Corrupção, reformas e estagnação

Pedro Ferreira e Renato Fragelli

21/06/2017

 

 

A profunda crise por que passa o Brasil é uma oportunidade para o país se reinventar, mas é preciso entender o que o trouxe à situação atual para que se possa dar início à reinvenção necessária.

Há inúmeras explicações apontadas nas literaturas de crescimento econômico e história para a estagnação de um país. Há países que, devido a condições ausentes no Brasil, são virtualmente inviáveis. Em muitos países africanos, por exemplo, instituições frágeis e governos cleptocráticos não permitem que o Estado assegure condições para o desenvolvimento de uma economia capitalista minimamente sadia. Não havendo o império da lei, não há contratos confiáveis, inviabilizando-se qualquer atividade empresarial independente que ultrapasse a subsistência.

Em muitos países na Ásia, a ameaça de conflitos com vizinhos é um fardo estrutural que exige gastos militares onerosos e criam riscos incalculáveis para a os investimentos. Na América Latina o caso exemplar é o Haiti, assolado não apenas por fragilidades institucionais profundas, mas também climáticas, como furacões, e geológicas, como terremotos. Por que o Brasil, abençoado por Deus com clima ameno, sem vizinhos hostis nem conflitos étnicos, chegou à situação atual?

(...)

O Brasil, com renda per capita em torno de US$ 10 mil anuais, já atingiu um grau de desenvolvimento que o coloca no grupo de países de renda média. Mas, desde a década de 1980, a renda estagnou-se em relação ao resto do mundo. O país parou de crescer devido a opções erradas de política econômica tomadas por brasileiros. Como já explicamos neste espaço em outras ocasiões, os erros não tinham necessariamente cor ideológica, conforme atesta a repetição pela Nova Matriz Econômica dos mesmos equívocos cometidos pelos governos desenvolvimentistas não democráticos.

Nem tudo foi um fracasso desde 1980. A democracia foi restabelecida, a inflação domada, e a péssima distribuição de renda reduzida. Mas a produtividade está estagnada há quase quatro décadas. Os fatores que geram a estagnação da produtividade são bem conhecidos, mas enfrentá-los exigiria conter a voracidade do patrimonialismo que caracteriza a atuação da direita e frear a volúpia do corporativismo que mobiliza a esquerda.

À direita, os grupos de interesse se organizaram muito bem desde antes da redemocratização. Industriais e grandes ruralistas contam cada um com um grande e generoso banco estatal a seu serviço. No primeiro caso, trata-se do BNDES, que concede financiamentos à indústria a uma taxa de juros inferior à taxa que o próprio Tesouro Nacional paga ao emitir títulos públicos. No segundo caso, do Banco do Brasil, sempre vulnerável à capacidade de pressão da poderosa bancada parlamentar ruralista, que extrai incontáveis refinanciamentos camaradas de dívidas vencidas, bem com concede vultosos financiamentos de safra a taxas de juros inferiores à paga pelo Tesouro Nacional. Nada disso é recente. Trata-se de um tradicional modus operandi nacional.

À esquerda, as corporações de servidores públicos, funcionários de empresas estatais e outros grupos direta ou indiretamente ligados ao Estado gozam de condições de remuneração e aposentadoria impensáveis para trabalhadores do setor privado com mesma qualificação profissional. O corporativismo é hoje o maior entrave à melhoria da qualidade da educação pública.

O gigantismo do setor estatal sempre foi apresentado por seus defensores como uma necessidade para proteger o cidadão, diante da ganância dos empresários e das multinacionais. Como a experiência do Petrolão bem mostrou, entretanto, o competente corpo de funcionários da Petrobras não foi capaz de impedir a rapina. De forma semelhante, a oposição à reforma trabalhista deve-se muito mais à resistência à perda de privilégios dos sindicatos que a um real interesse pelo bem-estar dos trabalhadores.

A necessidade de alimentar o saque do Estado levou à contínua elevação da carga tributária. Junto com impostos extorsivos, veio uma maior complexidade gerencial para recolhê-los. No intuito de atrair empresas, os Estados ofereceram isenções fiscais com critérios frouxos e discutíveis que, para recompor a arrecadação, foram compensadas com maior tributação sobre empresas de telefonia, bem como de distribuição de luz e gás, para citar apenas alguns exemplos. O resultado foi uma estrutura tributária complexa, distorciva e regressiva que prejudica os mais pobres e empresas sem conexões com o poder.

Enfrentar os grupos de interesse organizado, redefinindo conceitos profundamente arraigados na sociedade brasileira, é a precondição para se pensar na retomada do crescimento. O capitalismo de compadrio, as alianças espúrias entre governo e uma parcela representativa do empresariado nacional, e um corporativismo atrasado que transfere renda para uns poucos privilegiados constituem a raiz do atraso institucional e da estagnação por que passa o país.

O afastamento de Dilma Rousseff trouxe a ilusão de que o governo de transição de Michel Temer poderia dar início à reconstrução. Não há mais ilusões. As reformas dificilmente serão aprovadas em algum formato que façam grande diferença. Se o preço a pagar pelo seu adiamento por um ano e meio for o desmantelamento, mesmo que parcial, pela Lava-Jato, de instituições que atrasam o desenvolvimento do país, o saldo já será bastante positivo. Diante da impossibilidade de se antecipar as eleições presidenciais - e por que não parlamentares também?-, que se cumpra a Constituição, preparando-se o país para o grande debate consigo mesmo que serão as eleições de 2018.

 

Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimentodo

Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4280, 21/06/2017. Opinião, p. A14.