ELETROBRAS À VENDA

MANOEL VENTURA

BRUNO ROSA

RAMONA ORDOÑEZ

22/08/2017

 

 

 

Governo vai privatizar estatal do setor elétrico e espera arrecadar R$ 20 bilhões

Diante da necessidade de aumentar a arrecadação em meio a uma das maiores crises fiscais da história, o governo federal anunciou ontem que decidiu privatizar a Eletrobras, estatal líder em geração e transmissão de energia elétrica. Em comunicado divulgado no início da noite, o Ministério de Minas e Energia informou que vai propor ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) — responsável pelas privatizações — “a redução da participação da União no capital” da empresa. Já se sabe que o conselho do PPI aceitará a proposta. A inclusão da elétrica no programa deve ser oficializada amanhã. O governo espera arrecadar ao menos R$ 20 bilhões com a privatização, segundo o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.

A União deve manter direito a veto em decisões estratégicas da companhia, com a chamada golden share, segundo o titular da pasta. O ministro disse ao GLOBO que a decisão de privatizar a Eletrobras vai dar mais “agilidade” à estatal. Ele explicou que a empresa vai fazer uma emissão de ações na Bolsa, que não serão subscritas pelo governo. Dessa forma, com a compra dos papéis pela iniciativa privada, a participação da União na empresa será diluída, e o governo perderá o controle da companhia.

Segundo especialistas, na origem da crise da Eletrobras está a medida provisória (MP) 579, em 2012, aprovada no governo de Dilma Rousseff. A medida forçou a redução das contas de luz, tirou da Eletrobras várias hidrelétricas antigas e passou a remunerar a energia gerada por essas usinas a preços fixos, no chamado regime de cotas. Com isso, a empresa passou a apenas manter e operar estas hidrelétricas. Desde então, a estatal acumula prejuízos de mais de R$ 30 bilhões. Agora, para viabilizar a privatização, o governo deve publicar outra MP, tirando as usinas desse sistema de remuneração.

— Nesta proposta, não tem venda de ação da União. A gente vai pegar as usinas, retirar da MP 579, para isso precisa da nova lei, para devolvê-las para a Eletrobras. Eles vão pagar pelas usinas com recursos adquiridos com a emissão de ações, que vai ser ofertada ao mercado, e a Eletrobras paga à União. Isso dilui a participação da União, e a União perde o controle da estatal. Não dá para estimar a arrecadação, é muita grana, mas será em torno de R$ 20 bilhões de arrecadação. Vai ser suficiente para ir ao encontro da necessidade fiscal. É possível concluir o processo em seis meses — disse o ministro.

 

CHINESES SÃO POTENCIAIS INTERESSADOS

O ministro explicou que a própria Eletrobras vai comprar as usinas, após a publicação da nova MP. Sem recursos no caixa, o dinheiro necessários para essa operação virá de uma oferta de ações da companhia na Bolsa de Valores.

— Já aconteceu em vários lugares, como Portugal e Itália. Empresas estatais foram democratizando o capital. No Brasil, temos exemplos de sucesso, como Vale e Embraer — disse o ministro.

Dois casos dentro da Eletrobras devem ficar de fora da privatização: a usina de Itaipu, maior hidrelétrica do Brasil; e as usinas de energia nuclear Angra 1, 2 e 3. No primeiro caso, não haverá a privatização por se tratar de uma empresa binacional, construída e controlada pro meio de uma parceria entre Brasil e Paraguai. No outro caso, a Constituição prevê monopólio estatal no controle de usinas nucleares. O ministro garantiu que os trabalhos sociais da Eletrobras continuam e que a privatização da empresa não terá impacto nas contas de luz:

— As questões sociais continuam. Com relação a Itaipu, ela está de fora. São dois temas muito sensíveis: Angra e Itaipu. Acho muito difícil aumentar as tarifas. A Eletrobras vai ser muito menos ineficiente.

