RTI ficará a reboque de embates políticos

Angela Bittencourt

17/06/2017

 

 

Persio Arida entra na Taberna 474 sem o peso de um banco nas costas. Três dias antes daquela segunda-feira ensolarada de 29 de maio, o economista anunciara sua renúncia ao cargo de conselheiro do BTG Pactual e a venda, ao longo dos próximos meses, de todas as suas ações. Descontraído e sorridente, veste paletó preto com camisa lilás, calça jeans escura e sapato marrom. Nada no aspecto dele lembra o compenetrado executivo que assumiu o comando do banco em novembro de 2015, um dia após a prisão do fundador e maior acionista, o carioca André Esteves, acusado de planejar obstruir as investigações da Operação Lava-Jato.

A detenção do ex-controlador, solto no mês seguinte, foi catastrófica para o BTG. As atividades ligadas ao mercado de capitais não foram tão afetadas, mas as operações de crédito, nas quais o banco apostava, foram drasticamente reduzidas. Sem uma equipe altamente qualificada, poucos bancos não quebrariam num cenário parecido - por lei, o governo não pode socorrê-los com o chamado "bail-out". "Minha vontade de sair vem de 2014", diz Arida logo no início deste "À Mesa com o Valor". "Você trabalha em banco para ganhar dinheiro, mas chega um momento na vida que diz: 'Prefiro me dedicar a outros projetos a ter mais dinheiro'".

Arida ficou no que ele define como "vai, não vai" até 2015. "Com o que aconteceu, fui obrigado a dar meia-volta, volver, a assumir a posição de chairman e focar totalmente." Estancada a sangria, cedeu a presidência do conselho do BTG para Marcelo Kalim, em novembro de 2016. "Passei então a dedicar só 40% do meu tempo ao banco, mas que tomavam 95% do meu espaço mental. Exagerando um pouco, sentia o corpo presente, mas a alma ausente. Era preciso virar a página."

A demora para virar a página teve impacto em seu patrimônio de acionista do banco. "Uma coisa é sair no valor, outra coisa é sair no valor baixo", admite ele, que diz resignadamente: "É a vida."

No primeiro fim de semana livre, já na nova página de sua história, o economista foi se ver no cinema. Ele é um dos personagens-chave do filme "Real - O Plano por Trás da História", dirigido por Rodrigo Bittencourt. Em cartaz há três semanas, o longa se propõe a reconstituir os bastidores da criação do Plano Real, cuja paternidade é partilhada entre Arida e os economistas André Lara Resende, Gustavo Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha.

O quinteto de economistas considerados brilhantes foi arregimentado por Fernando Henrique Cardoso em 1993, quando o ex-presidente era ministro da Fazenda do breve governo de Itamar Franco (1930-2011). Posto em prática em 1º de julho de 1994, o plano, enfim, debelou a hiperinflação herdada dos anos 80 e pavimentou a vitória da campanha à Presidência do tucano.

Arida, o de verdade, não mede palavras para avaliar o longa: "É ruim, é grotesco. Oscila entre a fantasia e a mentira". Diz isso com um sorriso no rosto, sem nenhuma exaltação. Como exemplo da fantasia, cita a cena da final da Copa do Mundo de 1994, assistida por Fernando Henrique e a equipe de economistas em meio e doses e mais doses de uísque, quase todos fumando sem parar. "Vi a partida com a minha família em São Paulo, como todo mundo", esclarece. Como exemplo da mentira, menciona a cena em que Arida (interpretado por Guilherme Weber), então presidente do Banco Central, irrompe na sala onde Franco conduz uma reunião como diretor de assuntos internacionais. "Fui demitido", diz, para em seguida profetizar: "Você quer ser presidente do Banco Central, Gustavo? Saiba que sua queda vai ser dez vezes maior que a sua subida. Sabe por que, Gustavo? Porque para você todo mundo é um m...".

