Lentidão da Justiça ameaça repatriação de dinheiro suspeito

FRANCISCO LEALI

06/08/2017

 

 

De US$ 1,2 bilhão bloqueado em outros países, 18% voltaram ao Brasil; US$ 98 milhões já se perderam

O volume de recursos de brasileiros bloqueados no exterior por ordem judicial já atingiu a casa de US$ 1,2 bilhão. Dados do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) mostram, no entanto, que só a identificação e o congelamento das contas não são suficientes para assegurar a devolução rápida do dinheiro. De toda a cifra fruto dos mais diversos crimes, apenas 18,6% já retornaram ao Brasil.

O principal entrave é a necessidade de uma sentença transitada em julgado — sem direito a recurso — para autorizar a devolução do dinheiro que estava escondido em contas no exterior. Ou seja, uma investigação aberta com indícios de corrupção vale para congelar uma conta no exterior, mas para trazer o dinheiro de volta é preciso mais do que isso. A culpa do criminoso tem que estar comprovada numa decisão judicial sem direito a contestação. Como no Judiciário brasileiro isso pode levar anos ou até mesmo décadas, há risco de o pedido de bloqueio se perder. E os recursos voltarem para o controle do dono da bolada. Pelos números oficiais do Ministério da Justiça, isso já ocorreu com US$ 98,1 milhões.

Esse valor foi desbloqueado por prescrição do crime que sustentava o pedido de devolução das autoridades brasileiras ou por alguma falha na investigação. A maior parte do que foi perdido, cerca de US$ 79 milhões, estava bloqueada desde 2008 a partir de pedidos da Justiça brasileira na chamada operação Satiagraha. Por irregularidades cometidas nas investigações, o processo foi anulado no Brasil e os recursos liberados, no ano passado, para os donos das contas. Outros US$ 6 milhões também foram desbloqueados este ano. Eram recursos de investigados no caso da Máfia dos Combustíveis de Minas Gerais que estavam bloqueados havia 14 anos. O motivo foi que o crime de evasão, que teria sido o único confirmado no processo brasileiro, não é aceito pela Suíça como fundamento para pedido de repatriação ao país onde o caso ocorreu.

— A efetividade na recuperação dos recursos bloqueados não é maior em razão da demora por falhas no processo penal brasileiro e não na cooperação jurídica entre os países — disse o secretário Nacional de Justiça, Astério Pereira dos Santos, a quem o DRCI está subordinado.

A lentidão da Justiça em chegar a um veredito final nas investigações tem feito pedidos de cooperação para devolução de recursos se arrastarem. Até hoje, o governo brasileiro não conseguiu recuperar os US$ 40 milhões depositados na Suíça por envolvidos no escândalo conhecido por Propinoduto, que implodiu esquema de corrupção de fiscais do Rio. No caso de três acusados, os crimes já prescreveram, e o que ainda sustentaria o bloqueio de recursos na Suíça é uma condenação na esfera civil no Rio. Segundo o DRCI, o dinheiro ainda estaria bloqueado a pedido das autoridades brasileiras.

O coordenador da área de cooperação jurídica internacional da Procuradoria-Geral da República, Vladimir Aras, diz que o modelo atual acelerou muito o processo de bloqueio de recursos no exterior. Há caso de bloqueio feito em 24 horas, mas não existe garantia de que o dinheiro, de fato, voltará.

— O risco de perda de grande parte dos ativos é concreto. É frustrante para todos os órgãos envolvidos saber que o enriquecimento ilícito pode ser sacramentado pela ineficiência do sistema — disse Aras.

Nos últimos 17 anos, período em que o DRCI registra ações de recuperação de ativos, 2015 é um ponto fora da curva. Tanto no bloqueio como na efetiva repatriação de dinheiro. Com a LavaJato mirando grandes empreiteiras, foram bloqueados naquele ano US$ 579,5 milhões, e recuperados US$ 144,7 milhões. Em 2016, o volume de recursos bloqueados voltou a cair para o patamar registrado em 2013, com bloqueio de US$ 18,4 milhões. Este ano, ainda impulsionados pela Lava-Jato, os números voltaram a subir: foram congeladas contas com US$ 98,5 milhões.

O globo, n.30680 , 06/08/2017. PAÍS, p. 8