Temer revive Sarney

José Roberto de Toledo

01/06/2017

 

 

Ter vice é mais arriscado que ser vice. Desde a redemocratização, outros três presidentes chegaram ao nível de impopularidade de Michel Temer. Fernando Collor e Dilma Rousseff caíram. Ambos eram titulares e foram substituídos por seus vices – Itamar Franco e o próprio Temer. O único que não caiu, José Sarney, não tinha vice. Como Temer, era um ex-vice. Sangrou meses, mas segurou-se até o fim, à custa de uma hiperinflação. Coincidência? Provavelmente não. O vice lubrifica a queda.

Ele nem sequer precisa participar diretamente da derrubada, embora alguns não resistam e se tornem ativos no processo. Quando há um substituto automático para o presidente impopular, o “quem” deixa de ser o foco do debate. O sucessor é o vice e ponto. Outros políticos não lançam suas próprias candidaturas nem a de aliados para ocupar o lugar que pretendem tornar vago.

Havendo vice, o conflito fica mais restrito, e isso facilita a construção de um consenso ou de maioria em torno de seu nome. Sem vice, todos sonham em vestir a faixa e sentar na cadeira.

Basta ver o que está acontecendo em Brasília nesses dias.

Toda a discussão sobre a permanência ou não de Temer no palácio gira menos em torno dos motivos do que dos meios para apeá-lo do poder e, principalmente, de quem seria o sucessor.

Que há razões suficientes para abreviar-lhe o mandato, poucos discordam.

Mas se isso é prático, viável e, especialmente, se há um nome óbvio para substituí-lo, tem sido impossível de chegar a acordo.

Pela lei, seria o presidente da Câmara dos Deputados. Mas apenas por pouco tempo. Ele teria que convocar eleições, e aí começa toda a confusão.

Nada é líquido e certo: não existe unanimidade sobre quem vota (congressistas ou população), como vota (se senadores e deputados juntos, o que favorece os últimos, ou separados, o que dá enorme poder aos primeiros) e quando vota.

Em política, sempre que houver brecha para uma disputa de poder, haverá disputa. Ela torna-se o único conforto para quem está caindo. O conflito entre os adversários e potenciais ex-aliados vira o salva-vidas do governante – que faz tudo para fomentá-lo.

Por isso, nada mais útil para Temer do que os debates sobre sua substituição.

Se pela via direta ou indireta, se o presidente-tampão deve ser Rodrigo Maia (DEM) ou Tasso Jereissati (PSDB), se Nelson Jobim (ex-tudo) ou Cármen Lúcia (STF). Enquanto os aspirantes ao poder se engalfinham publicamente ou nos bastidores, o presidente em queda ganha tempo para articular.

Não é coincidência que uma dessas articulações tenha sido justamente com Sarney. No sábado, o ex-vice tornado presidente visitou o colega no Palácio do Jaburu (a casa dos vices, aliás).

Fora os dois, ninguém tem certeza do que falaram naquelas duas horas, mas o efeito é conhecido: Temer foi depois aos tucanos repetir que não renunciará.

Como escreveu a repórter Cristiane Jungblut, aos 87 anos, Sarney tornou-se um oráculo da crise.

A quem se recorre mais pela experiência do que pela sabedoria.

A sarneyzação de Temer tornouse, assim, literal. O presidente tenta repetir a trajetória do antecessor com o mesmo argumento: o custo da saída é maior que o da permanência – o processo de substituição é demorado, desgastante e não há garantia de que o sucessor, especialmente se eleito pelo Congresso, venha a ter mais legitimidade e reconhecimento social do que Temer. É uma argumentação tão poderosa que passa até por verdadeira.

Mantido no poder por cinco anos graças ao é-dando-que-se-recebe e ao apoio empresarial, Sarney iniciou uma crise econômica que ultrapassou o seu mandato. Foi seu legado.

_____________________________________________________________________________________________

País vive ‘conflitos’ de instituições, diz Temer

Tânia Monteiro e Carla Araújo
01/06/2017
 
 
Em tom de desabafo, presidente afirma que abusar da autoridade é ‘violar a lei’

O presidente Michel Temer disse ontem, no discurso da cerimônia de posse do novo ministro Torquato Jardim (Justiça e Segurança Pública), que o País vive “momentos de grandes conflitos institucionais” e que abusar da autoridade é “violar a lei”.

“Toda vez que alguém ultrapassa os limites legais é que está, aí, sim, abusando da autoridade”, afirmou.

Para o presidente, este “conflito institucional” existe “porque não se dá cumprimento, muitas e muitas vezes, à ordem institucional”.

Segundo ele, é preciso, com celeridade, “recuperar a institucionalidade do País”, que, na sua avaliação, só virá “com o cumprimento da lei”.

Alvo de inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Lava Jato, Temer fez ontem o discurso em tom de desabafo. O presidente considera que o Brasil enfrenta uma “grave instabilidade política” depois de um “crime perfeito” praticado pelo dono da JBS, Joesley Batista.

