PF aponta obstrução de investigação

 

Breno Pires / Fabio Serapião

27/06/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Segundo relatório, Temer ‘embaraçou’ apuração de crimes praticados por organização criminosa; para defesa, documento não tem ‘valor jurídico’

 

 

A Polícia Federal concluiu que o presidente Michel Temer cometeu crime de obstrução à investigação de organização criminosa, em relatório encaminhado ao Supremo Tribunal Federal ontem, no qual também vê a mesma conduta criminosa por parte do ex-ministro d governo Temer Geddel Vieira Lima e do empresário e delator Joesley Batista, dono da JBS.

O crime está previsto na Lei das Organizações Criminosas, de 2013. A pena é reclusão, de três a oito anos, além de multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

O relatório cita o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDBRJ), que aparece na gravação da conversa entre Joesley e Temer, no Palácio do Jaburu, no dia 7 de março deste ano.

A atribuição de conduta criminosa a Temer se dá, de acordo com a PF, “por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa, na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da magistratura federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo mesmo empresário”.

Esta é a conclusão encaminhada ao Supremo no relatório final do inquérito que investiga Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), exassessor especial do presidente.

O Supremo, por meio do ministro Edson Fachin – relator do inquérito contra o presidente –, já enviou à Procuradoria- Geral da República o documento para que o Ministério Público decida se oferece ou não denúncia contra Temer. O procurador- geral da República, Rodrigo Janot, tem cinco dias para apresentar ou não a acusação.

 

Cunha. A conclusão da PF é baseada no diálogo entre Temer e Joesley, em que, diante da afirmação do empresário de que estava “cuidando” de Cunha, Temer teria concordado, de acordo com os investigadores.

O ex-ministro Geddel Vieira Lima também foi apontado como tendo praticado o crime de obstrução à investigação, porque “manifestou interesse na manutenção de pagamentos a Funaro”, segundo a PF, numa referência ao corretor financeiro Lúcio Funaro, apontado pelos investigadores como “operador de propina” de Cunha.

Quanto Joesley, o relatório afirmou que agiu para “embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa ao manter pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro, enquanto presos, a pretexto de mantê-los em silêncio ou de não se ver envolvido em eventuais revelações de fatos comprometedores a si próprio e ao grupo empresarial que comandava”.

Em relação ao crime de participação em organização criminosa, a PF recomendou que os fatos sejam incluídos em inquérito que já existe no STF para apurar a suposta organização criminosa composta por peemedebistas da Câmara.

Temer e Loures já haviam sido apontados como tendo praticado corrupção passiva, em relatório parcial da PF. Com base nesse documento, Janot denunciou ontem o presidente.

O advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende Temer, reiterou que o relatório não é “peça acusatória”. “Acusa- se com base em uma coleta de provas unilateral e parcial, que visa sempre corroborar uma suspeita da própria autoridade policial. Seu valor jurídico é nenhum.” As defesas dos outros citados no relatório da PF não foram localizadas.[

 

TRECHO

“Houve embaraço à investigação de infração penal praticada por organização criminosa, na medida em que (Temer) incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos...

... a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades de suposta corrupção de membros da magistratura federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo empresário.”

 

RITO

Denúncia

● O presidente Michel Temer foi denunciado ontem ao Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva com base na delação do Grupo J&F, que controla a JBS

● O ministro Edson Fachin pode enviá-la diretamente ao Congresso ou dar prazo de 15 dias para a manifestação da defesa do presidente, o que retardaria o processo

 

Inquérito

● Janot tem, a partir de hoje, 5 dias para decidir se oferece ou não nova denúncia contra Temer com base em relatório da PF que aponta obstrução de investigação de organização criminosa

 

O que prevê o regimento da Câmara

1 Após envio da denúncia à Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça tem até dez sessões para debater

2 Um relator é escolhido automaticamente para estudar o caso

3  Os advogados do presidente têm até 10 dias para apresentar manifestação

4 Relator na comissão tem cinco sessões para apresentar o voto

5 Após a CCJ, o pedido de autorização é votado em plenário

 

A votação no plenário

513 é o total de deputados

172

Temer precisa de 1/3 + 1 voto

2/3 ou 342

Número de votos necessários para a Câmara dar aval ao STF

 

Autorização

Caso os deputados deem autorização, o STF julga a denúncia. Se a acusação for aceita, o presidente é afastado do cargo por 180 dias

 

Arquivamento

Rejeitada a denúncia pelo STF, o processo é arquivado

 

PELO MUNDO

Le Monde

Site do jornal francês fala de “acusação histórica” contra o presidente Michel Temer. A página informa que a denúncia precisa de aprovação da Câmara dos Deputados para processo ser aberto no Supremo Tribunal Federal.

 

BBC

Página digital de cadeia britânica de comunicação destaca denúncia contra o presidente Michel Temer e impopularidade “profunda” do peemedebista, que deve enfrentar nova denúncia nas próximas semanas, diz o site.

 

The Washington Post

Site do jornal americano afirma que o presidente Michel Temer é o “primeiro presidente em exercício do maior país da América Latina” a enfrentar acusação formal.

 

The New York Times

Jornal americano publica em seu site que o presidente Michel Temer é acusado de “suborno”. O texto chama o peemedebista de “impopular” e relembra o impeachment de Dilma Rousseff.

