STF limita hipótese de revisão das delações

Breno Pires / Rafael Moraes Moura

30/06/2017

 

 

Supremo decide que acordos só podem ser revistos se descumpridos pelo delator

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por 8 votos a 3, que as colaborações premiadas homologadas só podem ser revisadas pelo colegiado se o delator descumprir os termos firmados com o Ministério Público Federal (MPF) ou se forem verificadas ilegalidades que possam motivar a anulação do acordo, em parte ou no todo.

Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o instituto das delações premiadas sai revigorado após o que considerou um “julgamento expressivo”.

“É uma decisão histórica, que fortalece, e muito, o instituto da colaboração premiada, incorporada ao Direito brasileiro. Dá segurança jurídica, confiança no Estado e respeita o princípio da boa-fé”, afirmou Janot, em entrevista logo após o resultado.

O julgamento sobre os limites da atuação do relator na homologação de acordos de colaboração premiada foi concluído ontem, na quarta sessão plenária dedicada ao assunto.

Depois de decidirem manter o ministro Edson Fachin na relatoria da delação da JBS (por 11 a 0) e reconhecer que cabe ao relator homologar monocraticamente os acordos (por 9 a 2), o plenário decidiu avançar em relação ao que havia sido proposto por Fachin. O ministro não havia tratado inicialmente da possibilidade de revisão dos acordos no momento da sentença do processo.

A extensão da atribuição do colegiado para julgar os termos e a eficácia do acordo foi o principal tema debatido ontem entre os ministros. Fachin defendeu a tese de que o exame da legalidade se limita ao ato da homologação pelo relator, cabendo ao colegiado no momento da sentença a análise da eficácia.

O emprego da palavra “vinculação” provocou um intenso debate entre os ministros – muitos viram nesse termo uma redução das atribuições do colegiado no momento de proferir a sentença final.

“O acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico e, sendo um negócio jurídico, é evidente que sejam sempre analisados seus pressupostos de existência, de validade, de eficácia. Se posteriormente se descobre vício de coação ou vício na existência, é evidente que o colegiado é soberano”, disse Toffoli.

 

Proposta. O ministro Alexandre de Moraes foi o propositor da redação que terminou acompanhada pelos ministros Fachin, Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Celso de Mello e pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.

Moraes argumentou que, apesar de o controle da legalidade, da regularidade e da voluntariedade ser feito pelo relator na homologação, “isso não impede que, no momento do julgamento, o colegiado, seja a turma, seja o plenário, analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior”.

Os ministros do Supremo firmaram então o entendimento de que o acordo homologado “como voluntário, regular e legal deverá, em regra, produzir seus efeitos face ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao colegiado a análise do parágrafo 4.º do artigo 966 da Lei 13505/15 (Código de Processo Civil)”, que trata da possibilidade de anulação.

Ficaram vencidos, neste ponto, os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. “Se está dando poder ao relator que nenhum de nós quer ter. Cada vez mais eu fico mais confuso porque parece que houve uma metamorfose ambulante nesse julgamento com as várias versões e os devidos aproveitamentos.

Estamos reescrevendo a Constituição.

Estamos parecendo um parlamento árabe, aqui não é jogo de esperteza”, afirmou Gilmar, durante a sessão. Segundo Cármen Lúcia, o debate não vai mudar a homologação referente aos irmãos Joesley e Wesley Batista.

“Isso não está em causa para o Supremo Tribunal Federal por uma razão simples: o Ministério Público escolheu aquelas cláusulas e foi homologado”, disse a ministra. “Então, para o bem ou para mal, esse acordo não será revisto judicialmente, independentemente da decisão que aqui se tomasse. Não por causa do STF, não por decisão do STF, mas por uma decisão do Ministério Público”, disse.

 

Decisão. Plenário do Supremo faz quarta e última sessão sobre delação premiada

 

Defesa

Para o advogado Pierpaolo Bottini, do Grupo J&F, controlador da JBS, a decisão do STF preserva a delação de Joesley e Wesley Batista. “O STF restringiu as hipóteses diante das quais se pode revisar o acordo.”

 

Comemoração

“É uma decisão histórica, que fortalece, e muito, o instituto da colaboração premiada. Dá segurança jurídica, confiança no Estado e respeita o princípio da boa-fé.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

JULGAMENTO

Acordos de colaboração podem ser revistos se houver descumprimento?

A FAVOR – 8

Dias Toffoli

Cármen Lúcia

Edson Fachin

Celso de Mello

Alexandre de Moraes

Luís Roberto Barroso

Luiz Fux

Rosa Weber

 

CONTRA – 3

Gilmar Mendes

Marco Aurélio

Ricardo Lewandowski

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Decisão do Supremo traz ‘segurança jurídica’, diz Janot

Breno Pires / Rafael Moraes Moura

30/06/2017

 

 

Procurador-geral da República não viu como negativo o fato de que acordos irregulares possam ser revistos

 

 

Alvo de críticas do governo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirma a possibilidade de o Ministério Público (MP) fazer acordos de colaboração e traz segurança jurídica.

“O recado é: quando se faz um acordo, desde que o colaborador cumpra suas obrigações no contrato, o que vai ser aferido no final do processo penal, e que não haja nenhuma ilegalidade nesse acordo, o Ministério Público vai entregar aquilo que se comprometeu a entregar”, disse o procurador-geral.

As delações premiadas como meio de obtenção de prova vem sendo amplamente utilizado nas investigações de corrupção. No Brasil, o método é amplamente utilizado na Operação Lava Jato, e, mais recentemente, no caso da JBS. Neste último, a PGR denunciou o presidente Michel Temer.

Para Janot, se o STF decidisse que poderia revisar o conteúdo do acordo depois de homologado, isso “levaria insegurança aos réus colaboradores, uma possibilidade da quebra de confiança, de quebra do princípio da segurança jurídica”.

O procurador-geral disse não ver como negativa a possibilidade de anulação de acordos caso de haja alguma ilegalidade clara.

“Eu acho que não seria necessário dizer isso, é óbvio. Se surge um fato novo ou se chega ao conhecimento do Judiciário um fato ocorrido, mas se, de qualquer forma torna ilegal o acordo, é óbvio que pode ser revisto o acordo”, disse.

 

Provas. Questionado sobre em que tipo de situação provas poderiam ser anuladas, Janot cita dois casos: se o colaborador ou o MP descumprir o acordo. No primeiro caso, o delator “perde todas as premiações, mas todas as provas podem ser utilizadas pelo MP contra ele e contra todos os outros réus”. Já no segundo, não há consequências para o colaborador.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45181, 30/06/2017. Política, p. A8.