mandato – que hoje ninguém mais ousa apostar se será agora, daqui a dois meses ou em outubro de 2018.

Se perder os tucanos – mesmo que já não conte com os votos da bancada – Temer terá de fazer um governo de baciada e torcer para ir se segurando.

Vai lotear os polpudos cargos hoje destinados ao PSDB pelo seu partido, o PMDB, e o centrão fisiológico e, assim, espera ter a capacidade de juntar 172 votos para despachar para o arquivo as denúncias de Janot.

A conta do Planalto mostra o grau de desespero: eles lembram que mesmo Dilma, que nunca teve boa relação com o Parlamento, obteve 140 votos contra o impeachment. E acham que Temer, raposa velha, terá ao menos 32 a mais. Será na ponta do lápis, e com os fios cada vez mais esgarçados.

Se der errado, Temer seguirá o recente processo de dilmização. Se der certo, sua melhor sina será terminar o governo como José Sarney, outro vice que assumiu e chegou ao fim com impopularidade recorde e sem influir na própria sucessão.

NOVO PGR

Temer pode indicar Raquel ou nome fora da lista

Temer não vai nomear o primeiro na lista tríplice para o lugar de Janot. Nicolao Dino será descartado sob a alegação de que tem vinculações políticas pelo fato de ser irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino, opositor do governo. Ficará entre a segunda colocada, Raquel Dodge – o que soaria simpático, por designar uma mulher ao cargo pela primeira vez – ou um nome de fora do rol. Nesse caso, os aliados do Congresso pressionam por Eitel Santiago, crítico à delação da JBS e com fortes ligações com o PSDB e o PMDB.

DEFESA

Loures é ‘sujeito oculto’ em fala de Temer, observa MPF

Não passou despercebido na Procuradoria- Geral da República o fato de Temer não ter citado Rodrigo Rocha Loures em seu pronunciamento de defesa à primeira denúncia, ontem. Como, no entender dos procuradores, a corrupção de Loures está provada, só restará ao presidente atribuir ao ex-assessor toda a culpa. E, nesse caso, abrir um flanco para uma eventual delação do paranaense.

CÂMARA

Por Maia e cargos, DEM vai manter apoio a Temer

Diferentemente do PSDB, que vive uma crise de identidade sobre ficar ou não no governo, o DEM tomou a decisão de se manter firme, ao menos por ora, no apoio a Temer. O discurso dos principais partidos é que não houve nada de novo na primeira denúncia, sobre o mesmo enredo “reforçado” pela retórica, e que o partido tem compromisso com a estabilidade. Pesam na decisão a posição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e os cargos que o partido ocupa. A voz dissonante é do senador Ronaldo Caiado (GO).

LAVA JATO

Absolvição de Vaccari preocupa por colocar delações em xeque

Integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ficaram preocupados com a decisão do TRF da 4.ª Região que absolveu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, condenado por Sérgio Moro. Acham que o argumento dos desembargadores, de que delações usadas contra ele não foram corroboradas por outras provas, coloca em xeque outras acusações e futuras colaborações.

_____________________________________________________________________________________________

‘Querem parar o País, parar o Congresso’

28/06/2017

 

 

Em pronunciamento no Palácio do Planalto, presidente Michel Temer destaca reformas e critica ‘denúncias frágeis e precárias’ contra ele

A seguir, um resumo do pronunciamento de Temer

“Eu quero salientar, preambularmente, preliminarmente, que eu me sinto no dever de fazer esta declaração. É uma declaração, de alguma maneira, esclarecedora, tendo em vista uma denúncia ontem apresentada. Sob o foco jurídico a minha preocupação é mínima...

... É claro que eu aguardarei com toda tranquilidade uma decisão do Judiciário. Respeito absoluto meu pelas decisões judiciais. Mas, evidentemente, se fosse só o aspecto jurídico, eu não estaria fazendo esse esclarecimento à imprensa brasileira e ao povo brasileiro.

Eu o faço em função da repercussão política e, particularmente, em função do ataque injurioso, indigno, infamante à minha dignidade pessoal.

Os senhores sabem que eu fui denunciado por corrupção passiva. Notem, vou repetir a expressão, corrupção passiva a essa altura da vida, sem jamais ter recebido valores, nunca vi o dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos.

Afinal, isto é que vale.

Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem. Aliás, examinando a denúncia, eu percebo que reinventaram o Código Penal e incluíram uma nova categoria, a denúncia por ilação.

