Investimento não reage e taxa de poupança sobe

Camilla Veras Mota e Thais Carrança

02/06/2017

 

 

O esforço de desalavancagem de empresas e famílias e a falta de um horizonte mais sólido de recuperação, que justifique os investimentos, levou o país a poupar mais no início deste ano. Em um ano, a taxa de poupança aumentou quase dois pontos percentuais, de 13,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2016 para 15,7%. O percentual chegou a ultrapassar a taxa de investimentos, que permaneceu no menor nível desde 1995, 15,6%.

O avanço se deu sobre uma base de comparação já muito deprimida - no quarto trimestre, ela chegou a 11,1% - e o nível atual continua entre os piores da série do IBGE, que começa no ano 2000. Ainda assim, a poupança cresceu mais do que o PIB, que avançou 1% sobre o trimestre imediatamente anterior, feito o ajuste sazonal.

"Todo mundo está acumulando liquidez para pagar dívida", avalia Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Para ele, o cenário bastante restritivo aos investimentos, com nível de ociosidade muito elevado na indústria e grande incerteza política, também contribuiu para o avanço no indicador. Diante das condições atuais, nem empresas nem consumidores têm confiança para voltar a gastar.

A elevação no nível de poupança, para o diretor do Centro de Estudos do Instituto Ibmec (Cemec), Carlos Antonio Rocca, pode estar ligada a "alguma recuperação" da situação financeira das empresas e ao ajuste fiscal do governo. Os dados do IBGE, entretanto, não permitem fazer uma avaliação mais assertiva, já que não trazem maiores detalhes. O setor público, ele pondera, é um dos maiores consumidores da poupança nacional. O último levantamento do Cemec mostrava uma "despoupança" de 8% PIB, financiada pelo setor externo e pela poupança privada. "É frequente o comentário de que o brasileiro não poupa, mas o maior problema é o setor público".

Apesar do horizonte ainda bastante incerto, afirma Paulo Gomes, economista da Azimut Wealth Management, a alta pode sinalizar um aumento de consumo à frente, postergado diante da deterioração em curso do mercado de trabalho e do medo do desemprego, que ainda assusta os consumidores. "A queda no consumo das famílias [de 0,1% em relação ao quarto trimestre] seria mais triste se a poupança não tivesse aumentado. Essa alta pode indicar mais consumo no futuro", acrescenta.

Do lado dos investimentos, diz Cagnin, do Iedi, o aumento da incerteza trazida pela crise política pode interromper a recuperação lenta desenhada nos últimos trimestres e prolongar a "década perdida" da Formação Bruta de Capital Fixa (FBCF). A retração de 1,6% do componente no primeiro trimestre de 2017, na comparação com o intervalo imediatamente anterior, reforçou a avaliação de que ele ainda não dá sinais de retomada consistente e que, ao contrário do que se esperava no fim de 2016, não será indutor de crescimento neste ano.

"Os riscos são mensuráveis, mas incerteza não dá para quantificar. Ela paralisa", acrescenta Rocca, do Cemec. O impacto negativo da crise, ele afirma, vai depender de sua duração. O economista ressalta que os investimentos vinham sinalizando um "processo de recuperação bastante moderada", movimento traçado pelas variações anuais da formação bruta, cada vez menos negativas. No primeiro trimestre, a queda foi de 3,7% sobre os três primeiros meses de 2016, após recuo de 5,4% nos últimos três meses do ano passado.

"Mas a turbulência traz interrogações sobre esse processo", acrescenta Cagnin. O resultado divulgado ontem pelo IBGE mostrou que os investimentos operam no mesmo nível médio anual de 2007, ele diz. Desde o terceiro trimestre de 2013, a queda acumulada é de 30%. "Demorou para os leilões, para as concessões saírem. Não é agora que vamos sentir esses efeitos", ele pondera.

Levantamento do Cemec com dados desde 2004 mostra que a decisão de investimento está ligada especialmente a dois fatores: a relação entre a taxa de retorno do capital investido e o custo de capital e a expectativa de crescimento da economia, que acaba sendo indicador do comportamento da demanda, diz Rocca. Assim, se, de um lado, o nível elevado de ociosidade na indústria aponta para uma recuperação mais lenta dos investimentos, a redução dos juros e da inflação são sinalizações positivas.

A retração do primeiro trimestre frustou a expectativa da GO Associados, de avanço de 1,32% dos investimentos sobre o quatro trimestre de 2016. Para o economista Luiz Fernando Castelli, o desempenho mostra que ainda há pouca confiança dos agentes em relação à economia e deve ter efeito negativo para o crescimento no médio prazo.

Ele projetava avanço de 1,32% para os investimentos de janeiro a março, na comparação com o trimestre anterior. O economista também esperava desempenho positivo em 0,79% para o consumo das famílias, que veio praticamente estável, com variação negativa de 0,1% na base trimestral. "Os dados de demanda vieram piores. O consumo veio abaixo, mostrando sinais de estabilização".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4268, 02/06/2017. Brasil, p. A4.