Demanda anêmica permite tombo do juro

Sergio Lamucci

12/06/2017

 

 

O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre e o comportamento recente da inflação evidenciam a fraqueza da demanda. Esboçada nos primeiros meses do ano, a recuperação da atividade econômica mostrou-se frágil e, para complicar, deverá ser afetada pelas incertezas provocadas pela nova crise política, dado o efeito negativo sobre a confiança de empresários e consumidores.

Com a enorme ociosidade na economia, a inflação rodando abaixo da meta e expectativas inflacionárias bem ancoradas, o cenário parece propício para o Banco Central (BC) afundar os juros nos próximos meses, mesmo havendo dúvidas quanto ao andamento das reformas, como a da Previdência. O corte da Selic é basicamente o instrumento que resta para impulsionar a economia, num quadro marcado pelo desequilíbrio das contas públicas, o que torna inviável a adoção de medidas de estímulo fiscal, e pela atuação mais contida e responsável dos bancos públicos, como o BNDES.

A eclosão da nova crise política e o resultado do PIB do primeiro trimestre levaram bancos e consultorias a reduzir as projeções de crescimento para 2017 e 2018. O Bradesco cortou a previsão para o PIB deste ano de uma expansão de 0,3% para estabilidade, baixando a estimativa para o investimento de uma expansão de 2,5% para uma queda de 2%.

Atividade e inflação abrem espaço para queda forte da Selic

No primeiro trimestre, o mau desempenho de dois dos principais componentes da demanda chamou a atenção. O investimento recuou 1,6% em relação ao trimestre anterior, enquanto o consumo das famílias caiu 0,1%. Pelo lado da demanda, apenas o setor externo e a variação de estoques contribuíram positivamente para o crescimento do PIB no primeiro trimestre, de 1%. O investimento encolheu quase 30% desde o terceiro trimestre de 2013, enquanto o consumo das famílias minguou pouco menos de 10% desde o terceiro trimestre de 2014. Mesmo depois desses tombos enormes, eles têm demorado a reagir, em boa medida por causa do elevado endividamento de empresas e famílias, que seguem no processo de reduzir os seus débitos.

No front inflacionário, o IPCA de maio trouxe uma leva de boas notícias, que vão além da deflação de alimentos. O índice subiu 0,31%, bem abaixo da média das projeções do mercado, de uma alta de 0,46%, o que derrubou o acumulado em 12 meses de 4,08% para 3,6%. Também segue muito favorável o comportamento dos preços de serviços e dos núcleos do IPCA, que buscam diminuir a influência dos itens mais voláteis. Há previsões de que o indicador ficará na casa de 3,5% em 2017 e em 4% em 2018, nos dois casos abaixo da meta de 4,5%.

Em resumo, a atividade, que já titubeava, pode sofrer um novo revés, devido ao impacto das incertezas sobre a confiança, especialmente dos empresários - a expectativa de vários analistas é de contração do PIB no segundo trimestre. Além disso, a inflação segue em trajetória de queda.

Essa combinação sugere que há amplo espaço para o BC cortar os juros, continuando o ciclo de redução iniciado em outubro de 2016. A Selic caiu de 14,25% para 10,25% ano, mas a taxa real segue elevada. Comparando a Selic com a expectativa do mercado para o IPCA nos próximos 12 meses, de 4,55%, o juro real é de 5,5%. Depois do resultado do IPCA de maio, a projeção para esse índice em 12 meses tende a ficar mais perto de 4%, o que faria a taxa real ficar mais próxima de 6%.

No fim de maio, o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou a Selic em 1 ponto percentual, o mesmo ritmo da reunião anterior, e indicou a possibilidade de um corte de 0,75 ponto no encontro de julho, apontando como "fator de risco principal o aumento de incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia". Na ata, porém, o Copom deixou aberta a possibilidade de uma redução de 1 ponto, afirmando não haver "uma relação direta e mecânica entre o aumento de incerteza e a política monetária" e que "o ritmo de flexibilização continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos, de possíveis reavaliações da estimativa da extensão do ciclo e das projeções e expectativas de inflação".

Com a demanda ainda no chão e uma inflação baixa, o BC parece ter espaço para levar rapidamente a taxa para um nível bastante abaixo do juro neutro, aquele que permite a economia crescer sem pressões inflacionárias. De difícil cálculo, as estimativas apontam para uma taxa neutra na casa de 5% ou um pouco mais, descontada a inflação. Com expectativas bem ancoradas, a gestão atual do BC pode baixar a Selic sem perder a credibilidade reconquistada a duras penas, arranhada depois que a administração anterior deixou a inflação rodar por anos muito acima da meta.

E tudo indica que os juros poderão ficar por um bom tempo abaixo da taxa neutra, porque há enorme folga na utilização de recursos na economia, como mostra a capacidade ociosa na indústria e a altíssima taxa de desemprego. No quadro atual, manter o ritmo de corte da Selic de 1 ponto percentual não parece arriscado, apesar das incertezas causadas pela divulgação da gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS. Limitar a queda da Selic para a casa de 9%, como alguns analistas passaram a apostar depois da eclosão da nova crise, pode ser excesso de zelo. O Banco Safra, por exemplo, vê condições de a taxa cair para 8% até o fim deste ano e para 7% até metade do ano que vem.

Sem a aprovação de uma reforma da Previdência mais robusta, a queda estrutural da taxa neutra que se desenhava tende de fato a ficar comprometida, porque o cenário fiscal de longo prazo continuará negativo. Isso pode fazer com que o BC tenha de elevar a Selic um pouco mais cedo e com um pouco mais intensidade quando a ociosidade na economia estiver por terminar. Esse momento, contudo, ainda está distante, e não parece um motivo para o BC não buscar um nível mais baixo para a taxa básica.

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Sergio Lamucci é repórter. A titular da coluna, Angela Bittencourt, não escreve hoje, excepcionalmente.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4274, 12/06/2017. Brasil, p. A2.