REMENDO DEFINITIVO

EDUARDO BRESCIANI

09/08/2017

 

 

Deputados articulam permanência de sistema que beneficia políticos com mandato

Apontado como o sistema eleitoral mais fácil para os atuais parlamentares se reelegerem, o chamado distritão pode ser adotado como modelo definitivo para as eleições de deputados e vereadores a partir do próximo pleito. As articulações de bastidores, sobretudo entre parlamentares do centrão, indicam apoio a essa mudança sem respeitar o acordo estabelecido com o PSDB e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de se adotar o sistema distrital misto a partir de 2022. O tema faz parte da reforma política, que deve ter a votação iniciada hoje em comissão especial.

Usado em apenas quatro países — Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn —, o distritão elege para o parlamento os candidatos mais votados, independentemente do apoio que seus partidos recebam. Hoje, as cadeiras de deputados e vereadores são distribuídas primeiro de forma proporcional aos votos recebidos pelos partidos ou coligações e ocupadas pelos candidatos mais votados desses grupos.

No distrital misto que, pelo acordo, começaria a valer em 2022, o eleitor votaria duas vezes: em um representante de seu distrito e em um partido político, que apresentaria uma lista fechada. Metade das vagas seriam preenchida pelos distritais, metade pelos candidatos das listas. Para aprovar qualquer mudança, são necessários 308 votos entre os 513 deputados e 49 entre os 81 senadores.

Rejeitado em 2015 pela Câmara quando o ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) patrocinava a mudança, o distritão ganhou adeptos recentemente diante da perspectiva de uma grande renovação da Casa devido às denúncias de corrupção contra dezenas de deputados na Operação Lava-Jato. O sistema é o preferido do presidente Michel Temer. A avaliação é que o modelo favorece candidatos conhecidos, ainda mais com as regras já aprovadas que reduziram o tempo de campanha. A ideia, no entanto, era usar o sistema apenas como uma transição.

— O que eu estou tentando trabalhar é um sistema eleitoral que faça a transição em 2018 para que a gente tente chegar ao distrital misto em 2022, que atende à maioria da sociedade brasileira — afirmou Rodrigo Maia.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP), sustenta que o distritão é a única alternativa possível. Deputados e senadores de diferentes partidos, da base aliada e da oposição, fizeram reunião na noite de ontem, na residência do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para discutir a reforma.

— A tendência é fechar com o “distritão”, mesmo sem saber se haverá 308 votos em plenário. Mas este é o único caminho — disse Baleia ao chegar à casa de Eunício.

Há, no entanto, resistências na Casa ao sistema desejado pelos tucanos, movimento que começa a ganhar corpo.

— O distritão é o que aproxima mais, o que tem ampla maioria. O distrital misto não dá nem para pensar. A gente não vai aprovar isso — afirmou o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), um dos principais líderes do centrão.

Parlamentares desse grupo afirmam que a derrubada do distrital misto pode acontecer de duas formas: na votação da reforma política agora ou, eventualmente, na próxima legislatura.

— A verdade é que tem gente querendo só enganar o PSDB. Vota agora como eles querem e depois tira o misto — afirmou um líder do centrão.

 

ALCKMIN CRITICA NOVAS REGRAS

Autor da emenda que institui o “distritão”, o deputado Miro Teixeira (RedeRJ) rebate as críticas e minimiza o fato de apenas poucos países periféricos adotarem este modelo:

— O povo não tem mais controle sobre o que se passa na Câmara e passará a ter, fiscalizando. Aliás, o povo já pensa que é assim, que quando são dez vagas entram os dez mais votados.

A adoção desse sistema é criticada mesmo por correligionários de Miro, como Alessandro Molon (Rede-RJ):

— A Câmara está voltada para impedir a renovação. Esse sistema piora em muito a representatividade, porque grande parte dos votos são simplesmente jogados no lixo, sem ajudar a eleger alguém por um partido.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) é outro que já fez críticas severas ao modelo:

— Distritão é um absurdo. O nome está errado, não é distritão, é estadão, é o estado inteiro, a campanha fica mais cara.

Os debates na Câmara abrangem também o financiamento público de até R$ 4 bilhões para campanhas e a cláusula de barreira para retirar benefícios de legendas com menos de 1,5% dos votos válidos para deputado federal em nove estados.

 

 

QUE REFORMA VIRÁ?

DAVID FLEISCHER

PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

O distritão é coisa do Temer e do PMDB. Eles acreditam que podem ser beneficiados. Pode ser a morte dos partidos, perderiam muita importância. Vai reduzir o número de partidos (na Câmara) para nove ou dez. A distribuição dos recursos ainda vai fortalecer os grandes partidos. É melhor o voto distrital, porque reforça a ligação entre o eleitor e o eleito. O distritão é uma nova jabuticaba.

 

ROBERTO ROMANO

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DE ÉTICA DA UNICAMP

São medidas tomadas isoladamente. Se você opta pelo distritão, remove barreiras, mas o que vem de aprimoramento é pouco. Estamos entrando na tentativa de resolver um problema global, a crise de representatividade, com medidas parciais. É como se você pegasse uma peça de Rolls-Royce e quisesse fazer um carro eficaz e bonito. Temos é um fuscão caindo aos pedaços. Colocar peça de carrão não vai melhorar

 

 

GLOSSÁRIO

SISTEMA ATUAL

As vagas de deputados e vereadores são distribuídas proporcionalmente ao número de votos somados pelos candidatos e seus partidos. Assim, os mais votados dentro da legenda ou coligação são eleitos.

DISTRITÃO

A eleição de deputados e vereadores passaria a ser majoritária. Ou seja, os mais votados em cada estado ou município seriam eleitos, independentemente dos resultados de seus partidos.

DISTRITAL MISTO

Estados e cidades seriam divididos em distritos. Metade das vagas seria preenchida pelos mais votados nos distritos, como em eleição de prefeito. A outra metade, por listas partidárias.

O globo, n.30683 , 09/08/2017. PAÍS, p. 3