Da recessão à estagnação

Claudia Safatle

02/06/2017

 

 

A crise que abalou o governo de Michel Temer desde a divulgação da delação premiada dos irmãos Batista, da JBS, começou a cobrar seu preço. A primeira fatura ocorreu na taxa de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) não só reduziu o corte previsto da Selic de 1,25 ponto percentual para 1 pp, mas indicou que poderá diminuir o ritmo para 0,75 pp na próxima reunião, nos dias 25 e 26 de julho, e rever o orçamento de redução dos juros inicialmente imaginado. O governo não gostou.

O resultado do PIB do primeiro trimestre divulgado ontem pelo IBGE - crescimento de 1% sobre o último trimestre de 2016 - também não enseja comemorações. Foi o primeiro trimestre de performance positiva após oito períodos de retração da atividade econômica, que contou com a relevante e decisiva ajuda da agricultura (responsável por 0,9% do PIB). Os dados do segundo trimestre, porém, não confirmam que o país está retomando o crescimento. Indústria e serviços parecem estagnados. E isso precede os estragos da delação de Joesley e Wesley Batista, feita há duas semanas.

Silvia Matos, do Ibre-FGV, que projetava o crescimento de 1% para o primeiro trimestre, prevê o seguinte desempenho para o PIB no ano: contração de 0,4% no segundo trimestre, com ajuste sazonal; crescimento de 0,1% para o terceiro; e de zero para o ultimo trimestre. Assim, 2017 encerraria com uma expansão de 0,2% e não mais 0,4% como ela chegou a prognosticar.

O processo de retomada, portanto, tende a ser mais lento e mais gradual do que se pensava, e isso começou a se delinear antes da hecatombe da delação que feriu o presidente Temer.

Para a área econômica do governo, a sequência do PIB será melhor: crescimento de 0,3% a 0,4% no segundo trimestre e de mais ou menos 1% no terceiro. A grande dúvida está no quatro trimestre do ano, que é o que mais vai retratar as decisões de agora dos agentes econômicos, que estão sendo tomadas em um ambiente de grandes incertezas maximizadas pelas delações.

A tendência, portanto, é de os empresários deixarem os projetos de expansão dos seus investimentos em banho-maria para só desengavetá-los quando o ambiente estiver menos nebulosos.

A oferta de crédito e o consumo das famílias não mostram sinais de melhora. Não são só as incertezas que impedem a expansão do credito. Há questões microeconômicas dificultando. Segundo Marcos Lisboa, presidente do Insper, a discussão do "distrato" no mercado imobiliário vai travar mais o crédito no país. É o tipo da medida aparentemente "boazinha" que penaliza a sociedade no médio e longo prazos.

A situação financeira das famílias continua delicada, o desemprego é muito alto e o dinheiro do saque das contas inativas de FGTS não está irrigando o consumo, segundo Silvia Matos. Isso e mais o processo de desalavancagem das empresas, que ainda não acabou, explicaria a reversão dos indicadores da atividade no segundo trimestre.

O que impulsiona a economia é a demanda interna - dada pelo consumo das famílias e pelos investimentos. Ambos, porém frustraram no primeiro trimestre e não mostram reação no segundo. A formação bruta de capital fixo, que é a medida do investimento no país, está em queda há 14 trimestres.

Com a inflação bem ancorada, abaixo da meta, e sem pressão de demanda, há quem assegure que o cenário, mesmo com toda a turbulência política, é desinflacionário e não inflacionário como teme o Copom. Razão pela qual o comunicado do comitê, na quarta feira. ao indicar desaceleração do corte dos juros para a reunião que só vai ocorrer no fim de julho, foi visto como excesso de zelo do Banco Central por assessores da presidência da República e da área econômica do governo. O presidente Temerprecisa de boas notícias na economia para tentar permanecer no cargo.

Os primeiros efeitos da divulgação do conteúdo das delações da JBS foram medidos por pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre os dias 18 e 22 de maio. O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec) teve queda de 2,7% em comparação com abril.

Confrontado com maio de 2016, o recuo foi de 4,4%. "A queda da confiança do consumidor para um nível inferior ao de 2016 aumenta a preocupação sobre a evolução da demanda de consumo para os próximos meses e, consequentemente, para a atividade econômica", comentou a direção da CNI.

As dúvidas sobre se Temer concluirá o mandato e se há chance de aprovação de alguma reforma da previdência - ainda que apenas a idade mínima com regras de transição -é o que gera mais incerteza no ambiente econômico hoje. Sem reforma, o novo regime fiscal não se sustenta, a dívida pública não cai e o risco de insolvência ressurge.

O mercado financeiro se ajustou ontem à nova realidade exposta pelo Copom - de maior cautela no corte dos juros. Mas, de forma geral, os preços dos ativos não expressam o inusitado risco de duas quedas de presidentes da República em menos de um ano, tomando setembro como a data da oficialização de Temer no cargo, com a aprovação do impedimento de Dilma Rousseff. Há uma certa leniência, dizem os especialistas.

Um atuante operador do mercado explicou que isso se deve a três pilares: 1) Enquanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do BC, Ilan Goldfajn, estiverem firmes nos seus postos não se vislumbra medidas tresloucadas; 2) A coalizão de centro-direita que governa o país não dá sinais de ruptura, tendendo a marchar junta na transição para 2019, com Temer ou sem ele; 3) O cenário externo é de farta liquidez, o que é um dado bastante positivo para o país.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4268, 02/06/2017. Brasil, p. A1.