Supremo indica que vai confirmar delação da JBS 

Breno Pires, Rafael Moraes Moura e Beatriz Bulla

22/06/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Em julgamento iniciado ontem, maioria dos ministros se manifesta por apoiar decisão de Fachin e corroborar que cabe ao relator homologar acordos de colaboração premiada

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve confirmar hoje a validade da homologação da delação do Grupo J&F – holding que inclui a JBS – e a manutenção do ministro Edson Fachin como relator do caso. Em julgamento iniciado ontem, ministros indicaram que a maioria deve apoiar a decisão de Fachin e confirmar que cabe ao relator do caso homologar acordos de colaboração premiada.

Além de Fachin, o ministro Alexandre de Moraes votou ontem e disse que o ato de homologação é “formal”. Na sessão, os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux indicaram que votarão para que não seja revisado, neste momento, o acordo de colaboração da JBS.

As contas feitas por advogados apontam para ao menos outros seis votos, além dos de Moraes e Fachin, a favor da continuidade do ministro na relatoria e da manutenção do acordo.

Ao deixar o tribunal, questionado sobre o risco de o STF anular a delação, Marco Aurélio respondeu que a hipótese é “um delírio”. Também foi dada sinalização pelo plenário de que a Justiça só deve analisar o conteúdo do acordo no momento da sentença – ou seja, após a investigação e o processo penal que derivar da delação. O entendimento é comemorado, nos bastidores, por advogados de delatores e procuradores, pois significa que não cabe a discussão sobre o benefício concedido pelo Ministério Público no momento da homologação.

O julgamento pode definir parâmetros sobre o poder da Justiça na análise dos acordos de delação e os limites para o Ministério Público nesses casos. Investigadores da Lava Jato consideram que a decisão do STF pode colocar em risco a continuidade das investigações ou respaldar o trabalho da instituição.

O decano da Corte, Celso de Mello, e Fux apontaram que, mesmo a análise da efetividade do acordo, ao fim do processo, não pode gerar insegurança jurídica para o delator. Para o decano, se o colaborador cumprir as obrigações assumidas, não deve ser “surpreendido por um gesto desleal do Estado”.

A discussão hoje deve girar em torno dessa possibilidade de análise, pelo Judiciário, do acordo firmado em delação premiada. Para Fux, “mudar aquilo que foi estabelecido na delação” pode levar a “um estado de incerteza e insegurança”.

‘Triplo mortal’. Durante a sessão, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se mostrou frontalmente contra a revisão do acordo de colaboração do Grupo J&F. Ele disse que isso fragilizaria o instituto da delação premiada e chamou de “salto triplo mortal de costas” a alegação de que os delatores da J&F não poderiam obter perdão judicial porque seriam líderes de organização criminosa.

“A essa altura, a homologação verifica voluntariedade, legalidade e regularidade. E permitir uma revisão completa do acordo a essa altura terá consequência, sim, em vários outros acordos de colaboração premiada”, disse Janot.

Após o ministro Gilmar Mendes criticar acordos firmados pelo Ministério Público (mais informações nesta página), Celso de Mello saiu em defesa de instituição.

“Não podemos desconfiar do Ministério Público. O Ministério Público tem tido atuação de grande importância no panorama jurídico nacional.” O decano sinalizou, assim como Marco Aurélio e Fux, que é possível admitir o benefício da imunidade penal. Joesley Batista e os demais delatores da empresa receberam a garantia de que não seriam denunciados pela Procuradoria em razão do acordo firmado.

Janot afirmou, sem citar nomes, que a imunidade não é uma novidade e já foi usada em outras delações. Segundo apurou o Estado, receberam o benefício os filhos do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e o empresário Nelson Mello, da Hypermarcas.

Para procuradores da Lava Jato, se o julgamento seguir o ritmo de ontem, o resultado será bom para a continuidade das investigações. O julgamento foi acompanhado de perto por advogados ligados a outros acordos já firmados com a Procuradoria- Geral da República.

STF. Os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes votaram ontem; Janot se mostrou contrário a revisão

PARA ENTENDER

Relatoria é questionada

Defesa do governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), que foi citado por delatores da J&F, questiona o fato de o ministro Edson Fachin ter sido escolhido automaticamente como relator do caso no Supremo Tribunal Federal. No entendimento dos advogados do governador, a relatoria da Operação Patmos – desdobramento da Lava Jato – deveria ter sido redistribuída por sorteio na Corte. Com isso, petição argumenta que Fachin não poderia ter homologado o acordo de delação e este, portanto, deveria ser anulado.

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Para Gilmar, há acordos que ‘ofendem’ legalidade

Isadora Peron, Beatriz Bulla, Breno Pires e Rafael Moraes Moura

22/06/2017

 

 

Ministro volta a criticar delações premiadas firmadas com Ministério Público; presidente do Supremo interrompe fala

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, voltou a criticar ontem acordos de colaboração premiada firmados entre delatores e Ministério Público. Para o ministro, que passou a maior parte do julgamento fora do plenário, há notícias de acordos que “ofendem o princípio da legalidade”, como no caso do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC.

“A Procuradoria pode muito, mas pode tudo? É isso que a lei autoriza? De fato, se está reescrevendo a lei. Temos de esclarecer o que se pode fazer, sob pena de ficarmos em platitudes”, afirmou Gilmar.

“No caso de Ricardo Pessoa, condenado a mais de oito anos de reclusão, (a pena) foi substituída por regime domiciliar diferenciado.

Isso não está na lei: uma espécie de prisão domiciliar com a possibilidade de progressão para regime aberto diferenciado.

Portanto, no acordo se está legislando. Pergunta-se: pode? É possível fazer isso? E, no nosso caso, podemos examinar ou não?”, questionou.

Ainda segundo o ministro, há acordos que suspendem o prazo prescricional sem nenhuma base legal. “No acordo de Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro), foi acordada a suspensão por dez anos. Está se reescrevendo a lei? A Procuradoria assumiu agora a função legislativa nos acordos? Nós precisamos responder a isso.” Para Gilmar, o caso da JBS é “ainda mais delicado”, por causa da concessão de imunidade penal aos delatores do grupo.

A presidente do STF, Cármen Lúcia, interrompeu a fala de Gilmar e lembrou que o ministro Teori Zavascki, morto em janeiro, devolveu ao Ministério Público acordos de delação para que sofressem ajustes.

Para um ministro ouvido reservadamente pelo Estado, a posição de Gilmar indica que ele poderá, no futuro, pedir a anulação da delação da JBS, mesmo que seja vencido no julgamento que será retomado hoje. 

 

O Estado de São Paulo, n. 45173, 22/06/2017. Política, p. A4