Embate entre Benjamin e Gilmar marca sessão do TSE

Murillo Camarotto e Fabio Murakawa

08/06/2017

 

 

O julgamento que pode selar o destino do presidente Michel Temer entra no terceiro dia sem que se tenha superado nem mesmo a etapa de preliminares. A sessão de ontem foi marcada pelo embate entre o relator do caso, Herman Benjamin, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, acerca da possibilidade de que delações premiadas da Odebrecht e dos publicitários João Santana e Mônica Moura sejam aproveitadas como prova no processo que avalia o pedido de cassação da chapa vencedora das eleições presidenciais de 2014.

Apesar da polarização entre os dois protagonistas do julgamento, manifestações breves de outros integrantes da Corte apontaram a tendência de absolvição do presidente, mesmo que por placar apertado. Considerados como votos "pró-Temer", os ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Admar Gonzaga fizeram contrapontos ao relator. Eles se juntariam a Tarcísio Vieira e Gilmar Mendes na posição favorável ao presidente. Já a ministra Rosa Weber se manifestou apenas uma vez, ocasião em que demonstrou apoio a Benjamin.

A lentidão do julgamento serviu, ao menos, para convencer os advogados de que não haverá pedido de vista e que o processo poderá ser, enfim, concluído. Por conta disso, o presidente do TSE convocou sessões extraordinárias para hoje, amanhã e até para sábado, se for necessário, ao longo do dia inteiro.

Os trabalhos foram abertos com três preliminares pendentes de apreciação do plenário. Na primeira, os advogados de Dilma e Temer alegaram cerceamento de defesa na parte que citou os depoimentos da Odebrecht. Na seguinte, apontaram o uso de prova ilícita, que seriam delações vazadas pela imprensa. Na última - a mais importante - sustentam que houve "ampliação da causa de pedir", termo jurídico que define o crescimento excessivo do objeto inicial da ação.

O relator alegou que as preliminares estão vinculadas ao mérito da ação e solicitou, então, que fossem tratadas durante a leitura do voto. Das três preliminares, somente a que apontou uso de prova ilícita foi avaliada - e rechaçada - pela unanimidade do plenário do TSE. As demais ainda terão que ser apreciadas pelos sete ministros.

Benjamin gastou boa parte das quase quatro horas de sessão para defender o uso das provas resultantes das delações. Em uma jogada estratégica, baseou sua argumentação no voto proferido por Gilmar Mendes em 2015, quando a mesma ação, que já estava arquivada, foi reaberta pelo TSE. Gilmar, à época, usou os fatos recém-revelados pela Operação Lava-Jato para justificar a retomada do processo.

Em um dos trechos daquele voto, Gilmar disse: "Imaginemos que de fato fique comprovado que o financiamento da campanha se deu mediante recurso da Petrobras, via propina. Há uma proibição clara nesse sentido. Há dados fortes, e vamos ignorar isso na ação?", questionou o presidente do TSE.

Ontem, o relator usou a peça para defender o uso das delações no processo. "O seu voto foi meu guia", disse mais de uma vez Benjamin. Gilmar, que é contrário à inclusão das provas, reconheceu a posição adotada no passado, mas enfatizou que jamais pediu a impugnação da chapa Dilma-Temer.

Antes, o presidente do TSE já havia classificado de "falaciosas" as declarações de Benjamin favoráveis ao uso das delações. "Então acho melhor o senhor incluir também a JBS e aguardar a fala do ex-ministro Antonio Palocci", ironizou o presidente do TSE, ao afirmar que fatos novos continuam surgindo.

Pouco depois, no entanto, levou o troco. Após desculpar-se por ter interrompido o relator, ouviu de Benjamin: "O senhor deve desculpas ao senhor mesmo, pois é o seu voto que estou lendo", devolveu.

Benjamin disse que a legislação eleitoral lhe concede poder investigatório, ou seja, direito de participar da produção de provas. Lembrou, ainda, que alguns ex-executivos da Odebrecht que prestaram depoimento ao TSE foram convocados pelas partes que agora questionam a inclusão das delações.

Essa foi a deixa para a primeira e única manifestação de Admar Gonzaga, nomeado por Temer em abril deste ano e considerado um "voto certo" a favor do presidente no julgamento. Segundo ele, a iniciativa probatória do juiz, citada enfaticamente pelo relator, deve ser usada com parcimônia, sob o risco de tornar o magistrado parcial no processo.

Napoleão, outro ministro cujo voto tende a ser favorável a Temer, também se manifestou sobre a inclusão de novas provas no processo. Em um debate com o relator, disse que, por sua preferência, a discussão não teria chegado "nem na Petrobras".

A linha argumentativa do relator é de que não houve alargamento do objeto da ação pois a Petrobras foi citada na petição inicial, feita pelo PSDB em dezembro de 2014. Benjamin sustenta que a Odebrecht foi "parasita" da Petrobras, desviando dinheiro da empresa em benefício próprio e premiando vários partidos políticos.

Alinhado com o relator na sessão de ontem, o ministro Luiz Fux afirmou que não viu uma alteração da "causa de pedir". Segundo Fux, a narrativa de abuso de poder econômico trazida pelo relator no julgamento sobre abuso de poder econômico da chapa Dilma-Temer é a mesma que consta da petição inicial que deu início ao processo. De acordo com Fux, "questiúnculas formais" não podem ser usadas para acobertar fraudes.

A decisão final sobre a legalidade do uso das delações no processo só será conhecida hoje. Pelo que foi acordado, a análise dessa preliminar específica se dará em algum momento durante a leitura do mérito do processo. Após a proclamação do voto do relator, todos os ministros irão se posicionar, o que deve consumir várias horas de discussão.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4272, 08/06/2017. Política, p. A6.