Reale Jr. anuncia desfiliação e diz que partido se desvirtuou e traiu origens

Fernando Taquari e Ricardo Mendonça

14/07/2017

 

 

A permanência do PSDB na base aliada do governo Michel Temer (PMDB), a despeito das denúncias que envolvem o presidente da República, provocou a primeira baixa nas fileiras do tucanato. Contrariado com o posicionamento do partido, o jurista Miguel Reale Junior anunciou sua desfiliação assim que a cúpula partidária divulgou a decisão de manter o apoio ao pemedebista.

Um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Reale Junior filiou-se ao PSDB em 1992, pelas mãos dos ex-governadores Franco Montoro e Mário Covas, ambos já falecidos, e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Justiça entre abril e julho de 2002, no último ano de governo do tucano.

Ao Valor, o jurista disse que o PSDB se desvirtuou e traiu suas origens e a militância ao colocar-se como fiador de um governo envolvido em "fatos notórios de corrupção". A cúpula do partido, afirmou o ex-ministro, ignora acusações contra o presidente com o objetivo de tentar em troca salvar o mandato do senador afastado Aécio Neves (MG) no Conselho de Ética.

A exemplo de Temer, Aécio virou alvo de investigação da Procuradoria-Geral da República com a delação da JBS. O senador tucano também foi acusado de irregularidades por delatores da Odebrecht. "Se eu adotei uma postura contra a corrupção, a favor do impeachment de Dilma, não poderia agir diferente agora, vendo o PSDB permanecer em um governo que adota condutas não republicanas e que ofendem a ética", disse.

Para Reale Junior, o partido se assemelha hoje ao "velho PMDB", na contramão dos princípios morais que levaram no fim da década de 1980 lideranças pemedebistas, como Montoro e Covas, a deixar a sigla para fundar o PSDB. "O partido faz de conta que não existe uma denúncia prestes a ser oferecida pela PGR contra o Temer. Isso mostra como o PSDB se desvirtuou de seus valores, assim como ocorreu com o PMDB no passado".

A aliança entre as duas legendas com vistas às eleições de 2018 enfraquece o discurso do PSDB, segundo o ex-ministro. "Isso terá reflexos no futuro. O partido traiu suas origens, enquanto eu me mantive fiel a elas. Por isso saí", disse o jurista, acrescentando que a decisão da cúpula de liberar a bancada a votar como quiser numa eventual denúncia contra Temer escancara as contradições da sigla. "Não posso ficar em um partido com tamanha incoerência e tamanha fragilidade ética", concluiu.

Em São Paulo, na base do governador e presidenciável Geraldo Alckmin, coube ao deputado estadual Carlos Bezerra Júnior expressar a insatisfação com a decisão da direção nacional. "Para mim, ficar no governo Temer é dar uma abraço de afogado. Esse governo não existe mais, vem nadando num mar de escândalos. A decisão de parte dos dirigentes demonstra descolamento da realidade, falta de conexão com a base do partido e com a sociedade", resume.

Para Bezerra, a sigla está "perdendo o bonde da história", um erro que cobrará seu preço no futuro: "Ficar [com Temer] é ser incoerente. O PSDB vai querer ser lembrado por apoiar um presidente investigado por corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa? Não é isso o que a opinião pública espera. Entre a ousadia e a independência, a opção, infelizmente, foi pela conveniência".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4276, 14/06/2017. Política, p. A7.