‘Sistema traz impunidade’, afirma relator no STF

Breno Pires e Isadora Peron

01/06/2017

 

 

Ministro Luís Roberto Barroso defende, em voto, limitar o alcance do foro especial apenas para crimes cometidos no mandato e relacionados ao cargo

O ministro Luís Roberto Barroso defendeu ontem, em seu voto no Supremo Tribunal Federal (STF), a tese de que prerrogativa de foro aplicase apenas aos crimes cometidos durante o exercício do mandato e se estiver relacionada com as funções desempenhadas no cargo. A Corte começou ontem o julgamento da ação que trata do alcance do foro privilegiado e Barroso foi o único a votar. A sessão foi suspensa devido ao horário e será retomada hoje.

Em seu longo voto, o ministro propôs também que, mesmo se alguma autoridade assumir um cargo que lhe garanta foro especial, nenhuma ação penal deverá mudar de instância se o processo já estiver na fase das alegações finais.

Hoje, quando uma pessoa é eleita ou assume um cargo como o de ministro de governo, os inquéritos contra ela que tramitavam na primeira instância são enviados para o STF. Quando deixam os cargos, os processos voltam para a vara comum.

Esse vai e vem de processos foi chamado pelos ministros de “elevador processual”, o que acabaria sobrecarregando a Corte.

Citando dados da Secretaria de Gestão Estratégica do STF, Barroso disse que, atualmente, 37 mil autoridades gozam de foro privilegiado e são julgados não pela primeira instância, mas por cortes, especiais, como o Supremo. Segundo ele, casos de mais de 800 agentes com prerrogativa de foro, como o presidente da República, o vice- presidente, os 513 deputados e os 81 senadores devem ser julgados pelo STF.

Segundo a assessoria de imprensa do Supremo, atualmente há 540 inquéritos e ações penais em tramitação na Corte envolvendo pessoas com foro.

Em seu voto, Barroso também citou números de um estudo da FGV e afirmou que, se a sua tese prevalecer, o Supremo ficaria com apenas 10% dos processos que tem atualmente.

O ministro afirmou ainda que, até hoje, já prescreveram mais de 200 inquéritos que tramitavam na Corte. “Portanto é estatística que traz constrangimento para o STF”, afirmou. Para ele, “o sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio ao Supremo, traz impunidade”.

Atualmente, o que define a prerrogativa de foro privilegiado é o cargo ocupado, independentemente do momento em que o ato ilícito for praticado.

Os outros dez ministros da Corte devem proferir seus votos hoje. Celso de Mello e Marco Aurélio, porém, deram declarações após o encerramento da sessão afirmando concordar que há um excesso de autoridades com prerrogativa de foro.

Em manifestação no início do julgamento, o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, concordou com a tese Barroso e disse que, se a redução não acontecer, o número de processos criminais envolvendo parlamentares e autoridades do governo poderá inviabilizar o funcionamento do Supremo.

Moreira Franco

O presidente Michel Temer assinou medida provisória que recria a Secretaria-Geral da Presidência, chefiada por Moreira Franco. Com isso, o ministro, alvo da Lava Jato, mantém foro privilegiado.

PARA ENTENDER

Da prerrogativa ao ‘privilégio’

1824

Origem do foro A primeira Constituição do País, de 1824, na época do Império, garantia privilégio no julgamento de autoridades. O imperador, descrito como pessoa “inviolável e sagrada”, era quem detinha a maior regalia. “Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”, dizia o artigo 99 da Carta. Já o Senado Imperial tinha atribuição exclusiva quando se tratava de delitos cometidos por membros da família imperial, ministros e conselheiros de Estado, senadores e deputados no período da Legislatura.

1891

A Carta republicana Na primeira Carta republicana, o presidente seria submetido a processo e julgamento apenas depois que a Câmara, perante o Supremo Tribunal Federal, declarasse a acusação de crimes comuns procedente, e o Senado fizesse o mesmo em crimes de responsabilidade.

1937

Restrições

A Constituição de 1937 não menciona o termo foro especial, o que é mantido na Constituição de 1946.

1988

Ampliação do foro

Aquela que é considerada a Constituição mais democrática da história do Brasil, a de 1988, foi a primeira a prever o foro especial por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado. Pela Carta, deputados e senadores, por exemplo, passariam a ser submetidos por julgamento na esfera criminal no STF.

 

O Estado de São Paulo, n. 45152, 01/06/2017. Política, p. A5