Cunha reavalia silêncio e acerta com novo advogado para buscar delação

Maíra Magro e Murillo Camarotto

16/06/2017

 

 

Antes reticente, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) abriu conversas com procuradores para fazer delação premiada e contratou advogado para liderar o processo. Se as negociações avançarem, será o tiro de misericórdia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, que cambaleou mas não caiu com a delação de Joesley Batista, um dos donos da JBS. O novo advogado que Cunha constituiu exclusivamente para isso é o criminalista Délio Lins e Silva Júnior, que tem escritório em Brasília. "Delinho", como é conhecido o advogado, atuou na delação de Diogo Ferreira, que era chefe de gabinete do ex-senador Delcídio do Amaral.

Paralelamente às sinalizações de Cunha, o doleiro Lúcio Funaro, apontado como operador do ex-deputado, também já iniciou processo de delação. O ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures, preso após ser flagrado recebendo uma mala cheia de dinheiro, pode acabar fazendo o mesmo. Sua mulher está no oitavo mês de gestação e sua família tem pressionado por uma delação. São três depoimentos considerados fundamentais para o desfecho da situação de Temer. Se Cunha demorar, pode acabar ficando para trás dos outros potenciais colaboradores. Há quem ainda aposte em uma delação conjunta de Cunha e Funaro.

A possibilidade de delatar é agora vista sem preconceito por Cunha, que até então se recusava a tratar abertamente do tema, limitando-se a passar recados para o governo. Recentemente o ex-deputado passou a discutir o assunto com advogados e familiares que o visitam em Curitiba, na prisão.

Tudo mudou com a delação dos executivos da JBS, seguida da inesperada resistência de Temer, assim como da iniciativa bem-sucedida de sua defesa em colocar em questão o áudio da conversa com Joesley. Na avaliação de analistas políticos, Janot precisaria de fatos novos para fazer vingar, entre parlamentares, uma denúncia contra o presidente - apesar das revelações feitas até agora, a acusação corre o risco de ser barrada na Câmara, o que frustraria os esforços do procurador. Apenas provas ainda mais contundentes deixariam deputados sem argumento para barrar a abertura de ação penal contra Temer. Antes desprezada, a colaboração de Cunha subiu consideravelmente de valor.

O ex-deputado, por sua vez, pode ter na figura de Janot sua última chance de salvação, diante da ameaça iminente de ter que passar as próximas décadas atrás das grades. O mandato do procurador-geral termina em setembro e ainda não se sabe quem será seu sucessor. Alguns aliados do ex-presidente da Câmara defendem que o melhor seria aguardar para negociar uma delação mais "amena" com o substituto de Janot.

O risco, porém, seria enorme, na avaliação de outros interlocutores. Isso porque o novo chefe do Ministério Público pode simplesmente recusar qualquer tipo de negociação com Cunha, preferindo deixá-lo calado na prisão. O próprio método de condução das delações premiadas na Operação Lava-Jato não é visto com consenso pelos candidatos à sucessão de Janot.

Essa janela de oportunidades dos dois lados criou a confluência ideal para a delação de Cunha. O ex-deputado já é visto como alguém que estaria perdendo a arrogância que demonstrou até agora diante do procurador-geral, com quem trocou duros ataques desde o começo das investigações.

Apesar do cenário favorável, as negociações, se prosseguirem, não serão fáceis. Advogados receberam a indicação de que Cunha terá que entregar pessoas com quem convivia no mesmo nível, e que estivessem acima dele, para que sua delação seja aceita. Embora tenha sinalizado que vai falar o que sabe, ele ainda é visto com desconfiança entre procuradores e tem fama de evitar a verdade, o que tira a confiabilidade do que se dispõe a entregar. Ele terá que oferecer muitas informações e provas para assinar o acordo.

Há sinais de que procuradores não pretenderiam, por exemplo, flexibilizar muito a pena de Cunha em regime fechado. A tendência, ao menos até o momento, é de que ele fique preso por um bom período, podendo, no entanto, obter outros benefícios judiciais.

A defesa de Cunha contactou pela primeira vez a PGR para avaliar o interesse em uma delação premiada em julho do ano passado, antes mesmo de ele ser cassado. A resposta de procuradores, na época, foi positiva. Mas Cunha manteve-se firme na decisão de não delatar. Recentemente, procuradores indicaram que haviam perdido o interesse em conversar com o ex-deputado. Um aliado de Cunha sondou a disposição da Polícia Federal em fechar sozinha uma delação, e a resposta mais uma vez foi positiva - mas as conversas não seguiram adiante. Agora as atenções se voltam para as tratativas com a PGR.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4277, 09/06/2017. Política, p. A5.