Com as bençãos de pai, mãe, sogro e compadre

Cristian Klein

17/06/2017

 

 

Aliados o descrevem como " tímido", porém "articulado" e "conciliador". Adversários dizem que é "inseguro", "fraco" mas ambicioso. Nos tempos em que seguia de carro a caravana na primeira campanha a prefeito do pai, em 1992, amigos e parentes o apelidavam de "Fofão", pela suposta semelhança com as bochechas do personagem que fez sucesso nos anos 1980, na turma do "Balão Mágico". Quando instado a responder a uma pergunta mais embaraçosa, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, 47 anos, recorre ao mesmo tique paterno. Estica a cabeça na diagonal, como se a gravata lhe apertasse o pescoço.

Depois de cinco mandatos consecutivos em Brasília, são cada vez mais comuns as perguntas difíceis para o filho de Cesar Maia, prefeito que mais tempo governou o Rio, por 12 anos. Seja pelas implicações de Rodrigo nas delações da Odebrecht - que o identificava pelo codinome de "Botafogo", seu time de coração - seja pelo protagonismo que ganhou ao se tornar o número 1 da linha sucessória da República.

Os Maia têm tradição no Rio Grande do Norte e na Paraíba. A família já elegeu três governadores, senadores e levas de prefeitos, deputados e vereadores nos dois Estados. Ironicamente, é o delgado ramo do Rio de Janeiro, e não o tronco do clã nordestino, que margeia o mais alto posto da política nacional.

Nesta semana, Rodrigo assume a presidência com a viagem de Michel Temer a Rússia e Noruega. Seu nome paira como ator pivotal em meio ao destino incerto do pemedebista no Planalto. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está prestes a denunciar Temer. Repousam na gaveta de Rodrigo pelo menos 19 pedidos de impeachment contra Temer.

Para um interlocutor, o deputado ouve menos os conselhos do pai do que os do sogro postiço: Wellington Moreira Franco, ex-governador do Rio, ministro da Secretaria-Geral da Presidência e escudeiro da tropa de choque de Temer. "Quem fez o Rodrigo presidente da Câmara foi o Michel através do Moreira. Na primeira e na segunda eleição", afirma outro político, que já foi ligado ao grupo dos Maia no Rio.

Rodrigo é casado com Patrícia Vasconcellos Torres, mãe de dois de seus quatro filhos. Vem a ser neta do senador e deputado federal fluminense João Batista de Vasconcelos Torres (1920-1982) e filha do primeiro casamento de Clara Torres, mulher de Moreira Franco. Rodrigo é defensor da reforma da Previdência, mas a sogra chamou atenção em 1997 por ter pedido aposentadoria proporcional como funcionária no Senado, aos 41 anos, às vésperas da votação da reforma previdenciária de então. Depois, foi transferida para a secretaria da Casa Civil durante o governo Sergio Cabral.

O casamento de Rodrigo com a enteada de Moreira, em 2005, entrou para o anedotário político pela pompa - entre os convidados estavam três presidenciáveis tucanos: Aécio Neves, então governador de Minas, Geraldo Alckmin, de São Paulo, e José Serra, à época prefeito da capital paulista - e pela circunstância. Cerca de cem pessoas fizeram um protesto, em frente à igreja, contra a retirada pela prefeitura de camelôs e mendigos do Largo do São Francisco, onde se realizava a cerimônia.

Cesar Maia estava no primeiro ano do terceiro mandato e era pré-candidato do PFL à Presidência. O casório terminou em confusão quando os homens da Guarda Municipal e da Polícia Militar jogaram gás de pimenta e se atracaram com os manifestantes que estavam perto de abordar os noivos na saída. Entre os cartazes levados ao protesto pelos universitários um deles viralizou por pedir ao casal: "Não procriem".

Além de Maria Antônia, de 11 anos, e o caçula Rodrigo, de 1 ano e meio, o presidente da Câmara tem mais duas filhas do primeiro casamento com Luciane Teixeira Alves - mais conhecida por Titi Lancellotti - que era jornalista do programa eleitoral de TV da primeira campanha do pai a prefeito. Da união nasceram Maria Beatriz, 20 anos, e Ana Luiza, 22 anos. Ambas foram criadas e moram com os avós Cesar e Mariangeles Ibarra Maia, detentores da guarda. O ex-prefeito do Rio Eduardo Paes é padrinho da primogênita.

De Nova York, onde está trabalhando para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e para a chinesa BYD - maior fabricante de baterias e veículos elétricos do mundo, que tem fábrica em Campinas - Paes vê em Rodrigo um político de perfil distinto ao de Cesar Maia. "É um sujeito conciliador, articulador. Contrasta com o pai, que não tem nenhuma dessas características", diz.

Em entrevista ao Valor, por ocasião da primeira eleição do filho à presidência da Câmara, no ano passado, Cesar Maia delineava as diferenças em relação a seu jeito mais tecnocrata, que começou a carreira como secretário de Fazenda de Leonel Brizola e foi deputado constituinte voltado para questões econômicas. "Nossas identidades políticas são distintas. Não é ideológico: é estilo. Rodrigo desenvolveu a capacidade de articular, de ouvir, tem paciência de fazer política".

O pendor de Rodrigo para a costura política, porém, não é contraditório com a imagem de alguém tímido e até antipático, no primeiro contato. "Ao mesmo tempo, ele é muito aberto, carinhoso. Tem coração grande o personagem. Aquela coisa de chorar no dia que ganha a eleição, chora pra cá, pra lá, o tempo todo. É emotivo", afirma Paes.