"Só rindo, imagina se isso aconteceu", rebate Arida, emendando uma risada. "Fui eu quem pediu demissão, o que o Fernando Henrique deixa claro nos 'Diários da Presidência'." Em seguida, lamenta o fato de o ex-presidente não ter registrado suas memórias de quando era ministro e comenta a relação com o suposto desafeto: "Fui escolhido presidente do banco, algo que o Gustavo obviamente queria, embora não tivesse senioridade àquela altura para isso. Mas minha grande divergência com ele, sobre a política cambial, surgiu depois do plano". Franco presidiu a instituição de 1997 a 1999 e em janeiro de 1995, interinamente, por 11 dias; Arida, de janeiro a junho de 1995.

O apreço do setor financeiro pelo economista era tão grande, que a avenida Paulista, onde há grande concentração de bancos, era chamada de avenida Gustavo Franco, advogado enfático do câmbio fixo. "Conheço o setor financeiro inteiro. Setor financeiro, em particular as mesas de trading, os fundos etc., é muito pragmático e míope, gosta da política econômica que dá lucros", comenta Arida. Quando o dólar passou a flutuar, a fidelidade acabou, lembra. "Ideologia não existe."

O filme é baseado no livro "3.000 Dias no Bunker: um Plano na Cabeça e um País na Mão", do jornalista Guilherme Fiúza. O protagonista é justamente o carioca Gustavo Franco, vivido pelo ator Emilio Orciollo Netto. Ambicioso, irascível, o economista é apresentado como ferrenho opositor de Arida - interpretado por um ator uns 20 centímetros mais alto do que ele -, alguém indeciso e apagado. Lara Resende (Wladimir Candini), Bacha (Giulio Lopes) e Malan (Tato Gabus Mendes) são retratados como figurantes, quase na mesma medida que o conciliador Fernando Henrique vivido pelo ator Norival Rizzo. O apoplético Itamar Franco de Bemvindo Sequeira faz lembrar as caricaturas da turma do "Casseta & Planeta".

O que mais incomoda Arida no filme, no entanto, são os papéis reservados aos demais envolvidos no Plano Real. "É injusto esconder a fundamental participação do Bacha, por exemplo, ou a força inspiradora do André", avalia. Para ele, porém, o personagem central deveria ter sido Fernando Henrique. "O extraordinário da história é um ministro da Fazenda ter a lucidez de chamar um time econômico, bancar a ideia totalmente original de uma moeda indexada e conseguir convencer o presidente da República e o Congresso a aprovar um ajuste fiscal com uma proposta modernizadora de país."

Os produtores de "Real - O Plano por Trás da História" pediram a Arida uma autorização de uso de imagem. Ele condicionou à leitura do roteiro, o que lhe foi negado. "O único ponto positivo é que escolheram um ator garboso para o meu papel", resume, aos risos.

Luiz Carlos M. de Barros, Arida, Lara Resende e Luiz Belluzo (1986)

Créditos: Gilberto Alves/Folhapress

Pedro Malan e Arida, durante o governo Fernando Henrique

Créditos: Sergio Lima/Folhapress

Arida, Gustavo Franco, Henrique Meirelles e Armínio Fraga em 2012

Créditos: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Arida e a filha, Ana Lívia, na Cinemateca Brasileira, em SP (2004)

Créditos: Greg Salibian/Folhapress

A escolha da Taberna 474 partiu de Arida. Misto de bar e restaurante de comida mediterrânea, ocupa uma esquina sossegada no Jardim Paulistano, em São Paulo. O lugar capta o clima rústico e animado das tabernas. "Quando venho aqui costumo ficar só nas entradas", diz o economista, ao examinar o cardápio. Sem deter-se longamente nas opções, escolhe sardinhas portuguesas na brasa, servidas com pão, azeite e meia fatia de limão siciliano tostado; mandioquinha crocante, preparada em grossas rodelas; e queijo espanhol manchego, feito com leite de ovelha, que recomenda fervorosamente e que chega à mesa em finas fatias. Para beber, água com gás, que pede para verter no copo ele mesmo.

