Atividade lenta põe em risco receitas e meta fiscal do ano

Estevão Taiar

12/06/2017

 

 

O agravamento da crise política no país, após as delações da JBS, ameaça a já frágil recuperação das receitas e torna ainda mais incerto o cumprimento da meta de déficit primário de R$ 139 bilhões estabelecida pelo governo federal para este ano. Na visão de analistas, impactos negativos na confiança de consumidores e empresários, queda mais lenta dos juros e alta dependência de receitas extraordinárias complicam o cenário fiscal traçado pelo governo federal na Lei Orçamentária Anual de 2017.

"Sem dúvida, isso [a crise política] pode complicar o atingimento da meta", diz Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, para quem o pior cenário é aquele em que a permanência de Temer ficará indefinida por "três, seis meses". "Aí complica bastante [o quadro fiscal]. Temos que torcer para que a saída da crise não demore tanto", diz.

Na opinião de Kawall, um prolongamento das turbulências políticas pode afetar tanto as receitas ligadas diretamente à atividade quanto as extraordinárias, como a abertura de capital do IRB Brasil, vendas de ativos do setor elétrico e leilões do setor de óleo e gás. "São operações muito importantes, com as quais o governo conta para fechar a projeção de receitas deste ano", diz.

Um outro especialista em contas públicas tem opinião parecida. "A receita [necessária para atingir a meta] não virá de uma atividade melhor", disse ele, que preferiu não se identificar. "Há um risco não desprezível em torno das receitas extraordinárias, e se a expectativa dessas receitas não se viabilizar, aí já era", diz.

O próprio relatório do Prisma Fiscal apontou em maio estimativa média, feita por consultorias e instituições financeiras, de déficit primário de R$ 148,3 bilhões em 2017, o que mostra a falta de confiança dos analistas do mercado no cumprimento da meta fiscal deste ano. E alguns estão bastante pessimistas. O Bradesco informou, em relatório, que calcula déficit de R$ 170 bilhões.

Com o impasse político, a situação fica ainda mais grave. O canal de transmissão entre a crise política e a arrecadação tributária é a confiança, que cai e leva junto contratações, investimentos e consumo. "Já não estava claro se a recuperação [da atividade] estava firme. Agora, está menos ainda. Isso afeta o faturamento das empresas e a arrecadação sobre ele, por exemplo", afirma.

Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e ex-diretor do Banco Central (BC), também se diz pessimista com a possibilidade de o Brasil atingir a meta primária em 2017. Ele lembra que, já em fevereiro, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão criado pelo Senado para monitorar as contas públicas e a execução da política fiscal, estimava um déficit primário de R$ 182 bilhões neste ano.

Nos cálculos dele, para chegar aos R$ 139 bilhões, o país precisa ter um déficit mensal médio até o fim do ano de R$ 16 bilhões. "No ano passado, nesse período, esse déficit foi de R$ 21 bilhões", diz.

Thadeu também chama a atenção para o provável corte mais lento dos juros, indicado pelo BC na sua última ata, e os efeitos negativos que ele deve ter na atividade. "Essa queda menor vai realmente atrapalhar a absorção doméstica", diz, citando a combinação de consumo e investimentos. "A arrecadação, que é basicamente em cima do consumo e da massa salarial, não vai andar."

Mesmo aqueles que calculam que o governo alcançará a meta adotam postura cautelosa. "Ainda é possível cumprir, pode ser um pouco apertado, mas é possível", diz Vilma da Conceição Pinto, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre- FGV). Para Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, no entanto, "talvez possamos não gostar" da maneira como o governo chegaria aos R$ 139 bilhões, recorrendo mais uma vez, por exemplo, a restos a pagar.

Uma visão quase consensual é que a essa altura há pouco espaço tanto para buscar novas receitas quanto para ampliar o contingenciamento, caso a frustração na arrecadação se confirme. "Mais do que já foi contingenciado é um volume um pouco expressivo para este momento", diz Vilma, do Ibre-FGV. No fim de maio, o governo federal estabeleceu em R$ 38,9 bilhões o corte de gastos necessário para chegar à meta. Novos cortes teriam ainda mais impactos negativos na atividade.

Mesmo sem a crise política, a frustração de receitas neste ano já é tão grande que, pelo menos por enquanto, o país não precisa se preocupar com teto estabelecido pela PEC dos gastos. "Não será o teto de gastos que limitará o efetivo dispêndio de 2017", diz Montero, da Tullet Prebon. "Mas os cortes orçamentários impostos pela frustração de receita." E aponta uma dificuldade adicional: a inflação em queda.

O economista lembra que, enquanto as projeções do governo para o PIB caíram 1,1 ponto percentual (de 1,6% para 0,5%), a inflação média esperada para o ano recuou ainda mais, de 5,75% para 4,25%. Assim, enquanto as receitas devem vir abaixo do esperado, tanto pela inflação quanto pelo PIB menor, as despesas seguem indexadas à inflação anterior, mais alta. "PIB e inflação simultaneamente abaixo do esperado é uma combinação dura às contas de resultado primário", diz.

Além disso, os impactos fiscais da crise política podem não ficar restritos a 2017. Um atraso excessivo ou uma diluição muito grande da reforma da Previdência, por exemplo, teria efeitos negativos de duas maneiras. Em primeiro lugar, derrubaria ainda mais a confiança de investidores, atrapalhando novamente a recuperação da atividade e, consequentemente, das receitas tributárias. Em segundo lugar, sem as mudanças nas regras para as aposentadorias, as despesas continuarão crescendo em ritmo acelerado.

Para Thadeu, da CNC, as incertezas a respeito da aprovação da reforma criaram um cenário de "dominância previdenciária", em referência à dominância fiscal cogitada por alguns especialistas no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. "Estamos no limiar para saber se vai ter ou não reforma", diz.

Kawall, do Safra, diz que um PIB mais fraco neste ano afeta tanto o carregamento estatístico para 2018 quanto a atividade futura. Por isso, ele afirma que já "há riscos" à meta de déficit primário do ano que vem (R$ 129 bilhões) do ano que vem, embora esse cenário "não seja o mais provável".

Por isso, um aumento de carga tributária, encarado neste momento como politicamente inviável, é visto por economistas como inevitável no futuro, se o país quiser voltar a registrar superávits primários e estabilizar a relação entre dívida e PIB. "É uma questão aritmética, a conta não fecha. Não é ideologia", diz o analista que não quis se identificar, para quem será necessário um "esforço fiscal" de algo entre 5,5% a 6% do PIB para que o país consiga estabilizar a dívida.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4274, 12/06/2017. Brasil, p. A4.