Após 2 meses de queda, varejo cresce 1% em abril

Estevão Taiar, Ana Conceição e Robson Sales

14/06/2017

 

 

Beneficiadas pela liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e pelo recuo da taxa de inflação, as vendas do varejo restrito surpreenderam novamente os economistas e cresceram 1% entre março e abril - na comparação de dados já dessazonalizados -, e interromperam uma sequência de dois meses de queda.

Foi também o melhor resultado para o mês desde 2006, quando a expansão foi de 1,1%. Em relação a abril do ano passado, o varejo cresceu 1,9%, interrompendo 24 meses de quedas seguidas nesse tipo de comparação.

No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e de material de construção, o volume de vendas subiu 1,5% na comparação com março, descontados os efeitos sazonais. Nesse caso, o resultado foi o melhor para abril desde 2008, quando o indicador cresceu 2,4%.

Os dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na visão dos especialistas, eles mostram uma tendência de lenta melhora no segmento, que poderia apresentar um segundo trimestre um pouco melhor, ou menos pior que o antecipado. Com a crise política instalada no fim de maio, no entanto, essa recuperação pode acabar abortada.

Segundo Daniel Silva, economista do Modal Asset, o quadro para o comércio em maio parece "bastante positivo, com uma recuperação vigorosa", influenciado novamente pela liberação dos recursos das contas inativas do FGTS. Para junho, no entanto, a expectativa é que já haja nova queda, por causa dos impactos negativos na confiança e no consumo decorrentes do imbróglio político. "Isso só reforça o timing infeliz em que veio a delação do Joesley [Batista, sócio do JBS]", diz. "Pelo menos no segundo trimestre a atividade deve continuar sem recuperação."

Flavio Serrano, economista-sênior do Haitong, também estima novo recuo do varejo em junho. Ele lembra que a crise política estourou na noite de 17 de maio, o que limita o impacto na queda da confiança no mês. A maior parte desse impacto, segundo o economista, deve ser sentida em junho.

Serrano diz que "o imbróglio político limita o crescimento muito mais a médio prazo", mas não descarta que um agravamento do quadro político acabe eventualmente "minando a recuperação" tanto do varejo quanto da atividade.

O crescimento do varejo restrito na passagem de março para abril veio melhor que a média estimada pelo Valor Data, apurada junto a 17 instituições financeiras e consultorias, de queda de 0,4%. As estimativas variavam de alta de 1,3% a recuo de 1,6%. Em março, o recuo de 1,9% também havia sido uma surpresa negativa. A estimativa média registrada foi de - 0,7%.

A dificuldade em projetar o que está acontecendo no comércio se acentuou após as revisões metodológicas feitas pelo IBGE em abril. Ontem, o instituto mais uma vez fez ajustes nos dados dos primeiros meses do ano.

Na compilação por quadrimestre, os números do comércio varejista mostram uma melhora relativa do setor, com quedas bem menos pronunciadas do que as verificadas no ano passado.

No primeiro quadrimestre de 2016, o varejo registrou queda de 6,9% ante os quatro primeiros meses de 2015, recuo que diminuiu para 6,3% e 5,6% no segundo e terceiro quadrimestres de 2016. Nos quatro primeiros meses de 2017, a queda ante o mesmo período do ano anterior diminuiu para 1,6%.

Para Serrano, "essa é a leitura fundamental do resultado da PMC". Ele defende que sejam observadas séries mais longas para analisar o real movimento do comércio, depois das revisões metodológicas que deixaram os resultados mensais "mais erráticos".

Além da inflação em queda e do FGTS, Serrano afirma que "os efeitos defasados" do corte de juros começam a beneficiar o comércio. "Já houve uma queda importante, mas infelizmente a economia não reage da noite para o dia", diz. Assim, o varejo "começa a andar, mas não em um ritmo muito alto".

"O cenário está parando de piorar", afirma. Ele calcula que o varejo restrito ficará entre queda de 1% e alta de 1% no fim do ano, flutuando em torno de um Produto Interno Bruto (PIB) estável em relação a 2016. Silva, economista do Modal, tem avaliação semelhante. "É apenas isso: uma economia que parou de cair, seja o varejo, seja a atividade em geral", afirma.

Já o Bradesco, que esperava queda de 0,7% do varejo restrito, revisou ligeiramente para cima sua projeção para o PIB do segundo trimestre, de queda de 0,4% para recuo de 0,3%.

"Reconhecemos que há outros fatores - como a desinflação dos preços de alimentos levando a um ganho real de renda, a melhora da confiança, a queda da taxa de juros, os resgates das contas inativas do FGTS, dentre outros - que deverão favorecer a melhora do consumo, especialmente no curto prazo", diz comunicado do banco.

No acumulado do ano, o setor apresentou recuo de 1,6%. Nos 12 meses encerrados em abril, houve decréscimo de 4,6%. A principal influência positiva partiu do setor de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, que apresentou aumento de 0,9% nas vendas, após 6% de queda acumulada nos dois meses anteriores. Também tiveram taxas positivas tecidos, vestuário e calçados (3,5%).

"A redução da inflação e a liberação de recursos do FGTS têm impacto em atividades que são básicas, como supermercados e vestuário, embora parte desses recursos seja usada para pagamento de dívidas", afirma Isabella Nunes, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE.

"Supermercados e vestuário são segmentos bem mais dependentes da renda do que de crédito", diz Carlos Pedroso, economista-sênior do Mitsubishi Financial Group no Brasil. Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (10,2%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (0,1%) foram os demais segmentos com alta.

Em sua conta no Twitter, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, comemorou o resultado. "As vendas do comércio cresceram 1% em abril, mais do que esperavam os analistas", escreveu o ministro, destacando o desempenho de supermercados e produtos alimentícios "após longo período em queda".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4276, 14/06/2017. Brasil, p. A3.