Agora que virou a página, Arida pretende, ele mesmo, contar parte dessa história do Real em seu livro de memórias. Vai englobar o período entre sua graduação em economia pela USP, em 1975, e a saída do Banco Central. Abarca, portanto, a maior parte de sua bem-sucedida carreira, que inclui um doutorado no prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, a presidência do BNDES e a participação nos conselhos dos bancos Itaú e Unibanco. Ele também foi diretor do Opportunity, membro da diretoria da SulAmérica e professor da USP e da Pontifícia Universidade Católica do Rio. Foi nessa última, onde deu aulas de 1980 a 1984, que ganhou a reputação de "gênio".

Arida teve ainda uma passagem capital pelo governo Sarney, no qual exerceu os cargos de secretário de Coordenação Econômica e Social e de diretor da área bancária do Banco Central. Também ajudou a conceber o Plano Cruzado ao lado de economistas como Andrea Calabi, Chico Lopes, Luiz Gonzaga Belluzzo e Lara Resende - amigo com quem havia escrito, pouco antes, o célebre plano de estabilização inflacionária apelidado de "Larida". Por prever a coexistência de duas moedas, algo inconstitucional, na visão de Saulo Ramos, consultor jurídico da Presidência da República, o plano foi execrado na época, mas a proposta viraria uma das bases do Plano Real.

O livro de memórias ainda está sendo esboçado e vai ser escrito como atividade paralela aos workshops sobre política econômica que vai ministrar na Blavatnik School of Goverment, em Oxford, a partir de setembro. A ida para a Inglaterra do economista paulistano de 65 anos está ligada a uma questão existencial. Diz estar superbem, intelectual e fisicamente, mas pondera: o destino é inelutável. "Poucas pessoas têm a fortuna do Fernando Henrique Cardoso, com tamanha memória e lucidez aos 85 anos, idade em que muita gente já decaiu. Sei que o tempo que tenho para dedicar a outros projetos é limitado."

Um outro livro, também de memórias, já está praticamente concluído. Trata-se da versão ampliada do extenso relato que ele publicou na revista "piauí" em abril de 2011 com o inspirado título "Rakudianai". Deve chegar às livrarias no segundo semestre, pela Companhia da Letras, a mesma editora do livro em esboço. O título do relato, em japonês, quer dizer "não é fácil". Era o mote predileto do pai do economista, o comerciante libanês Riad Arida, para concluir a narração de alguma adversidade. Ao ouvir a expressão, aprendida com um japonês do bairro da Liberdade, o interlocutor invariavelmente desfranzia o cenho e caía na risada.

"Rakudianai" havia sido escrito para o número 1 da revista "piauí", lançada em outubro de 2006. A demora se deve ao aborrecimento de Alice Farah Arida, a mãe de Persio, com uma passagem do relato, lido por ela em primeira mão. Também libanesa, ela morreu em 2015. "Quando ela já não era mais capaz de atinar, eu me senti liberado", explica Persio, pai de duas mulheres, Anna Lívia Arida, diretora-executiva da ONG Minha Sampa, e a cineasta Maria Alice Arida.

A passagem que incomodou dona Alice remete a certo dia de 1970 e a um Persio Arida ideologicamente oposto ao atual. Ele tinha 18 anos, cursava o primeiro ano de história na USP e convocara os pais para uma conversa de emergência, a portas fechadas, na sala de jantar da casa deles. Contou que estava envolvido com a organização de esquerda do capitão Carlos Lamarca, a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares), e que um amigo, também militante, acabara de ser preso pela repressão militar, então no auge, e poderia denunciá-lo. "Passado o susto, comportaram-se como boa parte dos pais em tal situação: importa, antes de tudo, salvar a vida do filho", escreveu Persio Arida.

Ao que Riad exclamou: "A garçonnière, Alice, a garçonnière!". E telefonou em seguida, na frente de todos, para o amigo com quem dividia os custos e os dias de uso da garçonnière, uma espelunca num prédio no centro caindo aos pedaços que partilhava o andar com um bordel. Arranjado o esconderijo do filho, o comerciante enfim se deu conta do que acabara de revelar e da perplexidade da mulher. "A tempestade doméstica que se seguiu foi de grandes proporções", registrou o economista.

