Título: A matança continua
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 07/02/2012, Mundo, p. 16
Regime de Bashar Al-Assad intensifica a repressão aos opositores e realiza o mais violento bombardeio a um bairro da cidade de Homs. Em todo o país, pelo menos 69 pessoas morrem. Estados Unidos fecham embaixada e criticam aliados de Damasco
"O que se irrita raramente tem razão." O provérbio foi usado ontem pelo chanceler russo, Serguei Lavrov, em resposta à "reação indecente e quase histérica" do Ocidente após o veto de Pequim e de Moscou a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando a repressão na Síria. O governo chinês seguiu a mesma linha e avisou que não aceita acusações sobre o veto. O ditador sírio, Bashar Al-Assad, aproveitou o respaldo de seus aliados para intensificar a repressão aos opositores.
Enquanto uma chuva de morteiros voltava a cair sobre a cidade de Homs (centro), os Estados Unidos fechavam sua embaixada em Damasco, recomendavam a saída de todos os americanos do país árabe e enviavam uma dura advertência à Rússia e à China. "Algumas nações não deveriam tentar apostar no regime de Al-Assad, porque (esta) já é uma aposta perdida", declarou Jay Carney, porta-voz da Casa Branca. "Apostar tudo em Al-Assad é se autocondenar ao fracasso", insistiu, ao chamar o governo da Síria de "criminoso". Ativistas denunciaram que os bombardeios de ontem mataram pelo menos 69 pessoas, em sua maioria civis — 58 eram moradores de Homs.
A porta-voz do Departamento de Estado americano, Victoria Nuland, admitiu que a Síria enfrenta uma violência crescente. "Isso revela que o regime está perdendo o controle", afirmou. Ela atribuiu o fechamento da representação diplomática à preocupação com o risco de o prédio ser alvo de um ataque. Nuland reiterou que, apesar de ter deixado o território sírio, o embaixador Robert Ford segue no posto, mas passará a manter contatos com a oposição. E mandou um aviso ao Kremlin. "Esperamos que Lavrov aproveite esta oportunidade para fazer o regime de Al-Assad compreender o quão isolado está", comentou, referindo-se ao chanceler russo, que desembarca hoje em Damasco. Para ampliar esse isolamento, o Reino Unido convocou seu embaixador na Síria "para consultas".
Sobrevivente Por telefone, de Homs, o engenheiro Abo Emad (nome fictício) confirmou que o bairro de Baba Amro, onde vive, sofreu o mais violento ataque desde o início da revolta, em março de 2011. "É uma carnificina, uma atrocidade. Não há comida, faltam suprimentos médicos e ninguém está nos ajudando", desabafou ao Correio. Segundo ele, a ofensiva das tropas de Al-Assad contra Baba Amro teve início ontem às 5h (1h em Brasília). "Durante 10 horas, as forças do regime dispararam bombas a vácuo e morteiros. Atingiram hospitais, escolas e prédios civis. Os tanques cercaram a cidade. Vários feridos ficaram presos sob os escombros. Tudo o que se move é atingido, sem piedade. Os soldados atiram e, depois, lançam bombas", relatou. Emad contou que franco-atiradores estão espalhados pelo bairro, onde 12 pessoas morreram. "Eles disparam contra qualquer civil que veem", denunciou.
Depois de enterrar dois primos e cinco amigos, executados pelo regime, o engenheiro de Homs aprendeu a conviver com o perigo. Evita sair de casa e dorme apenas cerca de três horas por noite. Teme que a casa na qual se refugia seja destruída por um míssil. Ele admitiu à reportagem que está irritado com o veto sino-russo na ONU. "Foi algo completamente errado. Ao fazerem isso, China e Rússia ajudam esse regime nazista a matar seu próprio povo", criticou.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, engrossou a condenação a Al-Assad. "Esta violência é totalmente inaceitável para a humanidade", declarou o porta-voz da ONU, Martin Nesirky, que citou o uso de artilharia pesada e o bombardeio de áreas civis em Homs. "A ausência de um acordo no Conselho de Segurança não confere às autoridades sírias licença para intensificar ataques contra o povo. Nenhum governo pode cometer tais atos contra seu povo sem que sua legitimidade seja erodida", emendou Ki-moon. O governo sírio nega ter atacado Homs e culpa "grupos terroristas".