Moro pode superar 'núcleo político' alvo do mensalão
Vitor Marques
26/06/2017
 
 
Juiz da Lava Jato na 1.ª instância já condenou 10 réus; no caso julgado pelo Supremo foram 14 setenciados ligados ao PT e outras três siglas

O juiz Sérgio Moro, responsável pela primeira instância da Operação Lava Jato, poderá, ainda em 2017, superar o escândalo do mensalão em condenações de políticos. As sentenças de Moro na operação que tem como base o esquema de corrupção na Petrobrás já ultrapassam, em número de anos, as penas impostas em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao chamado “núcleo político” do mensalão.

Somadas, as penas impostas pelo juiz titular da 13ª Vara Federal em Curitiba, até agora, chegam a 186,2 anos de prisão - mais que o dobro do mensalão (71,9 anos).

Em três anos de processos da Lava Jato, Sérgio Moro já condenou 10 políticos e tem outros nomes na fila - entre eles, o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o do ex-ministro Antonio Palocci. As defesas de Lula e Palocci, réus na Operação Lava Jato, já apresentaram alegações finais no processo. Este é o último passo antes da decisão do juiz.

Na semana passada, Moro perdeu três inquéritos baseados na delação da Odebrecht nos quais eram investigados Lula e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Por decisão do ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato, esses inquéritos foram remetidos para a Justiça Federal em São Paulo e Brasília. Mas outros dois processos envolvendo o ex-presidente continuam em Curitiba.

Preso desde outubro do ano passado, Cunha foi condenado por Moro, no fim de março deste ano, a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O juiz federal é responsável por julgar políticos sem direito a foro, aqueles que estão sem mandato ou cargo que lhes garanta direito a serem processados nas cortes superiores, em Brasília.

Na Lava Jato, o Supremo ainda não julgou nenhum processo contra deputados, senadores, ministros ou outros detentores de foro privilegiado.

Já no mensalão, o Supremo condenou ao todo 14 políticos. O julgamento da Ação Penal 470 só aconteceu em 2012, seis anos após a denúncia apresentada pelo então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, que dividiu a acusação formal por núcleos.

Alguns políticos nem sequer chegaram a ser presos pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa ou passiva.

Ex-tesoureiros. Como no mensalão, o PT domina a lista de condenados na Lava Jato. Seu ex-secretário-geral Silvio Pereira e seu ex-tesoureiro Paulo Ferreira também são réus na operação. Silvinho, como é conhecido, está preso em Curitiba. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega é investigado e pode ser denunciado.

Na época do mensalão, entre os denunciados estavam o então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e Delúbio Soares, então tesoureiro petista. Dirceu, Delúbio e o ex-deputado Pedro Corrêa, do PP, foram condenados tanto no mensalão quanta na Lava Jato.

“Agora são mais investigações, o quadro é outro, é natural que haja mais pessoas envolvidas”, disse ao Estado Antonio Fernando, que exerceu o cargo até 2009. O ex-procurador-geral da República chegou a advogar para Cunha antes de o ex-presidente da Câmara ser preso.

Para o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, as duas operações são exemplares no processo de responsabilização criminal de políticos. “Mensalão e Lava Jato são pontos fora da curva”, afirmou o procurador durante uma palestra em São Paulo, na quinta-feira passada.

Os números da Lava Jato são superlativos em relação aos do mensalão (pessoas investigadas, inquéritos, prisões e escândalos descobertos). A operação ficou tão grande que se desmembrou em várias fases e abriu novas frentes. Esse é um dos motivos do maior número de condenados.

Exclusividade. Para juristas e ex-ministros do STF ouvidos pelo Estado, uma das razões da rapidez das sentenças em primeira instância é o fato de Sérgio Moro se dedicar exclusivamente à Lava Jato. O Supremo, corte máxima do País, julga casos relativos ao cumprimento da Constituição e questões envolvendo autoridades com mandato.

“A Vara do juiz Sérgio Moro é diferente das outras varas criminais. É especializada em lavagem de dinheiro. Pela complexidade dos casos, se (os crimes) fossem julgados em varas comuns, resultaria em impunidade e em prescrição”, disse o professor e doutor em direito penal da PUC-SP Christiano Jorge Santos.

“Respeitada todas as garantias processuais do acusado, a defesa, o contraditório, se tudo isso for respeitado e a decisão for célere, isso é motivo de aplauso”, ressaltou Santos, que reforça as diferenças entre o Supremo e uma vara de primeira instância, como a de Moro. “O colegiado para decidir é uma coisa, um juiz singular é outra.”

Titular. Vara do juiz federal Sérgio Moro é especializada em casos de lavagem de dinheiro

Procuradores

“Agora são mais investigações, o quadro é outro, é natural que tenham mais pessoas envolvidas.”

