Janot denuncia Temer por corrupção passiva

27/06/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Pela 1ª vez na história da República brasileira um presidente é acusado de crime durante o mandato; procurador-geral poderá apresentar nova acusação por obstrução de investigação

 

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou criminalmente ontem ao Supremo Tribunal Federal o presidente Michel Temer por corrupção passiva com base na delação dos acionistas e executivos do Grupo J&F, que controla a JBS. O ex-assessor especial do presidente e ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures também foi alvo de acusação formal. É a primeira vez na história da República brasileira que um presidente é acusado de crime durante o exercício do mandato. Em 1992, Fernando Collor de Mello foi denunciado quando já estava afastado do cargo.

Janot indicou que vai mesmo fatiar a acusação relacionada aos crimes apurados. Temer também poderá ser denunciado por obstrução à investigação de organização criminosa. O relatório da Polícia Federal foi encaminhado ontem ao Supremo. A PF imputa a mesma conduta criminosa ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) e ao empresário e delator Joesley Batista. A partir de hoje, Janot terá cinco dias para decidir se oferece a nova denúncia.

Na visão da PF, o presidente cometeu crime “por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa, na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos” ao deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – que está preso em Curitiba – por Joesley, “ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da Magistratura Federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo mesmo empresário”.

Em mais uma frente contra o presidente, a Procuradoria-Geral da República também pediu ontem a abertura de um novo inquérito contra Temer e Loures para investigar os fatos relativos ao “Decreto dos Portos”, sob a suspeita de crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva.

Antes de ser formalmente acusado, o presidente disse em cerimônia no Palácio do Planalto que o Brasil está na “rota de superação” e nada o destruirá. “Nem a mim, nem aos nossos ministros.” O relator do caso no Supremo, ministro Edson Fachin, vai definir o rito que dará à denúncia antes de encaminhá-la para a Câmara.

No Legislativo, a acusação tramita primeiro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de seguir para o plenário. São necessários os votos de 172 dos 513 deputados para derrubá-la. Se aprovada por no mínimo 2/3 da Casa, retorna ao STF. Caso a Corte aceite a acusação, o presidente é obrigado a se afastar do cargo por 180 dias.

Líderes governistas pressionam o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), para influenciar na escolha do deputado que vai relatar a denúncia. O Planalto quer uma tramitação rápida, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que cada deputado vai votar com sua consciência e é preciso ter “paciência”.

 

Cerimônia. Temer durante evento no Palácio do Planalto, antes de a denúncia de Janot ser apresentada ao Supremo

 

“(Michel Temer e Rocha Loures) Ainda aceitaram a promessa de vantagem indevida no montante de R$ 38 milhões.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

 

“Mas posso desde logo afirmar a minha absoluta certeza de que a denúncia não está calcada em fatos concretos e comprovados.”

Antônio Cláudio Mariz

ADVOGADO DE MICHEL TEMER

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Procurador cita ‘esquema espúrio’ entre presidente e ‘seus comparsas’

 Fabio Serapião / Breno Pires

27/06/2017

 

 

Para Janot, Temer obteve ‘vantagem indevida’ de R$ 500 mil; defesa diz que denúncia não tem base ‘em fatos concretos’

 

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou em denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal que o presidente Michel Temer, “valendo- se de sua condição de chefe do Poder Executivo e liderança política nacional”, recebeu por intermédio de seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, “vantagem indevida de R$ 500 mil ofertada por Joesley Batista”.

Além dos R$ 500 mil entregues em mala de dinheiro, Janot afirma que Loures e Temer “ainda aceitaram a promessa de vantagem indevida no montante de R$ 38 milhões”.

Ainda segundo o procurador-geral da República, existe “um esquema espúrio que envolve Michel Temer e seus comparsas há alguns anos” e “nesta ocasião específica (entrega dos R$ 500 mil), Rodrigo Loures figurou como representante de Temer, substituindo outros que serviam como intermediários para recebimentos de propina pretéritos.” Para justificar a necessidade da denúncia contra Temer, Janot se baseia nas informações angariadas na delação dos executivos do grupo J&F e nas investigações conduzidas no âmbito da operação Patmos. Na denúncia, Janot aborda o encontro realizado no Palácio do Jaburu no qual Joesley gravou sua conversa com Temer.

De acordo com a denúncia, o encontro serviu para tratar de “temas não republicanos”.

“As circunstâncias deste encontro – em horário noturno e sem qualquer registro na agenda oficial do presidente da República – revelam o propósito de não deixar vestígios dos atos criminosos lá praticados”, afirma.

Após a gravação se tornar pública, Temer afirmou receber vários empresários durante a noite, mas, segundo Janot, não há relato desses encontros nas agendas oficiais. De acordo com a acusação, as conversas gravadas mostram que a ideia dos denunciados era manter encontros secretos sem registros oficiais. “A conversa no Palácio do Jaburu foi apenas o ponto de partida para as solicitações e recebimentos de vantagens indevidas.” Janot detalha os encontros posteriores entre Rocha Loures e Joesley e cita as reuniões realizadas entre o ex-assessor de Temer e o diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud.

Segundo a denúncia, as conversas e a investigação instaurada mostram que Rocha Loures atuou para que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) concedesse uma decisão favorável à Empresa Produtora de Energia de Cuiabá, do Grupo J&F. Nesse caso, Janot cita a ligação do ex-deputado para o presidente do Cade Gilvândro Araújo durante um encontro com Joesley, em 13 de março.

No entendimento de Janot, foi nesse encontro que ficou definida a propina de 5% sobre valor do lucro estimado com a operação e que resultou na entrega da mala de R$ 500 mil com a qual Rocha Loures foi flagrado correndo em operação controlada da PF.

 

Defesa. Questionado sobre a denúncia, o advogado Antônio Cláudio Mariz, que representa o presidente, afirmou que vai se manifestar “mais profundamente” quando tiver acesso à denúncia. “Mas posso desde logo afirmar a minha absoluta certeza de que a denúncia não está calcada em fatos concretos e comprovados, uma vez que o presidente da República não cometeu nenhuma conduta que pudesse ser enquadrada no tipo penal da corrupção passiva.” O Palácio do Planalto informou que não iria se manifestar.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45178, 27/06/2017. Política, p. A4.