Título: Fila de espera
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2012, Brasil, p. 10

"E ainda costumam dizer que não existem doentes de Chagas", desabafa o médico Alejandro Luquetti, diante de um ambulatório lotado de pacientes. Luquetti pesquisa o mal de Chagas há 37 anos, desde o surgimento do laboratório especializado na doença, dentro do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia. O ambulatório de Chagas foi montado bem mais tarde, há 15 anos, numa região endêmica, com uma infinidade de doentes crônicos. Boa parte dos pacientes é de outros estados, principalmente da Bahia. Ambulatórios como o do Hospital das Clínicas são raros Brasil afora. É como se os doentes não existissem.

Responsável pelo laboratório, de onde extrai os dados dos exames de sangue para as pesquisas sobre a doença de Chagas, Luquetti guarda cuidadosamente todas as fichas dos pacientes que já passaram pelo laboratório e pelo ambulatório. São 20 mil, distribuídas em dezenas de gavetas de um armário. É comum os pacientes abandonarem o tratamento. Também é alta a quantidade de pessoas que morrem subitamente. Em muitos casos, os médicos do ambulatório nem ficam sabendo das mortes, em razão do sumiço anterior desses pacientes. As fichas viram arquivos mortos.

Para conseguir atendimento com um dos especialistas em coração, esôfago ou intestino, os órgãos mais atingidos pelo protozoário causador da doença, é preciso entrar numa fila de três meses. Para realizar os exames de sangue, a fila é menor: 15 dias.

O ambulatório do Hospital das Clínicas estava lotado de pacientes no dia em que a reportagem do Correio acompanhou a rotina do atendimento, uma terça-feira. Uma das maiores filas era para o tratamento do megaesôfago. Desde o início do ambulatório, já foram mais de 3 mil atendimentos para o problema no trato digestivo. "Comida seca, como arroz, carne frita e pão, não desce. O "bolo" só desce se eu beber água", conta o aposentado Benedito Joaquim Bezerra, de 67 anos, um dos pacientes presentes no ambulatório.

Nascido e criado na roça, Benedito sabe que tem a doença de Chagas desde 1990. Há seis anos, passou a fazer tratamento para o esôfago. O inchaço já está avançado, um caso para cirurgia. Mas Benedito tem medo do procedimento. Recorre a paliativos, com dilatações do órgão por meio de sondas. "Dois vizinhos fizeram a cirurgia e não resistiram. Fico com medo", diz a filha de Benedito que o acompanha nas idas ao HC, Vanusa Custódio Bezerra, 36. (VS)

SOFRIMENTO Benedito com a radiografia do esôfago: inchaço do órgão dificulta a alimentação