Se alguém cometeu um crime, e eu o conheço, ou se eu tirei uma fotografia ao lado de alguém, logo a relação é que eu sou também criminoso.

Abriu-se, portanto, um precedente perigosíssimo em nosso Direito. Esse tipo de trabalho trôpego permite as mais variadas conclusões sobre pessoas de bem e honestas. Até dou um exemplo: como nós estamos falando de ilações – a ilação inaugurada por essa denúncia, ela não existe no Código Penal –, permitiria construir-se a seguinte hipótese: o assessor muito próximo ao procuradorgeral da República, e dou o seu nome. E dou o nome por uma única razão, porque o meu nome foi usado deslavadamente inúmeras vezes na denúncia.

Por isso eu dou o nome desse procurador da República de nome Marcello Miller. Homem da mais estrita confiança do senhor procurador-geral.

Pois bem, este senhor, que eu acabei de mencionar, e lamento ter de fazê-lo, deixa um emprego, que como disse, é um sonho de milhares de jovens acadêmicos, advogados, abandona o Ministério Público para trabalhar em empresa que faz delação premiada ao procurador- geral. E vocês sabem que quem deixa a Procuradoria tem uma quarentena, se não me engano, de dois ou três meses.

Não houve quarentena nenhuma.

O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou, na verdade, milhões em poucos meses. O que talvez levaria décadas para poupar. Garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira o seu patrão das garras da Justiça, que gera uma impunidade nunca antes vista.

Basta verificar o que aconteceu ao longo desses dois, três últimos anos para saber que ninguém saiu com tanta impunidade.

E tudo, meus amigos, ratificado. Tudo assegurado pelo procurador-geral.

Pelas novas leis penais, que eu estou dizendo da chamada ilação, poderíamos concluir nessa hipótese que estou mencionando, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que deixou a Procuradoria para trabalhar nessa matéria. Mas tenho responsabilidade. Eu não farei ilações. Eu tenho a mais absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas. Não posso fazer, portanto, ilações.

Não posso ser irresponsável.

E no caso do senhor grampeador, o desespero de se safar da cadeia moveu a ele e seus capangas, para, na sequência, haver homologação de uma delação, e distribuir o prêmio da impunidade. Criaram uma trama de novela. Eu digo, sem medo de errar, que a denúncia é uma ficção. O desespero de se safar da cadeia é que moveu o cidadão Joesley e seus capangas.

Foi isto que fez com que se houvesse homologação de uma delação e a distribuição de um prêmio de impunidade.

Exatamente quem deveria estar na cadeia, está solto para voar a Nova York ou Pequim, ainda voltar para cá e criar uma nova história. Já que a coluna inicial referente à gravação começou a ser questionada, então disseram: vamos trazê-lo de novo, por uma nova história que ele venha a contar. Ele foi trazido. É interessante, ele veio de boné para se disfarçar, nós não precisamos andar de boné, não temos o que disfarçar.

Quero lembrar que o fruto dessa conversa é uma prova ilícita, inválida para a justiça.

Essa gravação foi questionada por um, dois, três jornais, pelo perito que eu coloquei, e agora na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu Instituto de Criminalística, está dito que há cerca de 120 interrupções, não é? O que torna a prova inteiramente ilícita.

As regras básicas da Constituição não podem ser tripudiadas pela embriaguez da denúncia que busca a revanche, a destruição e a vingança. E ainda se fatiam as denúncias para provocar fatos semanais contra o governo. Querem parar o País, parar o Congresso num ato político com denúncias frágeis e precárias. Não fugirei das batalhas, nem da guerra que temos pela frente. Não me falta coragem para seguir na reconstrução do País e na defesa da minha dignidade pessoal.

Discurso. Ministros, deputados e senadores acompanharam o pronunciamento de Temer no Palácio do Planalto após a denúncia apresentada por Janot

Acusação

Temer foi denunciado por Rodrigo Janot pelo crime de corrupção passiva com base na delação do Grupo J&F.

Marcello Miller

Ex-procurador da República, é sócio do escritório de advocacia que atuou na leniência do Grupo J&F.

Delação

O acordo de delação de Joesley Batista, que gravou Temer, é alvo de críticas por suposto excesso de benefícios

Denúncia fatiada

Temer deve ser alvo de nova denúncia de Janot, por obstrução de investigação de organização criminosa.

 

O Estado de São Paulo, n. 45179, 28/06/2017. Política, p. A6