MP usa dados de repatriação em investigações

Maíra Magro

14/06/2017

 

 

O Ministério Público está usando dados do Programa de Repatriação para investigar pessoas envolvidas na Operação Lava-Jato e em outros escândalos, sem precisar de quebra de sigilo bancário ou fiscal. As informações consideradas suspeitas são enviadas aos procuradores pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que por sua vez recebe comunicados dos bancos sobre operações atípicas.

"Não importa se é TED, DOC ou Repatriação. Os bancos têm a obrigação de comunicar toda operação suspeita ao Coaf", disse ao Valor o presidente do conselho, Antonio Gustavo Rodrigues. Questionado se no caso da repatriação todas as operações poderiam ser consideradas suspeitas, já que o dinheiro legalizado estava oculto no exterior, ele afirma que não. Em um exemplo hipotético, a repatriação feita por um empresário dono de uma grande indústria, que mantém relação com um banco durante décadas, não seria em primeira análise considerada atípica, segundo o presidente do Coaf. "Mas há milhões de situações que poderiam gerar sinais de alerta", ressalta Rodrigues.

Recebidas as informações do Coaf, cabe ao MP investigar se o dinheiro repatriado tinha origem ilícita. Se confirmada a ilegalidade, o MP considera que o programa oficial de legalização de ativos foi usado como forma de lavar dinheiro.

Em um caso recente ao qual o Valor teve acesso, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro usou dados fornecidos pelo empresário Miguel Iskin, que aderiu ao Programa de Repatriação, para confirmar informações contra ele obtidas em investigações criminais.

O uso das informações é mencionado em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou pedido de habeas corpus do empresário. "O MPF apurou, através de informação fornecida pelo banco Itaú ao Coaf, que Miguel Iskin solicitou a adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) com o intuito de regularizar a quantia de US$ 26,9 milhões depositados nas Bahamas", diz a decisão.

Segundo o documento, o banco também informou o Coaf que o empresário "foi resistente em informar a origem dos recursos, no entanto esclareceu que tratava-se de valores não declarados decorrentes do recebimento de comissões sobre vendas de produtos industriais de empresas sediadas no exterior".

Analisando o caminho do dinheiro, o MPF concluiu que os dados confirmaram que Iskin recebia comissões no exterior supostamente para organizar um cartel de empresas, fraudando pregão eletrônico na área hospitalar. O empresário foi apontado pelo MPF como "o grande corruptor da iniciativa privada na área da saúde no Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo pagamento mensal de aproximadamente R$ 450 mil à organização criminosa" que, segundo os procuradores, era chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Iskin foi preso preventivamente na Operação Fatura Exposta, por suposta prática de corrupção ativa, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Outro caso que chamou a atenção é o do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que mantinha R$ 48 milhões em contas nas Bahamas. No fim de 2016, ele regularizou os valores por meio da Lei de Repatriação, alegando que o dinheiro vinha da venda de um imóvel. Mas o Ministério Público entendeu que os recursos tinham origem em "propina proveniente de corrupção na Petrobras". Ferreira foi preso na 40ª fase da Lava-Jato, batizada de "Asfixia".

Segundo advogados consultados pelo Valor, a preocupação inicial de quem aderiu ao programa era se a Receita Federal iria compartilhar os dados com outros órgãos. Assim, muitos foram pegos de surpresa ao saber que os bancos estão partilhando informações.

A Lei de Repatriação (Lei 13.254/2016) diz que "é vedada à Receita Federal do Brasil, ao Conselho Monetário Nacional (CMN), ao Banco Central do Brasil e aos demais órgãos públicos (...) a divulgação ou o compartilhamento das informações prestadas pelos declarantes que tiverem aderido ao Rerct com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, inclusive para fins de constituição de crédito tributário." Mas nada é dito a respeito dos bancos e do Coaf, que são obrigados por lei a comunicar e analisar informações suspeitas.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4276, 14/06/2017. Especial, p. A12.