Trump tira EUA de acordo climático e quer renegociação; UE e China rejeitam

Cláudia Trevisan / Jamil Chade

02/06/2017

 

 

Isolamento. Estados Unidos se juntam a Síria e Nicarágua no minúsculo grupo que não aderiu ao Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 nações; irritados, líderes europeus e chineses avisam presidente americano que não aceitarão revisões no pacto

 

 

Com um discurso ultranacionalista, no qual descreveu o Acordo de Paris como uma conspiração global para prejudicar a economia dos EUA, o presidente Donald Trump anunciou ontem sua decisão de retirar o país do tratado que tem a adesão de 195 nações.

Ele se junta a Síria e Nicarágua no minúsculo grupo que rejeitou o pacto de dezembro de 2015. Trump propôs uma renegociação, rejeitada por Europa e China.

“Nós vamos começar a negociar e ver se nós podemos fazer um negócio justo. Se nós pudermos, será ótimo. Se não pudermos, tudo bem”, disse.

Assim que o anúncio foi feito, a chanceler alemã, Angela Merkel, telefonou a Trump para demonstrar sua insatisfação e deixar claro que os europeus não atenderiam ao pedido de renegociação dos americanos. Ao terminar a chamada, disparou ligações para os demais líderes europeus, entre eles o francês Emmanuel Macron, e emitiu uma nota conjunta garantindo que o tratado não será reaberto.

“Mais do que nunca trabalharemos por políticas globais para salvar nosso planeta”, disse o governo de Merkel, por meio de uma nota. “Alemanha e França vão promover novas iniciativas para garantir que o acordo seja um sucesso”, insistiu.

Para Itália, França e Alemanha, o acordo de 2015 é “irreversível” e “não pode ser renegociado, já que é um instrumento vital para nosso planeta, sociedades e economias”. O premiê da China, Li Keqiang, afirmou que seu país “continua comprometido” com o Acordo de Paris e garantiu que o promoverá. Ele afirmou que lutar contra as mudanças climáticas é consenso global, e não algo inventado pela China, acusação feita em campanha pelo americano.

O movimento de Trump cumpre uma das promessas de campanha a seus eleitores do interior americano. Todo o pronunciamento refletiu a ideia da “América em Primeiro Lugar” e demonstrou a falta de disposição do presidente para liderar o mundo em questões multilaterais.

“Esse acordo diz respeito menos ao clima e mais a outros países ganhando vantagens financeiras sobre os EUA. O restante do mundo aplaudiu quando assinamos o Acordo de Paris.

Eles enlouqueceram, eles ficaram tão felizes, pela simples razão de que ele colocou nosso país, os EUA, o qual todos amamos, em uma muito, muito grande desvantagem econômica”, afirmou.

Em seguida, alimentou uma teoria conspiratória: “Um cínico diria que a razão óbvia para os concorrentes econômicos e seu desejo de ver nossa permanência no acordo é que nós continuaríamos a sofrer essa grande ferida econômica autoimposta”.

A decisão representou uma vitória dos radicais de direita na Casa Branca, representados pelo estrategista-chefe do presidente, Steve Bannon. A retirada do Acordo de Paris enfrentava resistência de Ivanka Trump e de seu marido, Jared Kushner, que estão entre os mais influentes conselheiros do presidente.

Além deles, outro derrotado ontem foi o secretário de Estado, Rex Tillerson, favorável à permanência no acordo climático. A maioria dos republicanos aplaudiu a decisão, mas alguns integrantes do partido a lamentaram.

O deputado Carlos Curbelo, que representa o sul da Flórida, disse que seu distrito já sofre com a elevação do nível do mar.

 

Ataque à ciência. Professor da Universidade de Michigan que participou como observador das discussões do Acordo em Paris, Paul Edwards disse que a decisão de Trump representa uma renúncia do papel de liderança global dos EUA e um ataque ao bom senso. “Ele elevou teorias conspiratórias que atacam a ciência ao patamar de políticas de Estado”, observou.

A justificativa de Trump para a saída do tratado é marcada pela mesma lógica transacional que baseia sua política externa, com ataques a tratados de livrecomércio e a crítica a aliados que contribuem menos do que deveriam a alianças militares como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

“Nós queremos tratamento justo para nossos cidadãos e nós queremos tratamento justo para nossos contribuintes. Não queremos mais que outros líderes e outros países riam de nós.” A decisão pode agradar a parte de seus eleitores, mas não se alinha com a posição da maioria dos americanos. Pesquisa divulgada em dezembro pela Universidade Yale mostrou que 69% dos eleitores registrados eram favoráveis à permanência dos EUA no acordo. O porcentual era de 51% entre os republicanos, 61% entre independentes e de 86% entre democratas. O assunto é um dos poucos em que uma maioria de democratas e republicanos tem posições semelhantes.

 

Saída. Trump diz estar protegendo economia americana

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Com desmatamento em alta, Brasil manifesta decepção

Giovana Girardi / Lu Aiko Otta

02/06/2017

 

 

Seguindo a União Europeia e a China, o governo brasileiro também criticou a posição do presidente Donald Trump de tirar os EUA do Acordo de Paris e reafirmou seus compromissos com a implementação do pacto e com o esforço global de combate às mudanças climáticas. Juntamente com outros 30 países, o Brasil assinou um comunicado repudiando a decisão de Trump. Em nota conjunta, os ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente disseram que o governo brasileiro “recebeu com profunda preocupação e decepção” o anúncio feito por Trump. “O combate à mudança do clima é processo irreversível, inadiável e compatível com o crescimento econômico, em que se vislumbram oportunidades para promover o desenvolvimento sustentável e para novos ganhos em setores de vanguarda tecnológica”, disse a nota. O governo afirma ainda que continua disposto a trabalhar com outros países “na promoção do desenvolvimento sustentável, com baixas emissões de gases de efeito estufa e resiliente aos efeitos adversos da mudança do clima”.

O Brasil se comprometeu a reduzir 37% de suas emissões até 2025 e 43% até 2030, com base nos valores de 2005. Uma das principais estratégias para isso é zerar o desmatamento ilegal da Amazônia. Mas o problema, que parecia sob controle quando o governo anunciou seus planos, voltou a crescer nos últimos dois anos. Com isso, as emissões de gases também subiram.

Isso se soma a ações que vêm sendo identificadas como contrárias às políticas de combate às mudanças climáticas, como a redução no Congresso de áreas protegidas.

Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, um posicionamento firme do Brasil era esperado, mas reflete o que chama de “esquizofrenia” interna.

“A nossa diplomacia continua engajada, trabalhando para implementar o acordo no nível internacional, mas não vemos correspondência com ações internas.

O Brasil pode passar uma mensagem dura, mas tem telhado de vidro se aprovar medidas provisórias que reduzem unidades de conservação ou legalizar a grilagem em milhares de terras”, disse.

“O Brasil precisa se colocar à altura do desenvolvimento sustentável com a defesa do meio ambiente. Precisamos imediatamente reverter o repique do desmatamento e a investida contra áreas protegidas”, complementa Natalie Unterstell, secretária adjunta do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

“O Brasil joga um papel importante nas negociações, mas precisamos aprofundar a transformação econômica”, acrescentou Unterstell.

 

Descompasso

“Nossa diplomacia continua engajada, trabalhando para implementar o acordo no nível internacional, mas não vemos correspondência com ações internas”

Carlos Rittl

AMBIENTALISTA

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45153, 02/06/2017. Internacional, p. A10.