Título: As cifras da ilegalidade
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 10/01/2012, Cidades, p. 24

Polícia Civil revela os valores movimentados por bancas de apostas de jogo do bicho no DF. Ponto na Asa Norte chega a arrecadar R$ 1,6 mil diariamente e mais de R$ 35 mil por mês. Maioria dos presos em operação no fim de 2011 são idosos e mulheres sem antecedentes criminais

O jogo do bicho no Distrito Federal movimenta vultosas cifras. Desdobramentos da Operação Barão de Drummond, deflagrada pela Polícia Civil no fim do ano passado, revelam que uma banca de apostas, na Asa Norte, chega a arrecadar R$ 1,6 mil diariamente. Considerando apenas os jogos computados nos dias úteis, o bicheiro responsável pelo ponto coloca no bolso mais de R$ 35 mil por mês. O montante talvez explique a quantidade de pessoas recrutadas para fomentar a atividade clandestina. Investigadores estimam que mil homens e mulheres sobrevivam da jogatina. Eles são subordinados a pelo menos quatro bicheiros.

O Correio teve acesso às ocorrências registradas contra os 22 apontadores detidos na Operação Barão de Drummond, que traz os depoimentos dos contraventores. Um apontador de Taguatinga Norte admitiu estar no submundo do bicho desde 1979, mas garante desconhecer o bicheiro que comanda o local. Segundo ele, a banca movimenta em torno de R$ 750 por dia. Sua parte corresponde a 10% do total. Já uma mulher que fazia jogos na 308 Norte confessou que, em dias "agitados", o valor recolhido com a prática ilegal chega a R$ 1,6 mil. Ao ser presa, a senhora carregava uma máquina para registrar apostas,— semelhantes às usadas em transações com cartões de débito e crédito— blocos de anotações, R$ 527 em espécie e um cheque no valor de R$ 300.

Perfis preferidos Chama a atenção que a maioria dos presos pela polícia são idosos e mulheres. O chefe do Departamento de Polícia Especializada (DPE), delegado Mauro Cézar Lima, diz que esses são os perfis preferidos dos barões do jogo. "Eles preferem aposentados e mulheres bem relacionados, sem vícios e que não tenham antecedentes criminais. Assim, ele (bicheiro) acha que tem menos chance de ser passado para trás", destacou Mauro Cézar. Um dos suspeitos flagrados pelos agentes emitindo bilhetes de apostas é um aposentado de 70 anos que atuava na QE 10 do Guará 1 há quatro. Aos policiais, o senhor disse que recebia R$ 600 por mês. Assim como os outros apontadores que foram parar na delegacia, ele se recusou a revelar informações que ajudassem na identificação do bicheiro responsável pelo local.

Aliás, o silêncio é uma das primeiras regras que os recrutados para o jogo do bicho devem seguir. Falar demais pode significar a morte. Testemunhas contaram aos agentes da Polícia Civil que, em alguns pontos, inclusive do Plano Piloto, é comum gerentes chegarem à banca de apostas acompanhados de seguranças armados. A ideia é justamente intimidar os "funcionários" e também os "clientes". "A mensagem que eles (bicheiros) querem deixar é que, se forem passados para atrás, não vão deixar barato. A verdade é que não estamos lidando com amadores e, sim, com quadrilhas altamente organizadas e que são capazes de passar por cima de tudo e todos", afirmou o chefe da DPE.

Ligação com o Rio As investigações sobre o jogo do bicho em Brasília apontam para a ligação de bicheiros da capital do país com os barões da jogatina do Rio de Janeiro. Como mostrou o Correio no último domingo, a polícia candanga tem fortes indícios de que o dinheiro arrecado com apostas no DF seja lavado no Rio por meio de empresas legais. A reportagem ainda revelou a nova estratégia dos apontadores que atuam na Esplanada dos Ministérios. Depois de a polícia intensificar a repressão, a maioria passou a registrar as apostas dentro de veículos para facilitar a fuga caso viaturas se aproximem.

Atualmente, quem é flagrado trabalhando para o jogo do bicho apenas assina um Termo Circunstanciado (TC) e é liberado. A legislação brasileira trata o jogo como uma contravenção, com pena de quatro meses a um ano de prisão, mas como é um delito sem emprego de violência, normalmente ninguém fica na cadeia. A Comissão Especial do Senado Federal tenta mudar esse cenário com uma ampla alteração no Código Penal Brasileiro. O senador Pedro Taques (PDT-MT), que faz parte da Comissão, destacou que, neste primeiro momento, a sociedade vai ser chamada para debater o tema. Depois, será a vez de os técnicos e especialistas opinarem para, só então, um projeto ser elaborado e encaminhado para votação na Casa. "Temos que discutir com todos os setores o que pode ser feito para melhorar nosso Código Penal. No meu entendimento, o jogo do bicho deve ser considerado crime porque fomenta a pistolagem, a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas e outros crimes", ressaltou o político.

Bicho eletrônico Há pelo menos dois anos, os apontadores de todo o Brasil usam equipamentos semelhantes às máquinas de cartão de crédito para computar o jogos. O esquema funciona da seguinte forma: o cliente dita o bicho com o qual quer concorrer aos supostos prêmios e o número referente a esse animal é gravado no aparelho e enviado a uma central que controla todo o processo. Na maioria dos casos, a conferência dos sorteios pode ser feita por meio de sites, criados exclusivamente para a divulgação das datas e horários dos sorteios. A polícia suspeita que ocorram fraudes nesses sorteios.