Sua atuação revolucionária se resumiu à colocação de uma faixa sobre o túnel da avenida Nove de Julho, em São Paulo. "Luta armada contra a ditadura dos patrões", dizia ela. A Arida, único dos envolvidos na operação a dispor de um carro, um Fusca cuja placa ele passou a madrugada pintando, com medo de que fosse anotada, coube o papel de motorista. O ato se deu às 6h da manhã. Tenso como o diabo, na lembrança dele, ficou no carro esperando, o motor ligado. Nenhum policial viu nada. Pouco depois, antes de voltar para casa, ele passou de carro pelo túnel. A faixa tinha sumido.

A pedido da VAR-Palmares, o futuro economista liberal também desafiou os militares ao dar guarida, na casa da família, nos Jardins, a um revolucionário procurado. Foi só por uma noite. Arida o descreve como um "nissei mirrado e com rosto de criança, nervoso e inseguro, completamente diferente dos revolucionários de verdade que imaginava existirem". Descobriu o nome dele quando já estava preso na temida operação Bandeirante, a Oban, na rua Tutoia: Massafumi Yoshinaga. Ex-revolucionário a serviço dos militares, o nissei fora levado ali para discursar contra as causas que até outra hora defendia. "Na linguagem oculta dos olhares, ele me disse que se lembrava de mim com tanta certeza quanto eu me lembrava dele."

Setor financeiro, em particular as mesas de trading, os fundos etc., é pragmático e míope, gosta da política econômica que dá lucros

Arida foi preso por policiais à paisana na rua Frei Caneca, no bairro de Cerqueira Cesar, não muito depois do início da temporada na garçonnière. Ia ao encontro de uma militante. Não fugiu, nem disse nada. Nos poucos segundos em que foi jogado dentro de um carro e as portas se fecharam, ele diz ter repassado toda sua vida. "Tive a mesma experiência anos depois, ao sofrer um desastre de automóvel numa madrugada fria e vazia", revela. "Nos segundos que transcorreram entre o estrondo inicial e a batida no poste do outro lado da pista, repassei tim-tim por tim-tim toda a minha vida. Memórias de infância, família, amigos, namoradas, tudo."

No quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita, no Rio, para o qual foi transferido após a permanência na Oban, viveu o que mais temia. "Minha memória falha, sábia memória. Já falhava no dia seguinte à tortura. Sobraram apenas imagens. O primeiro murro no estômago. O torturador se vingava; havia ódio nas suas palavras e olhos. O corpo nu arrastado. Em vez da maquininha com manivela, choques diretos da tomada. O primeiro desmaio e depois o segundo, sempre após as descargas. A cadeira no canto onde me instalavam quando desmaiava. O suor frio. A visão de mim mesmo caído naquela cadeira, como se meus olhos pudessem se destacar de meu corpo e me enxergar de longe e do alto. O médico dizendo: nada grave, é só aguardar um pouco até que ele retorne. A voz irônica do torturador: e então, pronto para outra?"

Foi uma única e longa sessão, seguida de dias igualmente tenebrosos até ele ser liberado. Eram pontuados por toques de corneta de manhã e de tarde e ataques cada vez mais violentos de asma, que lhe afligem desde a infância e o levaram a praticar natação e a tocar violoncelo na juventude. Basta expirar que a asma passa, acreditava-se na época. Levado a uma escola de música "para soprar alguma coisa", optou pela flauta, depois substituída pelo instrumento de cordas, com o qual descobriu um dos maiores prazeres de sua vida, a música clássica. "Não ter continuado a tocar é uma das grandes frustrações da minha vida", reconhece ele, enquanto se serve de mais um pouco de água.

