'O modelo político atual incentiva o pior nas pessoas', diz Barroso

Carolina Brígido

Francisco Leali

25/08/2017

 

 

Ministro do STF defende reforma profunda como saída para atrair 'os bons' à política

 

O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal - Ailton de Freitas / Agência O Globo

 

    BRASÍLIA — BRASÍLIA — O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barros defende reforma profunda como a única saída para atrair ‘os bons’ à política. Barroso também critica a revisão da autorização para cumprimento de pena depois de condenações em segunda instância.

     

    O Brasil precisa de uma reforma política?

    O país precisa desesperadamente de uma reforma política. Se passar a cláusula de barreira e a proibição de coligações, nós já vamos ter feito alguns avanços. Mas nós não vamos mudar o patamar da política no Brasil. Ela vai continuar não representativa da sociedade e incapaz de atrair os bons, incapaz de atrair novas vocações.

    O senhor considera que o Congresso está só preocupado com as eleições de 2018?

    A característica da política é pautar-se pelas próximas eleições. Mas eu acho que era preciso aproveitar esse momento para ir além. Todas as pessoas trazem em si o bem e o mal. O processo civilizatório existe para reprimir o mal e potencializar o bem. O sistema político brasileiro faz exatamente o contrário. Portanto, é preciso que o bem, o patriotismo e o idealismo sejam capazes de derrotar a corrupção, a mediocridade e o egoísmo.

    Quem dá as cartas hoje é o corrupto, o medíocre e o egoísta?

    O modelo incentiva o pior nas pessoas. Basta olhar os fatos. O presidente da República em exercício (Michel Temer) foi denunciado criminalmente por corrupção passiva, um presidente anterior (Luiz Inácio Lula da Silva) foi condenado criminalmente e um outro presidente anterior (Fernando Collor) teve a denúncia recebida esta semana. A colaboração premiada da Odebrecht envolveu mais de 20 partidos e muitas dezenas de políticos. A colaboração premiada da JBS envolveu mais de 20 partidos e mais de 1.500 políticos. É impossível alguém achar que esse sistema é bom!

    O senhor considera que houve criminalização da política?

    Uma coisa é criminalizar a política. Outra é querer politizar o crime. A venda de uma medida provisória ou pedir participação na desoneração ou num financiamento dado pelo BNDES, pedir propina, isso não é criminalização da política. Isso é crime mesmo!

    Há uma tendência do STF de mudar o entendimento sobre prisões depois de condenação em segunda instância. O senhor concorda com essa revisão?

    Eu acho que permitir a execução penal depois da condenação em segundo grau foi um passo decisivo para enfrentar a corrupção e a criminalidade do colarinho branco no Brasil. Será um retrocesso fazer essa mudança. É um retrocesso em favor do pacto espúrio celebrado por parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia estatal.

    Há interesses por trás dessa mudança de entendimento?

    O Supremo mudou esta orientação no ano passado, em três decisões. Nada mudou na realidade social, nem na realidade jurídica de lá para cá, para o Supremo voltar atrás. Agora, um país em que a jurisprudência vai mudando de acordo com o réu não é um estado de direito, é um estado de compadrio. Eu sou contra isso.

    O ministro Gilmar Mendes tem criticado o procurador-geral, Rodrigo Janot, e a atuação do MP. Qual a opinião do senhor?

    O ministro Gilmar, como qualquer pessoa, tem todo o direito à sua opinião. Eu penso de maneira diferente. Acho que nós estamos num movimento de mudança de um paradigma de corrupção no Brasil e o Ministério Público teve um papel decisivo, assim como parte da magistratura. O doutor Rodrigo Janot se insere numa tradição de procuradores da República de integridade, de dedicação à causa pública e de enfrentamento de uma elite que em grande parte se deixou corromper. Ele não participa do pacto de compadrio que sempre caracterizou a classe dominante brasileira, movida pela crença de que ricos não podem ser punidos.

    O ministro Gilmar continua se reunindo com Temer, que está denunciado, e conversando com Aécio Neves, alvo de inquérito do qual ele é relator. Essa conduta tem reflexo na credibilidade do tribunal?

    (Sete segundos de silêncio.) Eu não vou comentar.

    O globo, n.30699 , 25/08/2017. PAÍS, p. 5