Dificuldade de avanço de reforma derruba mercados

Chrystiane Silva, José de Castro, Denyse Godoy e Lucas Hirata

21/06/2017

 

 

Os investidores foram surpreendidos ontem pela decisão da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado de rejeitar o relatório da reforma trabalhista. A aprovação, que era dada como certa, fez aumentar a incerteza em relação à reforma da Previdência, assunto mais polêmico e que vai exigir mais coesão da base aliada do governo. A reforma previdenciária é considerada essencial para equilibrar o déficit das contas públicas.

O efeito da decisão da CAS sobre o mercado financeiro foi imediato. O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, caiu 2,01% e ficou em 60.766 pontos, com giro financeiro de R$ 6,6 bilhões. O dólar comercial subiu 1,32%, para R$ 3,332, a maior valorização desde 18 de maio, data em que a moeda disparou mais de 8% após o caso JBS. As taxas de juros futuros de prazo mais longo tiveram o maior salto em um mês. Já os juros de curto prazo, mais sensíveis à política monetária, tiveram alta menos intensa. Os dados fracos de atividade econômica e a inflação em queda sustentam as expectativas de corte da taxa Selic, que está em 10,25% ao ano.

 

 

A CAS rejeitou o relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), favorável à reforma trabalhista. Ao todo, dez senadores votaram contra o texto, ante nove votos favoráveis. A CAS é a segunda das três comissões pelas quais tramita o texto no Senado. Ele já havia sido aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em maio. A tramitação agora vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, a decisão da CAS não muda a expectativa de que os congressistas deem seu aval a esse projeto e também para as mudanças na Previdência. "Esses tropeços são absolutamente normais no curto prazo", diz. O economista afirma que o cenário econômico e político segue muito instável, mas que o presidente Michel Temer deve continuar no governo e as reformas deverão ser aprovadas.

O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, disse que a cautela aumentou bastante. "Esse tropeço foi uma amostra da dificuldade que a atual administração deve ter para conseguir aprovar as reformas", diz. Segundo ele, a reviravolta, que boa parte dos analistas não esperava, acendeu o alerta de que a governabilidade do país encontra-se muito prejudicada depois de o presidente Temer ser envolvido pelo empresário Joesley Batista, da JBS, em suspeitas de corrupção.

"O projeto de mudança nas leis trabalhistas era visto como mais fácil de passar do que o da Previdência. Não descarto a hipótese de que seja necessário fazer mais mudanças nas propostas para conseguir a aprovação."

Apesar da queda de ontem, o Ibovespa sustentou o patamar dos 60 mil pontos. Nos últimos dias, o índice tem oscilado entre 60 mil e 62 mil pontos, o que ainda indica que a aposta dos investidores é de aprovação da reforma da Previdência mesmo que "mais magra". Uma reforma da Previdência considerada possível neste momento seria aquela que contemplaria a idade mínima e a regra de transição para aposentadoria. "Quando o Ibovespa cair abaixo de 60 mil pontos será um indicador de que os investidores começaram a apostar que nem essa reforma será aprovada", diz um operador.

A persistência das incertezas políticas afetou também o mercado de renda fixa. O contrato de juros DI para janeiro de 2021 subiu a 10,140%, contra 9,990% no ajuste anterior, maior alta desde 22 de maio. "A sensação é que o mercado está complacente com os riscos e quando se depara com uma notícia como essa entende que está tudo mais complicado do que parece", afirma Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor da Modal Asset Management. Segundo ele, o que mais assusta é perceber a dificuldade do governo de obter apoio dentro da própria base mesmo para a reforma trabalhista, que parecia já acertada internamente. "Ainda há espaço para o mercado piorar."

"Essa derrota não deve alterar o racional do Banco Central, mas no mínimo torna menos provável a manutenção do ritmo de redução da Selic", diz Rogério Braga, sócio e diretor de renda fixa e multimercados da gestora Quantitas. Ele se refere às chances de o Copom voltar a diminuir a taxa Selic em um ponto percentual no próximo encontro, em julho.

Segundo analistas, no contexto atual, o câmbio parece mais vulnerável que as taxas de juros. Os profissionais lembram que o Banco Central (BC) pode intensificar as atuações e voltar a fazer ofertas líquidas de swap cambial, mas a redução dos fluxos no segmento primário e o exterior mais arisco agem no sentido de manter a moeda americana em alta.

A consultoria política Eurasia afirma que a derrota do governo na CAS não afeta significativamente as probabilidades da aprovação da medida no plenário da Casa no início de julho ou no final de junho. Entretanto, a consultoria diz que as perspectivas para a reforma da Previdência se tornaram mais sombrias.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4280, 21/06/2017. Finanças, p. C2.