O violoncelo foi deixado de lado em parte pela pressão do pai. "Ele dizia: 'Músico não ganha dinheiro em lugar nenhum do mundo. Você trate de ser advogado, de ser médico, engenheiro...'", lembra Arida. E em parte por uma pressão dele mesmo. "Todo jovem é muito ambicioso e se pergunta: 'Você consegue ser o melhor do mundo?' Eu achei que eu não tinha tanto talento assim, não tinha ouvido absoluto..."

Presa desde janeiro de 1970, a militante mais conhecida da VAR-Palmares até hoje não foi apresentada a Arida. Mas com o então marido dela, Carlos Araújo, um dos mandachuvas da organização, Arida tinha contato frequente. Era a quem prestava obediência. "Eu lembro dele falando que ela era uma revolucionária duríssima", recorda o economista. A militante era Dilma Vana Rousseff.

A conversão do revolucionário de esquerda no economista liberal começou a tomar forma após sua soltura da prisão. Por orientação do tio dele, advogado, encarregado de sua defesa no processo na Justiça Militar que se seguiu à detenção, foi atrás de trabalho. Ninguém queria se expor, no entanto, contratando alguém cujo nome aparecera nos jornais como terrorista preso. O emprego que ele conseguiu, o primeiro da vida, se deve à influência do pai. Foi na agência de publicidade DPZ. Sem saber nada de propaganda, acabou virando um revisor de português. Absolvido na Justiça, largou o emprego e a faculdade de história e acabou se encontrando na área econômica.

Hoje ele se define como um liberal das antigas. "Todo economista bem formado, que entende de fato como o mercado funciona, tende a ser liberal", observa. "É favorável a buscar soluções de mercado e a minimizar, sempre que possível, a interferência estatal." Para ele, o Estado deve prover só o mínimo para garantir a todos as mesmas condições de oportunidade. "Mas sou liberal de ponta a ponta. A favor do casamento gay, da liberação de drogas, de políticas que assegurem a diminuição de disparidades entre gêneros... o liberalismo tem que incorporar uma agenda de inclusão social."

Quando ele se põe a analisar a atual situação brasileira, uma algazarra toma conta da Taberna 474. Acomodado em duas fileiras de mesas alinhadas, um grupo de cerca de 20 mulheres, reunidas para celebrar o aniversário de uma delas, se põe a falar quase ao mesmo tempo. "Será que não conseguimos uma mesa mais silenciosa?", propõe Arida, quase se esgoelando àquela altura. Proposta aceita, a conversa recomeça no outro ambiente da casa, mais próximo da entrada. "Muito melhor, agradeço", emenda.

Para Arida, é muito fácil ser pessimista no Brasil, mas há coisas boas ocorrendo, como a Lava-Jato, que, com todos os seus erros, exageros, caminha na direção correta, o da punição. "Por que as pessoas pararam de dirigir depois de beber? Porque têm medo da blitz. Por que sujeito paga imposto? Tem medo de ser pego. A transição para uma Dinamarca, onde os cidadãos pagam impostos porque acham correto, param no sinal apesar de ninguém estar filmando, se impõe pelo temor, pelo receio."

Em resumo, ele diz acreditar que demos mais uns passos em direção a um país governado pelo princípio da impessoalidade e obediência às regras, no qual o famoso jeitinho não tem vez, assim como o tráfico de influência, a corrupção e a aplicação do rigor da lei só para os inimigos.

A explosiva delação de Joesley Batista e a punição em forma de multa imposta à holding dele, a J&F, controladora da JBS, surgem na conversa - os irmãos Batista e o grupo terão de desembolsar, a prazo, pouco mais de R$ 10,3 bilhões. "A longo prazo, esse acordo é um desserviço para o país. Comparado com o volume de dinheiro que ele tomou emprestado do governo, o valor da multa é inexpressivo. Sem uma punição criminal, o efeito pedagógico da Lava-Jato se perde", afirma.

