Título: Uma defesa enérgica
Autor: Abreu, Diego ; Amado, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2012, Política, p. 2

Presidente do Supremo nega crise, diz que não aceita pressões no Judiciário e exalta função administrativa do CNJ

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, aproveitou a abertura do Ano Judiciário 2012 para fazer uma defesa enfática do poder. Em uma cerimônia que reuniu a cúpula dos Três Poderes em Brasília e que marca o início das atividades jurídicas no ano, Peluso negou que exista uma crise, exaltou a função administrativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo do Judiciário, e avisou que o Supremo não cederá a pressões externas.

Em um discurso de pouco mais de meia hora, algo pouco habitual a Peluso, que costuma ser conciso, o presidente do Supremo ressaltou a importância da Justiça. "Temos ouvido, com surpresa, que o Poder Judiciário está em crise. (...) Não é assim que percebo o país, nem o Judiciário", defendeu, afirmando que a Justiça vive sua melhor fase. "Nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasileira pode ser imputado ao Poder Judiciário", acrescentou. Apesar de pregar a harmonia entre os poderes, Peluso alertou que o Executivo e o Legislativo também experimentam dificuldades em relação ao controle externo. Citou as corregedorias do Congresso, que, segundo ele, "não são muito mais antigas" que o CNJ nem "mais poderosas". E minimizou a Controladoria-Geral da União (CGU), que acredita dispor de "competência curta e ação limitada".

Na breve menção que fez ao CNJ, do qual também é presidente, Peluso afirmou que não se trata de discutir a "necessidade de punição de abusos", mas "apenas em saber que órgão ou órgãos devem puni-los", referindo-se à discussão se o CNJ pode se antecipar às corregedorias dos tribunais estaduais. "O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente", afirmou. Na terça-feira, sete dos 15 integrantes do CNJ, senadores, deputados, juristas e representantes da sociedade civil reuniram-se em um ato de defesa ao órgão.

O presidente da República em exercício, Michel Temer, e os presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, Marco Maia (PT-RS), mostraram-se solidários às palavras de Peluso. Em seus discursos, seguiram o movimento de defesa do Judiciário. Temer frisou que a democracia concede ao chefe do Poder o direito de se expressar. "Devemos combater as críticas como fez com muita propriedade o presidente Peluso", defendeu. Sarney seguiu na mesma linha. "O Supremo não deve ser objeto de ataques e contestações que visam o enfraquecimento de sua autoridade", afirmou.

O ministro do STF Gilmar Mendes relativizou o papel das críticas. "As críticas não devem ser interpretadas como pressão. É o posicionamento da sociedade. O julgamento ajuda a completar a avaliação (em torno da questão discutida)", afirmou, assumindo posição parecida com a do presidente da OAB, Ophir Cavalcanti. "A advocacia concorda com a essência do discurso, mas isso não significa que tenhamos de deixar de criticar, analisar e levar a palavra da sociedade em relação ao que está sendo posto sobre o controle externo", propôs o advogado.

"Maravilhoso" O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, foi mais duro. "Autoritarismo é não aceitar a crítica. Uma decisão judicial pode ser questionada. Não há nisso, por si só, qualquer traço de autoritarismo. A OAB tem o direito e o dever de atuar a favor dos melhores interesses da sociedade." O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) entendeu a negação que Peluso fez da crise no Judiciário, mas defendeu a valorização do CNJ. "As instituições não são transitórias, passageiras, substituíveis. Isso não significa que seus integrantes, que são transitórios, passageiros e substituíveis, não possam ser fiscalizados e eventualmente julgados. Isso não significa pré-julgamento dos magistrados, mas sim entender que todos estamos sujeitos à fiscalização da sociedade."

Um dos últimos a deixar o evento do STF, o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, descreveu como a defesa feita por Peluso como o melhor discurso "em décadas". "O discurso foi maravilhoso. Não via coisa semelhante há décadas. Foi uma chacoalhada, conseguiu tornar mais nítido o quadro que estava nebuloso", avaliou o presidente da AMB, associação que criticou a possibilidade de o CNJ investigar antes das corregedorias estaduais. Com uma cópia da Constituição debaixo do braço, chamada por ele de "minha Bíblia", Calandra também evita falar em crise. "Se é que houve crise, caminhamos para algo melhor. O Supremo vai encontrar uma saída que vai harmonizar essa situação de aparente conflito."

Controle O CNJ começou a atuar em junho de 2005, com a missão de propor e implantar mudanças no Judiciário, tanto em questões de natureza administrativa quanto no controle e na transparência processual. O cargo de corregedor é ocupado por ministro do Superior Tribunal de Justiça indicado por seus pares, aprovado pelo Senado e nomeado pelo presidente da República. A atual ocupante é a ministra Eliana Calmon.

Debate na tribuna

"No debate apaixonado em que se converteu a questão (...) do alcance e limites das competências do CNJ, perde-se de vista que seu âmago não está em discutir a necessidade de punição de abusos, mas apenas em saber que órgão ou órgãos devem puni-los" Cezar Peluso, presidente do STF

"Não devemos nunca nos impressionar, nem com as críticas nem com as contracríticas. Nós devemos combatê-las, quando equivocadas, como se fez, com muita propriedade, na fala do ministro Cezar Peluso" Michel Temer, vice-presidente da República

"O Supremo não deve ser objeto de ataques e contestações que visam o enfraquecimento de sua autoridade" José Sarney, presidente do Senado

"Autoritarismo é não aceitar a crítica. Uma decisão judicial pode ser questionada. Não há nisso, por si só, qualquer traço de autoritarismo" Wadih Damous, presidente da OAB-RJ