Título: Negócio de ouro
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2012, Economia, p. 8/9

Nos leilões de privatização dos aeroportos, o de Brasília sai com ágio de 673,89%. Resultado total, de R$ 24,53 bilhões, surpreende

O governo arrecadou um total de R$ 24,53 bilhões com os leilões dos aeroportos de Brasília, Guarulhos (SP) e Campinas (SP), feitos ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Com 11 consórcios em disputa e 22 propostas iniciais, o ágio obtido — 348% acima dos R$ 5,47 bilhões dos lances mínimos somados — surpreendeu analistas e participantes. A capital federal gerou a concorrência mais acirrada, levando a um ganho de 673,89%. Saiu vencedor da concessão, por 25 anos, o grupo Inframérica, liderado pela construtora catarinense Engevix em parceria com a operadora argentina Corporación America, que acabou por oferecer R$ 4,5 bilhões, quase oito vezes mais que o fixado no edital da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). "No governo, é assim. Termina uma etapa e começa outra. Agora, é garantir administração eficiente dos três aeroportos", afirmou a presidente Dilma Rousseff.

O consórcio vencedor de Brasília é o mesmo responsável pelo controle do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, na região metropolitana de Natal (RN), leiloado em agosto de 2011. A concessão brasiliense exigirá do concessionário investimento de R$ 2,8 bilhões. Do total, R$ 626,5 milhões devem ser aplicados antes da Copa do Mundo de 2014 na construção de um terminal para mais 2 milhões de passageiros, o que eliminará a sobrecarga atual, com movimento acima de 14 milhões por ano. O presidente da Engevix, José Antunes Sobrinho, acredita ter feito bom negócio e espera taxa de retorno do investimento acima de 10%, o que "garante o cumprimento das metas".

Viva-voz Logo no início do pregão, com a abertura dos envelopes, o grupo vencedor apresentou a maior (R$ 3,5 bilhões) dentre oito propostas endereçadas ao terminal. Depois, na única competição viva-voz do certame, bateu o segundo colocado, formado pela empreiteira OHL e a operadora espanhola Aena, adicionando R$ 1 bilhão ao lance original. "Por ter sido o aeroporto com o menor lance mínimo (R$ 582 milhões), se esperava grande número de propostas. Mas poucos previam que Brasília fosse o segundo melhor no geral, acima de Campinas (R$ 3,82 bilhões)", disse Cristiane von Ellenrieder, advogada de um dos consórcios.

O aeroporto de Guarulhos foi arrematado por R$ 16,21 bilhões, num ágio de 373,5%. O consórcio vencedor Invepar, formado pela Invepar Investimentos e a operadora sul-africana Airport Company South Africa, ganhou a concessão de 20 anos ficando no topo das 10 ofertas iniciais, com R$ 12 bilhões a mais que o mínimo. Campinas, por sua vez, ficou com a associação entre Triunfo, UTC Participações e a operadora francesa Egis Airport Operation, oferecendo R$ 3,82 bilhões — 159,75% de ágio. O contrato é de 30 anos.

Criada em 2000, a fluminense Invepar, concessionária de rodovias e do metrô do Rio de Janeiro, é uma associação entre os três maiores fundos de pensão do país — Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal)— e a construtora OAS. Sua disponibilidade de recursos acabou fazendo a diferença. "Os grupos vencedores mostraram excepcional agressividade, revelando a intenção de evitar o viva-voz", comentou o advogado Marlon Shigueru Ieiri, do escritório FHCunha, especializado em infraestrutura.

Segundo a Anac, os três maiores aeroportos do país respondem, juntos, por 30% do transporte de passageiros aéreos no Brasil, 57% das cargas e 19% da movimentação de aeronaves. O órgão regulador vai fiscalizar o cumprimento dos contratos de concessão e pode aplicar multas de até R$ 150 milhões em caso de atraso na entrega das obras, com prazo fixado de 18 meses. As tarifas não sofrerão reajustes neste ano, embora a Anac tenha autorizado aumento de 4% no resto do país.

O ministro da Secretaria de Aviação Civil (SAC), Wagner Bittencourt, comemorou o resultado. Para ele, os valores expressivos confirmaram o forte interesse de investidores e a impressão de que o Brasil tem baixo risco e boas condições de financiamento. "O país tem boas perspectivas de crescimento, sobretudo no setor aeroportuário, que continua crescendo a dois dígitos", disse. Ele lembrou que os concessionários deverão investir cerca de R$ 16 bilhões nos três aeroportos durante a concessão, sendo R$ 2,9 bilhões antes da Copa de 2014.

Por enquanto, o modelo criado pelo governo, que exigia a presença de grandes empresas nacionais de infraestrutura aliadas a administradores estrangeiros de aeroportos, conseguiu se viabilizar apesar do pouco tempo para as negociações. Foram sete meses entre a decisão do governo e os leilões, obrigando a tomadas de decisão e análises econômicas num período recorde.

Oportunidades "Somente com o tempo poderemos perceber se as apostas foram altas demais. Num momento semelhante à privatização das telecomunicações, ficou clara a percepção de que o Brasil será outro em 15 anos", avaliou Adelmo Emerenciano, sócio do escritório de advocacia Emerenciano, Baggio e Associados e um dos representantes de investidores nos leilões.

Ele acredita que os valores são condizentes com as oportunidades, a exemplo do elevado ágio (R$ 7 bilhões) pago pelo Banco Santander na venda do Banespa, em 2000. "Quem deu ágio maior logo de cara viu potencialidade que os outros não enxergaram", ressaltou o secretário executivo da SAC, Cleverson Aroeira.

No geral, os representantes dos consórcios vencedores e derrotados duvidam que poderá haver alguma reviravolta no processo de concessão dos três aeroportos leiloados.

Hoje, será feita na BM&FBovespa a abertura do terceiro lote de envelopes dos candidatos, em que estão documentos com garantias financeiras e jurídicas dos lances. "Pelo nível da disputa e dos grupos envolvidos, é improvável que ocorra alguma impugnação", sublinhou o assessor jurídico de um consórcio. Caso o cronograma se desenvolva sem percalços, os gestores privados podem assumir em definitivo no começo de maio.

Antes disso, a assinatura dos contratos deverá ser feita em até 45 dias após a homologação do leilão. Haverá, depois, uma transição de seis meses, prorrogável por mais seis meses, na qual a concessionária administrará o aeroporto em conjunto com a Companhia Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). No capital societário de todas as Sociedades de Propósito Específico (SPE) que serão criadas para tocar a operação e os investimentos nos terminais, a estatal terá 49%. A Infraero, que opera 66 aeroportos no país, continuará com 63 e será sócia minoritária dos três concedidos. (Colaborou Juliana Braga)

Destino do dinheiro Além do valor arrecadado ontem com os leilões, que será pago em parcelas anuais corrigidas pela inflação, os três concessionários recolherão uma contribuição variável. Ela será de 2% sobre a receita bruta da concessionária em Brasília, de 5% em Campinas e de 10% em Guarulhos. Toda a arrecadação será usada pelo Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) para viabilizar aeroportos menos atraentes. O país tem cerca de 700 terminais aeroportuários, a maioria municipal e em péssimas condições.