As especulativas finanças federais brasileiras

Fábio Terra e Fernando Ferrari Filho

13/06/2017

 

 

yman Minsky ficou famoso por analisar as finanças modernas, sujeitas a eufóricos comportamentos de manada que geram bolhas financeiras e deixam o sistema financeiro instável. Com a crise financeira de 2008, Minsky voltou à cena e a própria crise foi chamada por alguns analistas de 'Momento Minsky Generalizado'.

Minsky sintetizou seu modelo em 1986, em "Estabilizando uma Economia Instável", em três posturas financeiras que uma empresa pode assumir, baseadas no confronto entre as suas receitas esperadas e os seus compromissos financeiros. As posturas podem ser: 1- hedge, quando as receitas esperadas são superiores aos compromissos financeiros, 2- especulativa, posição em que as receitas esperadas cobrem apenas parte dos compromissos financeiros e, então, a empresa terá crescimento de sua dívida no curto prazo, e 3- Ponzi, postura extrema em que as receitas esperadas não cobrem sequer os custos operacionais da empresa e, assim, ela tem dívida explosiva e precisa reestruturar seus ativos para que possa continuar existindo no médio prazo.

Embora pensadas para uma empresa, em um artigo publicado em 20101, criamos um Índice de Fragilidade do Setor Público, que parametrizava matematicamente as posturas financeiras de Minsky para as finanças públicas. O cálculo é feito pelos fluxos totais das receitas e despesas públicas e, assim, é possível aferir se determinado ente de governo é hedge, especulativo ou Ponzi, ou seja, se suas finanças públicas estão mais ou menos frágeis.

O novo regime fiscal centrou-se apenas em um dos fluxos problemáticos das finanças federais

Pois bem, diante da grave crise fiscal que assola o Brasil, reaplicamos o referido Índice para as finanças do governo federal brasileiro (incluindo Banco Central e INSS, isto é, a categoria governo central), entre 2000 e 2015. Ampliando a base de dados da análise de 2010, além da execução orçamentária do Balanço do Setor Público Nacional, publicada todo ano pelo Tesouro Nacional, testamos o resultado primário e os juros nominais das necessidades de financiamento do setor público. Diferente das necessidades de financiamento que não as contemplam, as receitas financeiras e também os gastos com amortização estão nas séries da execução orçamentária.

Além disso, em um terceiro teste, também baseado na execução orçamentária, consideramos como receita o excesso das operações de crédito (dívida nova contraída pelo governo federal) sobre o refinanciamento da dívida, ou seja, recursos de dívida pública federal que vão além do refinanciamento. Tais recursos podem custear despesas correntes desde que respeitada a 'regra de ouro' dada no artigo 167 da Constituição Federal.

Para facilitar a apresentação, chamemos de teste 1 o realizado com a execução orçamentária sem operações de crédito. O teste 2 é o que se baseia nas necessidades de financiamento do governo federal. Este teste em específico compreende o período 2000-2016, pela disponibilidade de dados. O teste 3 novamente utiliza os dados da execução orçamentária, contudo considerando o excesso de operações de crédito sobre o refinanciamento da dívida. Assim, o teste 3 contempla recursos oriundos de endividamento do governo federal não contabilizados no teste 1.

Os resultados estão apresentados no gráfico. Eles mostram, no caso do teste 1, que as finanças federais foram especulativas em todo o período 2000-2015, ou seja, a União conseguiu custear, usando suas receitas financeiras e não financeiras, seus gastos não-financeiros. Porém, apenas parte dos gastos financeiros (juros e amortizações) foi custeada. O governo federal, assim, precisou se endividar para fechar suas contas. O ano de finanças federais mais frágeis foi 2014, quando a União por pouco não foi Ponzi.

O teste 2, feito com as necessidades de financiamento do governo federal, portanto excluindo, em relação aos testes 1 e 3, as receitas financeiras da União e seus gastos com amortização, mostra uma situação ainda mais frágil das finanças federais: especulativas entre 2000 e 2013 e Ponzi de 2014 a 2016. A partir de 2014 o governo federal foi incapaz de custear suas despesas primárias, o que inclusive explica o crescimento vertiginoso da dívida pública pós-2014.

Por fim, o teste 3 mostra o governo federal especulativo apenas em 2008, 2010, 2013 e 2014, em todos os demais ele é hedge. Contudo, esta postura hedge é artificial, pois foi auferida com uso de receitas oriundas de endividamento. Chama a atenção, novamente, 2014, o pior ano da série, mesmo sendo um ano de grande endividamento público.

Das análises, concluímos que as finanças federais brasileiras foram sobretudo especulativas, portanto frágeis, no período 2000-2015 (2016 para o teste 2). Os testes explicitam gastos não financeiros crescentes, gastos financeiros muito oscilantes, e receitas totais igualmente oscilantes. Logo, as finanças públicas são frágeis por todos os seus fluxos. Mostra-se, pelo contraste entre os testes 1 e 2, a importância de receitas financeiras para fechar as contas federais. Devido a elas, a União não foi Ponzi no teste 1. Ademais, em todos os testes 2014 foi um ano tenebroso nas finanças federais, provavelmente por conta das eleições presidenciais.

Enfim, a análise permite ainda uma breve nota sobre o novo regime fiscal decorrente da chamada PEC do Teto: embora seja importante criar regras fiscais, o Novo Regime Fiscal centrou-se apenas em um dos fluxos problemáticos das finanças federais, os gastos não financeiros. Em outras palavras, tanto as receitas totais quanto os gastos financeiros do governo federal são muito sensíveis ao ciclo econômico e, para que se tenha de fato um novo regime fiscal, é preciso que eles sejam observados e regulados.

1. Journal of Post Keynesian Economics, n. 33(1), p. 151-168, 2010.

 

Fábio Terra é professor da Universidade Federal do ABC.

Fernando Ferrari Filho é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPq.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4275, 13/06/2017. Opinião, p. A10.