O presidente afirma que o empresário gravou “ilegalmente” suas conversas com ele em encontro no dia 7 de março, à noite, no Palácio do Jaburu, e que o áudio teria sido divulgado, posteriormente, “com edições”.

Além disso, a defesa do presidente contesta o uso da gravação como provas pela Procuradoria- Geral da República sem perícia prévia. No inquérito, Temer é investigado por corrupção passiva, participação em organização criminosa e obstrução à Justiça.

Colaboração. Em discurso no Palácio do Planalto, Temer disse que Torquato, “com a larga experiência institucional, democrática e política, pode dar colaboração neste instante que atravessamos” e vai conseguir dar respostas rápidas à crise.

Temer ainda reiterou que Torquato poderá contribuir no momento de crise e fez um apelo: “Vamos deixar o Judiciário trabalhar sossegado. Vamos deixar o Legislativo trabalhar em paz.

Vamos deixar o Executivo, convenhamos, trabalhar em paz”.

Segundo ele, “quantas e quantas vezes” ouve pronunciamentos de pessoas que “querem muito” que continue o programa de governo inaugurado no País há um ano. “Até quando fazem uma ou outra objeção ainda dizem: Olhe, mas é preciso continuar o programa que se iniciou neste governo”, um programa de governo acolhido pelas necessidades do País.

O presidente também fez questão de citar o antecessor de Torquato, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), sem criticá- lo, apesar das queixas no Planalto por sua atuação a frente do ministério. Em sua fala, Temer disse ter certeza de que o deputado continuará trabalhar pelo governo na Câmara.

Serraglio recusou assumir o Ministério da Transparência, após ter sido retirado da Justiça.

O nome do peemedebista teve uma repercussão negativa entre funcionários da pasta, que chegaram a marcar protesto caso Serraglio assumisse.

Em nenhum momento do discurso, Temer fez referências à Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Delação. Temer atribui ‘grave instabilidade política’ ao que chama de ‘crime perfeito’ de Joesley

Declaração

“Toda vez que alguém ultrapassa os limites legais é que está, aí sim, abusando da autoridade.” “É preciso, com celeridade recuperar a institucionalidade do País.”

Michel Temer

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

____________________________________________________________________________________________

Ministro não descarta mudança na cúpula da PF

01/06/2017

 

 

Torquato Jardim, novo titular da Justiça, diz que vai conversar com chefe da corporação; ele, porém, elogia Operação Lava Jato

Ao assumir o cargo ontem, o novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, deixou em aberto a permanência de Leandro Daiello no comando da Polícia Federal. Em sua primeira entrevista coletiva, no Palácio do Planalto, ele disse que uma definição sobre a continuidade do diretor- geral da PF e de agentes de destaque na força-tarefa da Operação Lava Jato levará até três meses de “observações”.

Torquato também avisou que o efetivo da polícia nas investigações dependerá de uma análise de orçamento.

Diante de perguntas sobre uma possível queda da cúpula da PF, o novo ministro deixou em suspense a situação de Daiello. Ele disse que fará amanhã uma viagem com o diretor-geral a Porto Alegre, onde dará posse ao novo superintendente da PF no Rio Grande do Sul, Ricardo Saadi.

“Ida e volta são quatro horas de conversa. Acho que vai dar para aprender alguma coisa com o diretor da Polícia Federal”, afirmou Torquato. “Só daqui a três meses poderei responder a pergunta”, afirmou. “Vamos conversar, vamos viajar juntos, vamos conversar sobre a Polícia Federal para que eu conheça o ambiente.”.

Torquato afirmou que também está sob avaliação. “Posso ter que ir embora daqui a algumas semanas, sabe-se lá.” De acordo com ele, serão feitas mudanças “mínimas” de pessoal no Ministério da Justiça e na Polícia Federal.

‘Ética pública’. Para tentar rebater alegações da oposição de que ele tentaria barrar a Lava Jato, o novo ministro disse que a investigação é uma “demanda da sociedade brasileira”. “Não deve haver dúvida alguma de que apoio a Lava Jato. A Lava Jato não é um programa de governo, mas uma vontade de Estado, uma oportunidade única para o Brasil ter uma nova ética pública”, disse.

Jurisprudência. Torquato foi questionado sobre um texto publicado pelo seu escritório de advocacia, em 2015, no qual defendia, em caso da “desconstituição” do diploma da então presidente Dilma Rousseff”, a cassação do vice e hoje titular Michel Temer. “Eu não mudei de ideia, a jurisprudência que mudou”, disse.

Ele afirmou que se fosse para atuar na “sombra” durante o julgamento do TSE era melhor ir para “advocacia” ou permanecer no Ministério da Transparência. 

 

O Estado de São Paulo, n. 45152, 01/06/2017. Política, p. A6