Sou liberal de ponta a ponta. A favor do casamento gay, da liberação de drogas... o liberalismo tem que incorporar agenda de inclusão social

O dinheiro emprestado saiu da empresa de participações do banco que Arida presidiu de 1993 a 1995, o BNDES, e que incluiu o frigorífico na famigerada política dos "campeões nacionais", implementada no governo Lula. "Essa política é um equívoco enorme", critica. "Sem ela, as agências de classificação de risco poderiam não ter rebaixado o Brasil." Quando assumiu o cargo, conta, havia um pedido de financiamento para construir um hotel na avenida Paulista. A sua resposta foi: "De jeito nenhum. Se o projeto é viável, ele tem crédito no setor privado", explica.

O economista relembra a pressão que sofreu para salvar a construtora Encol, que quebraria em 1999. "O BNDES não pode ser um hospital de empresas", diz, justificando sua negativa. "A essência do capitalismo é um processo de depuração de empresas. Se você salva a ineficiente, impede as eficientes de surgirem". Para ele, no entanto, não há nada de errado no empresariado buscar dinheiro subsidiado. "Buscar oportunidades para maximizar o valor da empresa é uma norma para o empresário. O errado é ter política de governo sustentando isso", conclui, bem quando o grupo de mulheres se põe a cantar "Parabéns a Você".

Arida não conhece o presidente Michel Temer, que, em sua avaliação, nunca teve legitimidade eleitoral para fazer essa reversão de políticas populistas dos governos anteriores. "Mas fez, quase miraculosamente. Estava indo num superbom caminho", observa. "A divulgação da gravação [da delação do Joesley Batista] fez um dano político enorme. E, obviamente, por tirar a legitimidade do governo, paralisa o processo das reformas trabalhista e da Previdência. Que não são as dos sonhos, mas as possíveis, estavam avançando."

A Blavatnik School of Goverment, onde Arida vai ministrar workshops para alunos de mestrado e doutorado, é uma escola voltada para a formação de profissionais para o serviço público, um tema que o interessa. "Acho que todo cidadão do setor privado bem informado, que teve um certo sucesso e tem condição - porque você vai para o setor público, seu salário vai diminuir em relação ao que você tem -, devia trabalhar no setor público", recomenda o economista. "Porque faz diferença. Você vem com uma outra visão, vem com outro insight, vem com uma noção de eficiência de gestão que o setor privado obrigatoriamente tem, setor público não tem."

A figura do gestor do mundo privado no público tem sido tema de eleições recentes tanto no Brasil quanto fora. Sua visão é crítica em um ponto desse fenômeno: a desvalorização da política. No entanto, compreende o apelo desse discurso. "Se o cidadão não se vê representado por aquele político, por que ele vai levar a política a sério?", pergunta.

Uma solução para mitigar essa desilusão seria o parlamentarismo e o voto distrital para que o eleitor pudesse se identificar em quem votou e dele cobrar as suas expectativas, observa. "Uma outra dimensão é a redistribuição dos gastos da União para os distritos ou unidades políticas decorrentes do voto distrital. É importante o eleitor saber se o imposto que paga é gasto em algo que lhe dê algum benefício ou não; cabe a ele pressionar por maior eficiência no gasto público comparando o gasto efetivado com o resultado que ele pode observar no seu distrito", sugere.

Arida diz que conhece o prefeito paulistano, João Doria (PSDB), figura que usou enfaticamente a aura de gestor para conquistar a vitória nas urnas. Pondera que é cedo para avaliar sua administração, mas observa que a busca do bom gestor como critério eleitoral é uma excelente notícia. "Contrasta com um passado no qual a visão desenvolvimentista e a expectativa de um Estado paternalista dominavam a cena política", diz Arida, pouco antes de pedir um café - ele não quis sobremesa. "Qualquer um que tenha passado pela máquina pública tem histórias de horrorizar, de desperdício, de exagero, de falta de boa alocação de recursos. Não é culpa de um ou outro, o sistema leva ao desperdício." Quando olha o relógio, são mais de 15 horas. Ele agradece a entrevista, se despede e deixa o restaurante apressado. Uma vida longe da economia o espera pela frente. (Colaboraram Vanessa Adachi e Robinson Borges)

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4278, 17/06/2017. Brasil, p. A2.