Investimento é o menor desde 2006
Fernanda Nunes / Daniela Amorim / Vinicius Neder
02/06/2017
ECONOMIA NO AZUL / Taxa de investimento voltou a cair e atingiu no primeiro trimestre 15,6% do PIB; para analistas, número indica dificuldades para a retomada
A economia avançou no primeiro trimestre, mas descolada do investimento, real indicador de expansão e geração de emprego. De janeiro a abril, a compra de máquinas e equipamentos para ampliar a capacidade de produção da indústria caiu. Além disso, faltou dinheiro para obras. Como saldo, o peso do investimento na economia caiu para 15,6%, pior patamar registrado em um primeiro trimestre na série histórica do IBGE, iniciada em 1996.
O investimento está em queda, na verdade, há 12 trimestres consecutivos. Desta vez, foi de 3,7%, comparado ao primeiro trimestre de 2016, e de 1,6% em relação ao quarto trimestre do ano passado. “O investimento é a mola mestra da economia. É o que possibilita inovação e o ganho de produtividade pelas empresas.
Sem ampliar a capacidade de produção, não há expansão de um número expressivo de empregos e a economia não tem estímulo para avançar”, afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Nelson Marconi.
Sem investimento, pioram também as perspectivas para o restante do ano. A avaliação do economista é que a indústria está sem espaço para ocupar sua capacidade ociosa, “muito menos para melhorar o investimento”.
Vice-presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos (Abimei), Carlos Eduardo Ibrahim aposta em um segundo trimestre ainda pior do que o primeiro, porque não haverá a contribuição do setor agropecuário, que, em alta, comprou máquinas e equipamentos para a supersafra do início deste ano.
Além disso, diz ele, a instabilidade gerada pela crise política está levando indústrias a optar por pagar multas para devolver as máquinas que haviam contratado.
“Havia um otimismo que seria revertido na compra de máquinas e equipamentos no segundo trimestre. Mas as notícias envolvendo o presidente (Michel Temer) foram um banho de água fria nos investidores.
Após meses planejando aumentar a capacidade produtiva, muitas indústrias, principalmente as de pequeno e médio portes, resolveram adiar o investimento justamente na hora de bater o martelo”, disse Ibrahim.
Commodities. O cenário só não é pior porque a alta das cotações das commodities está impulsionando o setor industrial. No primeiro trimestre, cresceram o segmento de petróleo e gás natural, concentrado na Petrobrás, e o de minerais ferrosos, favorecidos pela alta dos preços e das exportações. Com isso, a indústria avançou 0,9%, se comparada ao trimestre imediatamente anterior, mas não evitou a queda de 1,1% em relação ao primeiro trimestre de 2016.
A indústria de transformação, especificamente, caiu 1% em relação ao período de janeiro a abril do ano passado, e demonstrou melhora na passagem do ano, ao registrar alta de 0,9%, que o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) classificou como “um sopro de crescimento”.
“É preferível tomar os dados divulgados hoje (ontem) pelo IBGE não tanto como um sinal de recuperação da economia, mas como mais uma indicação de que indubitavelmente estamos marchando, trimestre após trimestre, em direção ao zero a zero”, comentou o Iedi, em comunicado.
A avaliação é que a economia “ainda não mostra sinais de inequívoca retomada do seu dinamismo”.
REPERCUSSÃO
“O governo Temer se dividiu entre período pré e pós-Joesley. Aí é que a gente vai saber de fato o que está acontecendo.”
Monica de Bolle
ECONOMISTA
“Se você medir com o mesmo período de 2016, o resultado ainda está negativo. É preciso olhar o cenário como um todo.”
Roberto Troster
ECONOMISTA
“O cenário político ainda muito turbulento interfere nas previsões para o PIB de 2017 e 2018.”
Alex Agostini
ECONOMISTA-CHEFE DA AUSTIN RATING
“O crescimento do PIB da agropecuária ficará concentrado nos dois primeiros trimestres.”
André Pessôa
SÓCIO-DIRETOR DA AGROCONSULT
“Estávamos caminhando para o crescimento positivo. O cenário está ameaçado pela solução que se der à crise política.”
Alexandre Schwartsman
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
“Pode até ser (o fim da recessão), mas ainda não há elementos concretos para dizer que já é.”
Paulo Pichetti
COORDENADOR DO IPC BRASIL DO IBRE-SP E MEMBRO DO CODACE
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Famílias e governos cortaram gastos no primeiro trimestre
Daniela Amorim
02/06/2017
Consumo das famílias recuou 1,9% na comparação com 2016, mas foi a queda menos acentuada desde 2015
A demanda doméstica voltou a recuar no primeiro trimestre do ano, pressionada pelo desemprego recorde e o momento de austeridade fiscal. O avanço de 1,0% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em relação ao quarto trimestre de 2016 não foi decorrente da alta no consumo, mas do acúmulo de estoques.
A despeito do crescimento expressivo no PIB Agropecuário e da alta moderada no PIB Industrial, famílias e governo cortaram gastos, os investimentos voltaram a minguar.
Segundo o economista Carlos Macedo, da gestora de recursos Canepa Asset Management, o PIB do primeiro trimestre constata que continua o movimento de aumento da distância entre a demanda da economia e sua capacidade máxima de produção. “Então, qualitativamente é um PIB fraco”, avaliou Macedo.
Embora as exportações tenham aumentado 4,8%, o movimento não explica sozinho o crescimento do PIB no período, ressaltou Rebeca Palis, coordenadora de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Muito do crescimento da agropecuária a gente ainda não absorveu, foi parar na variação de estoque, soja, milho. Até porque o preço de commodities agrícolas não está tão favorável.