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Janot pede novo inquérito sobre Porto de Santos

Breno Pires / Fabio Serapião

27/06/2017

 

 

Além da denúncia apresentada ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a abertura de um novo inquérito contra o presidente Michel Temer e o ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures para investigar os fatos relativos ao “Decreto dos Portos”, sob a suspeita de ter cometido crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva.

A PGR esclarece que, no decorrer das investigações sobre os fatos apontados contra Temer e Loures, incluindo na Operação Patmos, as provas de busca e apreensão e de escuta telefônica “revelaram outros fatos penalmente relevantes, os quais merecem ser devidamente apurados em inquérito próprio”.

“No decorrer das investigações, foram interceptadas ligações telefônicas de Rodrigo Loures que indicam a promulgação de, pelo menos, um ato normativo recente que beneficiara diretamente a Rodrimar S.A., empresa na qual atuam Ricardo Conrado Mesquita, diretor, e Antônio Celso Grecco, sócio e presidente. Foi o chamado ‘Decreto do Portos’”, destaca Janot no pedido de novo inquérito.

O procurador-geral pediu que sejam ouvidos Grecco, João Baptista Lima Filho, coronel e amigo pessoal do presidente Temer, Gustavo do Vale Rocha, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, e José Yunes, ex-assessor especial da Presidência.

Para Janot, as informações obtidas até o momento indicam que Mesquita, Grecco, o empresário Edgar Rafael Safdié, João Batista Lima Filho e Yunes intermediaram repasses de valores ilícitos em favor dos denunciados.

A PGR também disse que precisa de mais tempo para formar a opinião sobre se houve o cometimento de crime de obstrução de investigação a organização criminosa.

Janot afirmou que deverá ser analisada futuramente a possível prevenção do ministro Marco Aurélio Mello para ser relator deste novo inquérito contra Temer, devido ao fato de que Mello já foi o relator de uma investigação que tratava dos Portos na qual Temer já havia constado como investigado mas o ministro havia entendido por arquivar a citação a ele.

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ENTREVISTA - Flávia Piovesan

 

 

‘Corrupção é violação de direitos humanos’, diz secretária de Temer

 

William Castanho

27/06/2017

 

 

Flávia ficará em órgão da OEA por 4 anos e diz que vai lutar contra desvios; segundo ela, governo tem ‘loteamento’

 

 

 

‘Corrupção é violação de direitos humanos’, diz secretária de Temer

Flávia Piovesan, secretária nacional de Direitos Humanos e eleita para a CIDH-OEA

 

Secretária de Direitos Humanos do governo Michel Temer e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Flávia Piovesan, de 48 anos, foi eleita na semana passada membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), para um mandato de quatro anos (2018-2021). Ela disse que, no órgão, que congrega 34 países, vai atuar no combate à corrupção. “A corrupção é uma grave violação de direitos humanos.” A candidatura de Flávia foi incentivada e celebrada por Temer para mostrar força no cenário internacional. “Agradeço a nossos parceiros da região a confiança depositada na candidata brasileira e no Brasil”, escreveu Temer, no Twitter, na quinta-feira passada, enquanto viajava pela Europa. A seguir os principais trechos da entrevista de Flávia ao Estado:

 

Houve resistência à sua candidatura em ONGs dos direitos das mulheres, nos movimentos sociais e na sociedade civil. Como a senhora recebeu isso?

Fiquei muito tranquila. Respeito a decisão do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), do qual eu participei, e tive a honra de participar. Me doeu. Fazem parte da democracia a divergência, o pluralismo e a liberdade de expressão. Sofri críticas mesmo. Sou um perfil técnico em um governo de coalizão, em que há o loteamento dos cargos com viés mais político. Sou um perfil técnico. Se os requisitos da convenção são expertise, tenho 20 anos na área, com quatro experiências diferentes: como acadêmica, peticionária, participante da ONU e da OEA, e do Estado.

 

Como a senhora avalia o sistema político brasileiro e o que a senhora vai fazer na CIDH em relação à corrupção?

A corrupção é uma grave violação de direitos humanos, viola, impacta políticas sociais, é um desvio. Tenho defendido que o Brasil vive uma crise econômica e política, mas não institucional, nossas instituições funcionam. O nosso Judiciário é independente. A nossa polícia investiga. O Legislativo, com a sua heterogeneidade, adota as medidas, com consensos, dissensos, arranjos e tudo o mais. O Executivo executa políticas públicas. Creio que no Brasil temos uma maturação institucional que, por vezes, não vemos nas outras geografias da região. Há a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção. Temos de prevenir, investigar, processar e punir e (exigir) que haja a devolução aos cofres públicos.

 

Esse trabalho na CIDH vai ser independente?

Vai, eu dou a minha palavra aqui de que será. Não poderei lidar com os casos do Brasil. Lidarei com outros casos. Tenho uma história a honrar. Sou uma crente no sistema que salvou vidas, que fortalece a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito.

 

O presidente é investigado. A senhora acha que o presidente deve responder a uma eventual acusação formal?

Defendo que, no Estado de direito, pela ética republicana, ninguém está acima da legalidade. E você mede o Estado de direito se esta legalidade se aplica ao mais vulnerável e ao príncipe. E eu creio que o Brasil está caminhando para o fortalecimento do Estado de direito quando todos estão submetidos à legalidade. Independentemente do cargo, a legalidade a todos alcança, e nós temos de confiar nas nossas instituições.

 

Direitos humanos. Secretária de Temer foi eleita para órgão da OEA

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45178, 27/06/2017. Política, p. A8.