Temor de ‘ajudar o outro lado’ e descrença deixaram rua vazia

THIAGO HERDY

TIAGO DANTAS

06/08/2017

 

 

Os lemas da esquerda “Fora Temer” e dos movimentos verdeamarelo “Afasta Temer” pareciam idênticos. Mas, pelo que se esconde nas entrelinhas e na rotina dos grupos, o que era para ser soma virou subtração e resultou em manifestações populares vazias no dia em que a Câmara dos Deputados blindou o presidente da República da investigação por corrupção passiva.

As diferenças de agenda, a descrença na capacidade de mudança e a falta de reconhecimento de legitimidade mútua afastaram das ruas, na última quarta-feira, militantes de Vem pra Rua, MBL, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Uma crença ainda parece unir os movimentos: a resposta virá nas urnas, em 2018.

O Vem pra Rua montou um site para pressionar o voto dos deputados, mas não convocou atos na semana passada. Só marcou um protesto para o fim de agosto. Um dia antes da votação, o grupo publicou três mensagens contra Temer no Facebook e cinco pedindo a saída do presidente Nicolás Maduro da Venezuela.

O empresário Rogério Chequer, líder do movimento, diz que defendeu a saída de Temer nas redes sociais “por coerência”. Segundo ele, a dificuldade de mobilização numa quarta-feira é apenas um dos motivos para a falta de manifestações.

— Entramos em uma armadilha: quando a ideia (de exigir a saída de Temer) começou a passar por outros grupos, eles viram que a conclusão era pedir alguma coisa que a esquerda estava pedindo. Isso os fez recuar — afirma Chequer.

Representante do MBL em Minas Gerais, Ivan Gunther define o atual governo como “frouxo”, pois passa mais tempo “sufocando escândalos do que fazendo reformas”. Mesmo assim, o grupo não convocou protestos na quarta.

— Nosso maior problema é a esquerda, que tenta usar a indignação contra o Temer para emplacar sua pauta contra as reformas. Isso acaba afastando as pessoas — afirma Gunther.

No outro polo político, o líder do MTST, Guilherme Boulos, rebate os grupos que apoiaram o impeachment de Dilma no ano passado:

— Quem foi às ruas no “Fora, Dilma” sofreu estelionato dos movimentos que iniciaram os protestos, já que a corrupção se agravou e a recessão se transformou em processo sem saída. Esses movimentos perderam a capacidade de mobilização, pois também ajudaram Temer a chegar ao poder.

Os sem-teto fecharam rodovias na manhã de quarta-feira, mas o protesto não passou disso. Para Boulos, “três anos de mobilizações ininterruptas” dos movimentos de esquerda e a falta de resposta do Congresso resultaram em cansaço, “descrença e apatia”.

A CUT convocou ato para a Avenida Paulista no dia da votação da denúncia contra Temer, mas poucos apareceram.

— O povo sabia que eram favas contadas, que Temer tinha comprado os votos — diz Vagner Freitas, presidente da CUT.

Cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO citam mais dois motivos para a falta de protestos contra Temer: as pessoas sentem que as manifestações do ano passado não acabaram com os problemas políticos do país e temem a violência provocada por black blocs e pela reação policial.

Isso não significa que a população esteja alienada, segundo o professor José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP):

— As pesquisas que tenho conduzido mostram que o índice de desconfiança nos políticos ainda é muito alto. As pessoas se mostram enojadas com os políticos, mas o interesse na política está crescendo.

Já o professor Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que existe uma “apatia indignada” na população, que tem recorrido às redes sociais e a debates ao vivo:

— Parte das pessoas que foram às ruas ano passado achava que a saída de Dilma melhoraria as condições econômicas e éticas. Mas a população vê que não houve resposta a isso. Há uma verdadeira tragédia ética. Então a população vê que não há solução na rua.

Para o futuro, Chequer afirma que os atos de rua devem ser mais esporádicos e que o Vem pra Rua está preocupado com a mobilização digital, com foco nas eleições de 2018. Já Boulos diz acreditar que há “um barril de pólvora em formação” após a rejeição da denúncia de Temer e as medidas de austeridade.

O globo, n.30680 , 06/08/2017. PAÍS, p. 4