Antonio Fernando Souza

EX-PROCURADOR-GERAL  DA REPÚBLICA

“Mensalão e Lava Jato são pontos fora da curva.”

Deltan Dallagnol

PROCURADOR DA REPÚBLICA E COORDENADOR DA FORÇA TAREFA DA OPERAÇÃO LAVA JATO NA 1ª INSTÂNCIA, EM CURITIBA

PARA LEMBRAR

Ações contra Palocci e Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em cinco ações penais, três das quais no âmbito da Lava Jato. Duas delas continuam sob responsabilidade de Moro. Em uma delas o ex-presidente já prestou depoimento. Trata-se do caso do triplex do Guarujá (SP). Segundo a acusação, o ex-presidente recebeu vantagens da construtora OAS por meio do imóvel. O Ministério Público Federal imputa prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro contra o ex-presidente – a pena prevista é de até 22 anos de prisão, se condenado. A defesa de Lula entregou as alegações finais do processo na terça-feira passada. Esta é considerada a última etapa antes de o juiz dar a sentença na ação penal. Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, sustenta que o apartamento pertence à Caixa Econômica Federal. A defesa de ex-ministro Antonio Palocci também já apresentou suas alegações finais no processo da Lava Jato no processo que tramita em Curitiba. Preso na capital paranaense desde o ano passado, Palocci é acusado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os advogados rebatem as acusações e pedem a absolvição do ex-ministro.

OS PUNIDOS EM CADA ESCÂNDALO

● Abaixo, apenas os políticos condenados no caso do Mensalão, em julgamento em 2012, e os políticos já condenados por Sérgio Moro na Lava Jato

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Lava jato apura venda de hospital de irmão de Palocci

Ricardo Brandt e Julia Affonso

26/06/2017

 

 

Força-tarefa investiga se desaparecimento de registros da instituição e sua venda têm elo com negócios do ex-ministro

A Lava Jato investiga o sumiço de livros de registros de ações e de transferências de ações do Hospital São Lucas, de Ribeirão Preto (SP), e a operação de venda do negócio. O diretor-presidente da unidade hospitalar é o médico Pedro Antônio Palocci, irmão do ex-ministro Antonio Palocci, candidato a delator.

As relações financeiras e societárias de Palocci – preso desde setembro de 2016 – com o irmão e o sobrinho André Palocci estão sob investigação em Curitiba desde 2015. O alvo central é o ex-ministro da Fazenda, acusado de gerenciar uma “conta corrente” que chegou a ter R$ 128 milhões em créditos – só da Odebrecht – em benefício do PT.

O sumiço dos documentos, registrado no dia 9 de maio, porém, chamou ainda mais a atenção dos procuradores da Lava Jato após a notícia, na semana passada, da venda do grupo São Lucas, do qual Pedro é o acionista majoritário.

As suspeitas são de que dinheiro do ex-ministro tenha circulado nos negócios do irmão e de seu sobrinho André, filho de Pedro e sócio da Projeto Consultoria, empresa que Antonio Palocci abriu em 2006, após ser obrigado a deixar o governo.

Boletim. A Polícia Civil em Ribeirão Preto registrou um boletim de ocorrência em que o diretor corporativo do Hospital São Lucas, Elpídio José Mieldazis, declarava terem sumido livros “relacionados a registro das ações nominativas e transferências de ações nominativas”, salientando que o hospital tem os registros eletrônicos da posição atual da propriedade dos acionistas e que irá regularizar tudo na Junta.

Pedro entrou em 1996 como sócio e foi fazendo aquisições até tornar-se majoritário. A grande ampliação de capital ocorreu em 2010, quando os 90 médicos majoritários da São Lucas Participações venderam suas cotas para Pedro – um negócio de cerca de R$ 4 milhões. A partir deste período, entre agosto de 2010 e julho de 2015, o relatório do Coaf aponta que ele movimentou R$ 28,21 milhões em sua conta – R$ 14 milhões de créditos e R$ 14,2 milhões de débitos.

Defesa. Procurado pela reportagem, Pedro Palocci afirmou que é sócio do hospital antes de seu irmão virar político e que não há irregularidades no sumiço dos registros. “Os dados eletrônicos refletem fielmente todas as movimentações acionárias realizadas ao longo dos anos e refletida nos livros fisicamente arquivados.

Sou acionista do hospital há mais de quarenta anos e diretor-presidente desde 1996, portanto há 21 anos, muito antes do início da trajetória política do meu irmão Antonio Palocci Filho, que não tem e nunca teve qualquer participação no Hospital São Lucas”, afirmou. 

 

O Estado de São Paulo, n. 45177, 26/06/2017. Política, p. A8