ENTREVISTA - Júlio Aurélio Vianna Lopes: ‘A reforma pensada é mudar para não mudar’

MARLEN COUTO

21/08/2017

 

 

Pesquisador da Casa de Rui Barbosa acredita que distritão não melhora relação entre eleitos e eleitor

MARLEN COUTO

Uma reforma política focada no processo eleitoral, como a que está em tramitação, é suficiente ou será preciso olhar também para o período pós-eleição?

Toda reforma política só é produtiva e valerá a pena se tiver como norte o empoderamento do eleitorado. É isso que o eleitorado quer. Não é necessariamente o que os partidos querem. A reforma acentua o que já acontece no atual sistema. No atual, qual é o problema? 70% do legislativo não é eleito com votos próprios. São os campeões de voto que arrastam mais parlamentares. O distritão é uma proposta que solidifica isso. No sistema atual, a pessoa já importa mais que o partido, no distritão isso se reproduz e se institucionaliza. E não resolve o tema do vínculo entre eleitor e eleitos. Os partidos no Brasil já sofreram a maldição de um cara chamado Robert Michels (sociólogo alemão), que dizia que todos os partidos se tornariam oligarquias. Ele disse isso pouco antes da Primeira Guerra Mundial. E o sujeito foi acertando. Todos os partidos, de direita e de esquerda, foram se fechando em si mesmos. A reforma como está sendo pensada é mudar para não mudar. Não muda a campanha eleitoral e faz-se um fundo bilionário. O olho da reforma é o de manter a oligarquização do sistema partidário. Os partidos impermeáveis e de aluguel ficam mantidos.

 

O senhor afirma que um candidato doa aos eleitores propostas, que são retribuídas pelos votos, assim como os governantes doam políticas públicas e são retribuídos com apoio dos governados. A descrença com a política aumenta porque esta conta não está fechando no Brasil?

O consumo não está só no campo da economia, mas também na política é assim. A democracia moderna se organiza dessa forma: os eleitores são consumidores de políticas públicas e pagam com seus votos. Daí, a competição entre os partidos. Qual é a crise? Os consumidores estão se tornando ativos e não mais passivos, com os direitos do consumidor, clubes de compras, e outras formas de organização, com as redes sociais. Da mesma forma, na democracia, os eleitores sempre foram passivos, objetos das ações políticas partidárias, e hoje todos os sistemas eleitorais estão em crise, sejam distritais, proporcionais, parlamentaristas ou presidencialistas, apresentam descolamento entre eleitos e eleitores, porque há uma emergência de eleitores que querem ser ativos.

 

O que se pode fazer?

O dado fundamental vem do movimento de junho de 2013. Constatei que junho de 2013 tem afinidade com outros três movimentos, Occupy Wall Street (EUA), Plataforma Taksim (Turquia), e os indignados (Espanha). Eles tiveram efeitos diversos, mas todos têm críticas implícitas ou explícitas aos representantes, denunciaram em comum a falta de feedback político dos eleitos, a falta de vínculo e confiança, cada um à sua maneira. O modo como a crise da democracia moderna vai ser enfrentada tem que ser proposto. A minha proposta é de uma democracia compartilhativa. Esses movimentos mostraram que as redes sociais têm potencial para apresentar agendas governamentais. O que se precisa num momento em que estamos nos tornando uma sociedade em rede é adequar a democracia à sociedade em rede.

 

Como se daria na prática?

A primeira característica é ter um eleitorado interativo, que compartilha suas ideias. A tecnologia já permite isso. No momento de votar, por exemplo, já se poderia por meio da tecnologia definir a pauta legislativa e as prioridades governamentais e do orçamento. São coisas simples que já podem ser feitas.

O globo, n. 30695, 21/08/2017. PAÍS, p. 5