SALTO COM PRIVATIZAÇÃO

RENNAN SETTI

 MANOEL VENTURA

BÁRBARA NASCIMENTO

CHICO PRADO

ANA PAULA RIBEIRO

MARINA BRANDÃO

23/08/2017

 

 

Ações da Eletrobras disparam 49%, mas há dúvida sobre como será a operação

O mercado financeiro reagiu com euforia à decisão do governo de privatizar a Eletrobras, mesmo sem maiores detalhes sobre o modelo de venda. Com a perspectiva de menor ingerência política na companhia, as ações ordinárias (com voto) da estatal dispararam 49,3%, para R$ 21,20, a maior alta diária da história da empresa. Em apenas um dia, a companhia ganhou R$ 9 bilhões em valor de mercado e passou a ser avaliada em R$ 29,3 bilhões. A valorização dos papéis da Eletrobras impulsionou a Bolsa: 49 das 58 ações do Ibovespa, índice de referência dos investidores, encerraram o pregão em alta, com destaque para o avanço de estatais. O Ibovespa subiu 2%, aos 70.011 pontos, maior patamar desde janeiro de 2011.

— Ninguém esperava o anúncio, mas é uma ótima sinalização, já que a empresa tem imensos problemas financeiros, e acaba acendendo a esperança de que o governo faça isso com outras estatais — disse Lucas Marins, analista da Ativa Investimentos.

Para André Rosenblit, diretor de Mercado de Capitais e Renda Variável do Santander, “os olhos dos investidores brilharam” com o anúncio porque querem “um controlador cujo foco esteja no lucro, não nos problemas estruturais do país”. O banco estimava que a ação chegaria a R$ 29 daqui a um ano, mas espera valorização maior com a privatização.

— Se as condições operacionais e de mercado forem perfeitas para a Eletrobras, sua ação tem potencial para valer até R$ 70 — disse Rosenblit.

 

EXECUTIVOS VEEM INTENÇÃO DE REFORMAR SETOR

Apesar das projeções, o cenário ainda é de incerteza. O modelo de venda ainda não está oficialmente definido. A tendência, porém, é que a empresa faça um lançamento de ações, que não seriam compradas pela União. Com os recursos, a empresa compraria de volta 14 usinas hidrelétricas, que tiveram seu controle transferido para a União em 2012 como resultado da medida provisória (MP) 579, que forçou a redução das contas de luz e jogou a companhia numa espiral de resultados negativos. Esta solução, ao contrário das demais em estudo, como venda de controle, permite que os recursos sejam usados para abater o rombo nas contas públicas em 2018, estimado em R$ 159 bilhões. Analistas do Bradesco BBI destacam que o governo tentará concluir a operação antes da eleição diante do quadro fiscal.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem que o governo ainda avalia a modelagem de venda, que tem previsão de arrecadação de R$ 20 bilhões. Meirelles evitou comentar se os recursos entrariam no caixa em 2017 ou 2018:

— Estamos agora trabalhando na modelagem do processo e fazendo avaliação de como será encaminhado tudo isso. Tão logo tenhamos números mais precisos e avaliações de mercado um pouco melhor concretizadas, aí vamos fazer o anúncio completo.

A analista Cristiane Spercel, da Moody’s, diz que a decisão suscita dúvidas sobre o apoio da União à companhia no futuro. “O plano do governo de privatizar a Eletrobras é negativo ao crédito, sobretudo porque introduz incerteza sobre em que medida o governo suportaria a Eletrobras em momentos de necessidades inesperadas. O plano cria distrações para a administração que podem atrapalhar outras iniciativas, incluindo a estratégia de reestruturação da companhia”, afirmou em nota.

Assim como o mercado financeiro, executivos do setor foram pegos de surpresa pela notícia, mas avaliam que a decisão do governo demonstra a intenção de fazer uma grande reforma na área.

— Ficou clara a vontade do governo de fazer uma intervenção estruturante no setor elétrico — afirmou o presidente da EDP Energias do Brasil, Miguel Setas, que destaca que ainda é cedo para avaliar a atratividade da Eletrobras.

Para José Luiz Alqueres, ex-presidente da Eletrobras, apesar de os chineses serem apontados como principais interessados, eles devem encontrar concorrência forte na Europa e nos EUA:

— O mundo inteiro vive uma situação de excesso de liquidez e falta de projetos de investimento que ofereçam retornos atrativos.

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que os funcionários não serão prejudicados e passarão a ser “avaliados pela meritocracia”. O Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro e Região (Sintergia-RJ) informou que prepara uma greve nacional a partir do próximo mês. O Sindicato dos Engenheiros do Rio diz que fará atos contra a privatização.

O globo, n.30697 , 23/08/2017. ECONOMIA, p. 19