Investigados por caixa dois não têm interesse em assumir culpa

Raphael Di Cunto e Fabio Murakawa

20/06/2017

 

 

A proposta do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de oferecer aos políticos investigados de receber por caixa dois em suas campanhas eleitorais a suspensão de seus processos em troca da admissão de culpa e aceitação de uma pena alternativa poderia beneficiar até 26 deputados e senadores citados na delação da Odebrecht.

Contudo, o Valor conversou com quase uma dezena dos investigados, sob condição de anonimato ou abertamente, e apenas um demonstrou de imediato intenção de aceitar um acordo desses. Alguns disseram que teriam que consultar advogados antes de se manifestarem. Os políticos, em sua maioria, apoiaram a iniciativa, mas disseram que seus casos não se aplicam porque provarão sua inocência.

A avaliação é de que assumir a culpa por receber caixa dois na véspera da eleição de 2018, que será marcada pela Lava-Jato e pelo sentimento de renovação, causará ainda mais estragos à imagem, já abalada pelas delações.

Relator das "10 Medidas Contra a Corrupção" na Câmara, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) foi o único a dizer que tem interesse no acordo. Ele é citado na delação da Odebrecht, acusado de receber caixa dois, o que ele nega e diz que já provou com perícia que a acusação é falsa. Mas admitiu publicamente que aceitou R$ 100 mil por fora da JBS para pagar custos da campanha de 2014 e está "devolvendo, com correção monetária". "Antes de qualquer coisa na Justiça, já comecei o processo de reparação", disse Onyx, listando doações a entidades de seu Estado.

A "devolução" do dinheiro não tem validade jurídica. "Estou fazendo por motu próprio, é questão de princípio meu. Depois vou para o Ministério Público e aí provavelmente terei que cumprir essas medidas [alternativas]", afirmou. Bastante crítico do caixa dois como relator das 10 Medidas, ele defendeu que a iniciativa de Janot é importante para diferenciar essa prática irregular da propina disfarçada.

Deputado federal mais votado de 2014, Celso Russomanno (PRB-SP), por outro lado, rejeita qualquer tipo de acordo e afirma que deseja que seu processo vá até o fim para que possa processar quem teria recebido dinheiro em seu nome e, caso a investigação não encontre ninguém, acionar por danos morais a própria Fazenda Pública, pelo desgaste em sua imagem provocado pela conduta do Ministério Público, e o delator que o acusou.

O delator Carlos Armando Paschoal, ex-diretor financeiro da Odebrecht, disse que a empresa repassou R$ 50 mil à campanha de Russomanno em 2010 como caixa dois, mas não soube informar quem pediu o dinheiro. "Não aceito nenhum acordo. Não vou responder por alguém que usou meu nome para receber dinheiro, quero reparação", disse o deputado.

Para Russomanno, a tentativa de Janot de buscar acordo é para evitar prejuízos e descrédito à operação com o arquivamento de inquéritos. "Acho que o Janot quer diminuir o estrago que vem pela frente. Assim como aconteceu comigo, várias outras pessoas devem estar sendo acusadas sem provas", afirmou.

Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que alega inocência sobre a acusação de caixa dois, a delação da Odebrecht "misturou o joio com o trigo e isso abre muitos questionamentos sobre a operação" Lava-Jato. "São coisas diferentes, bastante diferentes [caixa 2 e corrupção]. Então, juridicamente e até politicamente têm que ser tratadas de maneira diferenciada", disse.

Os deputados Beto Mansur (PRB-SP) e Heráclito Fortes (PSB-PI) também alegam inocência e dizem que vão provar na Justiça que os repasses que delatores acusam serem caixa dois foram doações oficiais ou nunca ocorreram. "Se aceitar acordo, aí você termina como criminoso. Quero que meu caso seja julgado pelo que aconteceu, as doações foram declaradas", diz Heráclito.

Valor revelou ontem que Janot pretende recorrer à "suspensão condicional do processo" nos casos unicamente de caixa dois, em que não houve contrapartidas aos recursos. O investigado assume a culpa, o processo é interrompido e o réu cumpre pena alternativa, como pagamento de multa ou prestação de serviços comunitários. Ao fim, a ficha fica "limpa" e ele continua réu primário.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4279, 20/06/2017. Política, p. A9.