Título: Burocracia de mais e alta rotatividade
Autor: Cristino, Vânia ; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 03/02/2012, Economia, p. 7

De cada duas pessoas com carteira assinada, uma troca de emprego por ano. País convive com 2,4 mil regras trabalhistas

O Brasil que bate no peito e urra aos quatro cantos o fato de já estar próximo do pleno emprego — quando quase a totalidade da População Economicamente Ativa (PEA) está no mercado de trabalho — também é o país da rotatividade da mão de obra. Anualmente, de cada duas pessoas com carteira assinada, uma pede demissão ou é demitida de suas funções, quadro sem paralelo no planeta. Mas, ainda que essa dança de cadeiras seja reflexo de uma economia em expansão num mundo em crise, os custos impostos ao setor produtivo acabam minando parte da produtividade que poderia ampliar a força do país na competição internacional.

Ao mesmo tempo em que encara uma rotatividade recorde, o mercado de trabalho transita em um emaranhado de regras. Calcula-se que o cipoal regulatório, construído a partir de 1943 com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), seja composto hoje por 2,4 mil normas e leis. Quer dizer: em vez de facilitar a vida das empresas, reduzindo os custos de contratação e de demissão, o Estado se sente no direito de, a todo momento, fazer remendos numa legislação que mantém o país na 121ª posição de um ranking de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com 142 nações. Mas não é só: para manter tal estrutura burocrática, o Brasil gasta R$ 10 bilhões apenas com a Justiça trabalhista.

Embora esteja cursando o segundo ano do ensino médio, a jovem Thaís Lettieri, 16 anos, já sabe das distorções do mercado de trabalho no país e do árduo caminho que precisará percorrer para se destacar na profissão. Apaixonada pelos bichos, tudo leva a crer que será médica veterinária. "Consulto quem já trabalha na área e sei da realidade da profissão. Terei de correr atrás de estágios e procurar especializações e mestrados após me formar para ter o meu espaço no mercado", afirma.

Formada em matemática pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub) há 23 anos, a mãe de Thaís, Scheilla Lettieri, 46, diz que percebe, na geração da filha, uma maior dedicação aos estudos, sobretudo para atingir planos de longo prazo. "Na minha época, bastava ter graduação para ser bem-sucedido. Hoje, eles sabem que não é o suficiente e pensam em mestrado e doutorado", conta. Assim como o irmão mais velho, Deverson, que cursa medicina na Rússia, Thaís pretende se graduar no exterior, possivelmente na Austrália.

Para Sheilla, a fartura de opções no mercado de trabalho e a elevada rotatividade dos profissionais dentro das empresas tornam as especializações inevitáveis. "Como servidora pública, posso perceber que várias pessoas na minha área estão sempre temporariamente no trabalho, estudando para um concurso melhor. Na iniciativa privada, esse movimento é ainda mais visível", completa.

Analfabetos A percepção da professora se traduz nos dados disponíveis na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Em 2010, do total de 66,7 milhões de pessoas com vínculos, 53,1% mudaram de trabalho. No ano anterior, a rotatividade havia sido de 49,4%. Com isso, o tempo médio que uma pessoa passa no emprego caiu para cinco anos no Brasil contra 11 na Alemanha. Motivo principal: a baixa qualificação. "Quanto mais deficiente é o preparo da mão de obra, menores são o salário e o tempo de permanência no emprego", afirma o economista José Márcio Camargo. "Para o trabalhador mais qualificado existe uma carreira dentro da empresa. Não vale a pena demiti-lo", acrescenta.

Que o diga Jeovani Salomão, presidente da Memora, consultoria do setor de tecnologia da informação. Com a necessidade constante de ter à disposição pessoas altamente qualificadas, ele corta um dobrado para manter o quadro de pessoal preenchido. "A dificuldade faz com que eu seja obrigado a treinar o profissional e a retê-lo, mesmo quando tenho menos contratos sendo executados", detalha.

Para José Márcio Camargo, a legislação incentiva o troca-troca de trabalhadores. "Quando a taxa de desemprego é baixa, o trabalhador tem um incentivo para forçar a demissão, na medida em que recebe multa rescisória, aviso-prévio, Fundo de Garantia (FGTS) e ainda tem acesso ao seguro-desemprego", analisa. Em uma tentativa de evitar a fuga dos funcionários, além de investir em qualificação, Salomão procura oferecer outras recompensas. "Tenho programas de gratificação e deixo à disposição até uma mesa de sinuca, visando mais qualidade de vida. No mundo de hoje, nada impede que um funcionário satisfeito seja levado pelo concorrente", diz.

Pelos cálculos de Clemente Ganz, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicos (Dieese), a média brasileira de cinco anos no emprego só perde para os Estados Unidos em um grupo de 22 países. "A elevada rotatividade prejudica a todos por meio da redução da produtividade e do lucro", assegura. No seu entender, uma forma de reverter esse quadro é aumentar o nível de escolaridade. Em média, cada ano adicional de estudo garante 10% a mais de salário. E mais: os trabalhadores com menos tempo de escola estão sendo expulsos do mercado. A participação dos analfabetos caiu 47% na última década.