O ministério lembrou que a empresa está endividada, acumula ineficiências há 15 anos e já impactou a “sociedade em cerca de um quarto de trilhão de reais, concorrendo pelo uso de recursos públicos que poderiam ser investidos em segurança, educação e saúde”. “Não há espaço para elevação de tarifas nem para aumento de encargos setoriais. Não é mais possível transferir os problemas para a população. A saída está em buscar recursos no mercado de capitais”, completa a nota.

Em comunicado ao mercado, a estatal informou que foi comunicada pelo ministro de Minas e Energia sobre a decisão de propor “a desestatização da Eletrobras” ao PPI. O texto destaca que a operação depende de autorizações governamentais, avaliação de autorizações legais e regulatórias, entre outros, por se tratar de sociedade de economia mista, com ações listadas nas Bolsas de São Paulo, Nova York e Madri.

A Eletrobras vai manter a venda de seis distribuidoras de energia no Norte e Nordeste. O objetivo é concluir esse processo neste ano.

Segundo especialistas, os chineses são apontados como os principais interessados. De acordo com Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ, a privatização da Eletrobras visa a arrecadar recursos para o governo:

— A estratégia até agora era vender as participações da Eletrobras nas empresas, os contratos de geração e de transmissão. Mas, motivado pela crise fiscal, o governo decidiu arrecadar tudo de uma vez — disse, destacando que a operação reduzirá interferências políticas, com melhorias na gestão.

O professor Luiz Pinguelli Rosa, membro da diretoria da Coppe e ex-presidente da Eletrobras, avalia que haverá interesse privado, sobretudo dos chineses. Porém, alerta que haverá resistência, sobretudo no Nordeste, onde sua atuação tem caráter social:

— É difícil a iniciativa privada se interessar pela gestão de uma empresa tão grande como a Eletrobras, que é holding de várias empresas, exceto pelos chineses. Eles têm interesse. A solução, mais uma vez, será o Estado ficar com o prejuízo, e o lucro ir para a iniciativa privada.

A economista e advogada Elena Landau, que comandou o programa de privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso, disse que haverá grupos internacionais interessados na Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina:

— Finalmente, a palavra privatização deixou de ser problema. A Eletrobras tem dificuldades quase intransponíveis de gestão, mas, tirando as amarras estatais, é uma supergeradora de energia, que atrairá grandes grupos. Ter o controle privado e ficar livre das ingerências políticas é o que importa.

Para o ex-presidente da Eletrobras José Luiz Alqueres, a decisão é positiva, embora ele avalie que seria possível arrecadar mais com a venda em separado de subsidiárias:

— O governo demonstrou total incompetência na gestão, com corporativismo e corrupção. Teve todas as chances, mas não funcionou.

 

RAIOS X DA ELETROBRAS

VALOR DE MERCADO: R$ 19,5 bilhões
DÍVIDAS: R$ 38,4 bilhões

PARTICIPAÇÃO DA UNIÃO: 40,98% do capital total, com 51% das ações ordinárias, com direito a voto

GERAÇÃO DE ENERGIA: A empresa tem 47 hidrelétricas; 114 termelétricas a gás natural, óleo e carvão; duas usinas nucleares; 69 usinas eólicas e uma solar, próprias ou em parceria. A Eletrobras responde por 31% da geração de energia no país

DISTRIBUIÇÃO: A estatal atua em seis estados das regiões Norte e Nordeste: Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima. A empresa planeja vender suas distribuidoras em leilão

TRANSMISSÃO: A Eletrobras é líder de transmissão de energia no Brasil. A estatal é responsável por quase metade das linhas de transmissão do país

O QUE NÃO SERÁ VENDIDO: As usinas nucleares do Complexo de Angra, a usina binacional de Itaipu e os programas sociais, como Luz para Todos e o Procel, de conservação de energia

O globo, n.30696 , 22/08/2017. ECONOMIA, p. 17