Crise política pode levar investimento a cair pelo quarto ano consecutivo

Sergio Lamucci

09/06/2017

 

 

A nova crise política aumentou as chances de o investimento encolher pelo quarto ano consecutivo. Com as incertezas causadas pelas dúvidas quanto à continuidade do governo do presidente Michel Temer, a confiança dos empresários deve ser afetada, prejudicando as perspectivas para a retomada da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação).

Nesse cenário de indefinição, algumas instituições reduziram as projeções para o investimento em 2017, passando a projetar uma nova queda para o componente da demanda que mais apanhou nos últimos anos. Para se ter uma ideia, a FBCF recuou nada menos que 29,8% em relação ao nível do terceiro trimestre de 2013.

Na série do IBGE das contas nacionais que se inicia em 1996, não há registro de um tombo remotamente parecido. A FBCF encolheu quase 20% no quarto trimestre de 2008 e no primeiro trimestre de 2009, na esteira da crise financeira global, mas logo se recuperou - nos últimos três meses de 2009, já havia superado o nível vigente no terceiro trimestre de 2008.

A Tendências Consultoria passou a apostar em retração de 1,1% na FBCF neste ano - antes, previa uma alta de 2%. Além do impacto da crise política, o péssimo resultado do investimento no primeiro trimestre contribuiu para o corte na estimativa, diz Bruno Levy, economista da consultoria.

Nos três primeiros meses do ano, a FBCF recuou 1,6% em relação aos três meses anteriores, feito o ajuste sazonal, desempenho pior do que o esperado por boa parte do mercado - a média das estimativas dos economistas ouvidos pelo Valor Data era de uma baixa de 0,3%. Nos últimos 14 trimestres, a FBCF caiu em 13. A exceção foi o segundo trimestre do ano passado, quando houve alta de 0,1%.

"As dúvidas quanto ao encaminhamento das reformas no Congresso e a manutenção da atual agenda econômica devem impactar negativamente a confiança dos empresários e, portanto, o apetite por investimentos", resume Levy, ao falar do impacto causado pela divulgação da gravação de uma conversa comprometedora de Temer com o empresário Joesley Batista, da JBS.

Além disso, há potenciais impactos no custo de financiamento, por causa do aumento dos prêmios de risco, diz ele, para quem esses fatores tendem a fazer com que os investidores coloquem "novos projetos em compasso de espera".

O ciclo de queda dos juros e a perspectiva favorável para o andamento das reformas no Congresso, em especial a da Previdência, apontavam para uma recuperação do investimento neste ano, mas a nova crise turvou o quadro de retomada. Para 2018, a Tendências reduziu a projeção de crescimento da FBCF de 9,2% para 6,8%.

E esse aumento da incerteza ocorre num momento em que há uma "capacidade ociosa absurda na indústria e no parque instalado de construções", como diz o economista Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores. "Se a crise pode afetar um componente da demanda com mais força, é o investimento."

Faria conta que a LCA já esperava um recuo do investimento neste ano, de 0,7%. Com o imbróglio político e o número do PIB do primeiro trimestre, a consultoria passou a projetar uma queda do investimento de 2,3% em 2017. Isso contribuiu para a LCA reduzir a projeção de crescimento do PIB para este ano, de 0,9% para 0,5%. Já a Tendências manteve a projeção de uma expansão do PIB em 2017 de 0,3%, mesmo com a piora da previsão para o investimento, porque passou a esperar um desempenho melhor do consumo das famílias e do setor externo, pelo lado da demanda.

Pelos cálculos da Tendências, uma queda de 1% na confiança da indústria em um mês gera um impacto negativo na FBCF de 0,021% após dois meses. Apesar de o impacto ser aparentemente fraco, essa análise incorpora um recuo de 1% na confiança durante apenas um mês, diz Levy. Para ele, essa queda deve continuar pelo menos nos próximos dois trimestres e ter maior intensidade. "Portanto, os efeitos sobre os investimentos e a construção civil nos próximos trimestres serão consideráveis", afirma o economista da Tendências.

Faria e Levy acreditam que as perspectivas são piores para a construção do que para o setor de máquinas e equipamentos. Há grande vacância de imóveis residenciais e comerciais, diz Faria. Além disso, o panorama está longe de ser favorável ao investimento em novos negócios, como diz Levy. A construção de novas unidades de produção está fora do radar da maior parte das empresas.

Antes de fazer investimentos de maior peso, as empresas ocupam a capacidade ociosa existente. Em alguns casos, pode haver gastos para repor a depreciação do capital, depois de tanto tempo sem investir, como avalia o economista Luiz Castelli, da GO Associados. A empresa troca uma máquina obsoleta por uma mais nova, por exemplo, mas não faz grande ampliação da capacidade produtiva.

Antes da nova crise política e da divulgação do resultado do PIB do primeiro trimestre, Castelli esperava crescimento de 2,5% da FBCF no ano. Agora, avalia que o número deve ficar próximo de zero.

Ao analisar as perspectivas para o investimento, Faria nota que a retomada não virá do setor público, dado o quadro de desajuste das contas públicas. As concessões de infraestrutura ao setor privado podem sofrer um pouco com a crise, demorando mais para começar a engrenar, diz ele.

O tombo da FBCF fez a taxa de investimento encolher brutalmente nos últimos anos. No primeiro trimestre, ela ficou em 15,6% do PIB, mais de cinco pontos percentuais do PIB abaixo dos 20,7% do PIB registrados no mesmo período de 2014. É um número mais baixo do que o de muitos países emergentes. No ano passado, a taxa ficou em 19,5% do PIB na África do Sul, em 21,6% do PIB no Chile, em 25,6% na Rússia, em 31,4% do PIB na Índia e em 44% do PIB na China, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Uma taxa de investimento tão baixa tem consequências negativas, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. O estoque de capital declinante prejudica a produtividade, reduz o crescimento potencial (aquele que não acelera a inflação) e atrapalha a recuperação da atividade, escreve ele.

Dada a grande ociosidade na economia, o país poderá crescer por vários trimestres acima do ritmo potencial sem causar pressões inflacionárias. Mas, uma vez que a capacidade ociosa for ocupada, o Brasil terá possivelmente de avançar a taxas pouco animadoras, para evitar a aceleração dos preços.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4273, 09/06/2017. Brasil, p. A5.