Parte da safra está sendo consumida pelas famílias, porque os preços não estão altos, mas parte está indo para os estoques”, disse a coordenadora do IBGE.
“Estamos com acúmulo de estoques de R$ 22 bilhões no primeiro trimestre”, acrescentou.
A deterioração no emprego manteve a queda no Consumo das Famílias (-0,1%), o nono trimestre consecutivo de redução, mas a trégua da inflação e da taxa de juros ajudou a reduzir o ritmo de perdas, afirmou Rebeca.
O Consumo das Famílias recuou 1,9% no primeiro trimestre ante o mesmo período de 2016, também o nono resultado negativo consecutivo, mas a queda menos acentuada desde o primeiro trimestre de 2015.
“Apesar da queda na ocupação, a massa salarial mantevese constante. A quantidade recebida pelos trabalhadores ficou igual, porque muitos recebem reajuste salarial pela inflação passada, que estava mais alta.
Isso é normal quando você tem uma inflação menor”, argumentou Rebeca.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses caiu de 9,39% em março de 2016 para 4,57% em março de 2017. Ao mesmo tempo, houve crescimento nominal de 0,7% no saldo de operações de crédito do sistema financeiro nacional para pessoas físicas, segundo dados do Banco Central.
A liberação de recursos de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e uma nova alta nas concessões de crédito em abril podem trazer o Consumo das Famílias para o azul no segundo trimestre, previu o economista Fábio Bentes, da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
“A crise despertada pela delação da JBS (grupo de proteína animal que tem como um dos sócios Joesley Batista) pegou o final de maio. Não acho que o estrago seja suficiente em junho para evitar um crescimento no consumo”, estimou Bentes.
Já o Consumo do Governo encolheu 1,3% no primeiro trimestre pelo 10.º trimestre seguido, ante um recuo de apenas 0,1% no trimestre anterior. A piora foi puxada pela posse de novos governos municipais. “Geralmente quando você começa um mandato você dá uma arrumada na casa”, justificou a coordenadora do IBGE. / COLABOROU FRANCISCO CARLOS DE ASSIS
Fraco
“Esse PIB é uma constatação de que a demanda agregada mantém-se em queda. Então, qualitativamente é um PIB fraco”
Carlos Macedo
ECONOMISTA DA CANEPA
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'É muito cedo para decretar o fim da recessão'
Anna Carolina Papp
02/06/2017
Para economista, todos os indicadores do segundo trimestre indicam uma economia ainda muito fraca
ENTREVISTA - Fernando Abrucio
Apesar das comemorações do presidente Michel Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que a alta do PIB após oito trimestres seguidos no vermelho crava o fim da recessão que o País atravessa, economistas ponderam que o resultado deve ser analisado com cautela e que ainda é cedo para comemorar. Segundo o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e membro do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, que estabeleceu oficialmente o início da atual crise econômica no segundo trimestre de 2014, é “extremamente prematuro” analisar o resultado como evidência para o fim desse ciclo, tanto sob o ponto de vista técnico quanto em uma análise mais ampla do cenário econômico.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Em termos técnicos, é possível afirmar que o PIB positivo deste trimestre, que interrompe um longo ciclo de contração, crava o fim da recessão?
Para dizer que acabou a recessão, o Codace tem de se reunir e verificar se existem ou não dois trimestres consecutivos de crescimento, que é o critério adotado. Se crescer também o PIB do segundo trimestre, aí você decreta o fim da recessão no último trimestre de queda – que, no caso, seria o quarto trimestre de 2016. Agora, se no segundo trimestre de 2017 o PIB voltar a cair, o Codace não tem condições de decretar o fim do processo recessivo. Mas, para além do PIB, é preciso avaliar todos os indicadores econômicos. Uma coisa é certa: é muito cedo ainda para decretar o fim da recessão.
Por quê?
No resultado do primeiro trimestre, nós tivemos um crescimento do PIB da agricultura que é o maior da história. Sem ele, o PIB não teria subido 1%, mas sim 0,2%. Isso não irá se repetir no segundo trimestre, de forma que essa força desaparece. O crescimento do PIB da indústria não é uma recuperação, é apenas um carry over (espécie de herança estatística) do dado de dezembro. A boa notícia da indústria é que ela parou de cair, está estável, mas ainda não mostrou tendência de crescimento. Outra notícia muito negativa é a queda da Formação Bruta de Capital Fixo, que mostra que a economia não está investindo. E, sem investimento, não há crescimento.
Há alguma boa notícia?
Uma notícia que pode ser considerada positiva é a redução do ritmo de queda do consumo. Neste trimestre, tivemos um PIB positivo e o consumo ainda contraiu. Porém, trimestre após trimestre o consumo das famílias vem caindo menos do que no período anterior.
Quais as perspectivas para o resultado do segundo trimestre?
No PIB, você olha para trás – o que aconteceu no trimestre passado. Para saber se acabou a recessão ou não, porém, você tem de olhar para os indicadores do segundo trimestre que já existem, como produção industrial, vendas reais do comércio e os indicadores mensais que o IBGE publica e são utilizados como base para o cálculo do PIB. E todos mostram ainda uma economia ainda muito fraca. Há, portanto, um risco grande de que haja queda do PIB no segundo trimestre. Então, o ponto central dessa história é que afirmar que acabou a recessão é no mínimo uma coisa extremamente prematura.
Qual deve ser o impacto da crise política que vive o governo no resultado do PIB de 2017?
Olha, é muito simples: se a crise política for resolvida, o impacto é menor; se não for resolvida, o impacto é maior.
Ritmo. ‘A boa notícia da indústria é que ela parou de cair’, diz Pastore
O Estado de São Paulo, n. 45153, 02/06/2017. Economia, p. B4.