O ex-prefeito diz que a briga com Rodrigo ficou para trás há quatro ou cinco anos e foi mais "de tabela", pois o conflito mesmo era com Cesar, com quem rompeu em sua ascensão para sucedê-lo na prefeitura. Paes assegura que os dois estarão juntos na eleição a governador no ano que vem. O pemedebista, há duas semanas, encontrou-se com Rodrigo.

No ano passado, durante a corrida à prefeitura, o parlamentar - diferentemente do pai, que votou em Marcelo Freixo (PSOL) em ambos os turnos - engajou-se na candidatura derrotada do deputado federal Pedro Paulo (PMDB), apadrinhado de Paes. No último debate do primeiro turno, na TV Globo, Rodrigo era a figura mais notável levada aos estúdios pela campanha pemedebista.

Na claque adversária ao lado, do hoje prefeito Marcelo Crivella (PRB), pontuava a também deputada federal e agora secretária municipal Clarissa Garotinho. Na eleição de 2012, Rodrigo e Clarissa formaram uma das chapas mais improváveis já criadas na política carioca. Seus pais, Cesar Maia e o ex-governador Anthony Garotinho (PR), montaram uma coligação que se mostrou um fracasso - tudo para impedir a reeleição de Paes.

O pemedebista, porém, venceu no primeiro turno, com 64,6%, e Rodrigo e sua vice ficaram em terceiro lugar, com ínfimos 2,94%. Clarissa sairia da experiência dizendo que a aliança com Rodrigo foi "o maior arrependimento" de sua vida. Do acordo com os Maia constaria uma contrapartida, dois anos depois, de apoio à candidatura de seu pai a governador, o que não aconteceu. Em 2014, o DEM deu o tempo de TV para o PMDB de Luiz Fernando Pezão, e Cesar Maia lançou-se, sem sucesso, ao Senado.

A atuação na política local, com lances de suposta traição e contradição, revelam o 'modus operandi' pragmático que Rodrigo levou para sua ascensão em Brasília. Declaradamente de direita e conservador, aliou-se a partidos de esquerda, como PCdoB, PT e PDT, para se eleger (e reeleger) presidente da Câmara, depois da queda de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a quem estivera ligado durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. O deputado chegou a homenageá-lo no voto pelo afastamento da petista: "Senhor presidente, o senhor entra para a história hoje". "Eles eram muito próximos. Mas foi o compromisso de Rodrigo de votar a cassação de Cunha que lhe permitiu ter o apoio da esquerda", afirma um parlamentar.

Rodrigo tem evitado conceder entrevista como a solicitada para esta reportagem. O pai também está arredio. O cuidado em não melindrar Temer é evidente, embora há quem diga que a fidelidade canina seja fachada. A aposta seria de que a denúncia da PGR prospere na Casa. Enquanto isso, estaria fazendo "movimentos nas sombras", ao participar de jantares cuja finalidade é articular uma chapa tendo como vice o ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), em caso de eleição indireta no Congresso. "Ele não vai dizer, mas está doido para ver o Temer cair", diz um deputado.

Rodrigo entrou para a política por insistência e com a ajuda da mãe. O pai preferia que ele seguisse na trajetória iniciada no mercado financeiro. Fez faculdade de economia - que abandonou duas vezes - e trabalhou para os bancos BMG e Icatu, por seis anos, antes de mergulhar de vez na política, na candidatura de Luiz Paulo Conde à sucessão do pai, em 1996. À época, embora fosse o filho do prefeito, não parecia mais do que um curioso. Ao se tornar secretário de Governo, na gestão Conde, se cacifou para uma vaga à Câmara dos Deputados, em 1998.

Desde então, dedicou-se mais a questões trabalhistas, econômicas e ligadas aos servidores, uma marca de Cesar Maia no Rio. Teve papel de destaque nas Comissões Parlamentares de Inquérito do Banestado e dos Correios, que desaguou no mensalão. Em 2009, também teve seu nome envolvido em escândalo, na conhecida "farra das passagens" de deputados que levaram parentes ao exterior.

Deputado irá arbitrar sobre pedidos de impeachment e possível denúncia da Procuradoria Geral

Em meados dos anos 1990, Rodrigo morou um ano em Nova York, num período em que a família se sentiu insegura pela onda de sequestros no Rio. Duas décadas e meia antes, o medo era da ditadura militar, que fez o pai, preso por suas atividades políticas no PCB e no movimento estudantil, a se exilar no Chile, onde conheceu Mariangeles Ibarra Pizarro, apontada como um figura forte na família.

Em 1970, em Santiago, nasceram os gêmeos Daniela Dalila e Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia. Dalila é uma homenagem à avó, mãe de Cesar, e Felinto ao avô, engenheiro que foi presidente da Casa da Moeda e esteve à frente do órgão responsável pela transferência de funcionários federais na mudança da capital para Brasília.

Parentesco distante quem arroga é o presidente nacional do DEM - cargo de liderança que Rodrigo já exerceu na refundação do antigo PFL, em 2007. Para o senador José Agripino Maia (RN), se os expoentes políticos do ramo fluminense forem parentes de "quarto, quinto grau é muito". Ver o presidente da Câmara como primeiro integrante da família a ocupar a Presidência da República não parece lhe animar. "Nem considero esta hipótese, porque o presidente é Michel Temer. Não está dentro das nossas conjecturas", esquiva-se.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4278, 17/06/2017. Especial, p. A16.