Julgamento é suspenso com Fachin em vantagem

Luísa Martins, Raphael Di Cunto e Maíra Magro

22/06/2017

 

 

Encerrado com um placar parcial de dois votos a zero ontem, o julgamento da validade das colaborações premiadas dos donos e de executivos do grupo JBS será retomado hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Edson Fachin, acompanhado por Alexandre de Moraes, manifestou-se pela manutenção dos processos sob sua relatoria e pela possibilidade de homologação em decisão monocrática. Para o relator, o plenário da Corte deve avaliar o cumprimento dos termos do acordo apenas ao final de todo o processo.

Ficaram para hoje os votos de Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia, presidente do tribunal. Muitos deles, porém, já adiantaram, durante os debates, seu posicionamento. Marco Aurélio e Celso de Mello sinalizaram a intenção de acompanhar o relator, enquanto Gilmar aparentou se manifestar em sentido contrário. Apesar das intervenções, Fux, Cármen e Lewandowski não foram claros sobre como votarão hoje.

O plenário julga duas questões de ordem (a homologação das delações em caráter monocrático e a competência do relator para analisar a eficácia do acordo) e um agravo regimental, que indaga a distribuição automática das delações da JBS a Fachin, relator da operação Lava-Jato no STF. Os questionamentos são da defesa do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), um dos implicados pela delação.

Antes do início do julgamento, manifestaram-se os advogados Gustavo Passarelli, Cezar Bitencourt e Pierpaolo Bottini, que representam, respectivamente, o governador, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) - investigado junto ao presidente Michel Temer - e a JBS. Os dois primeiros frisaram que os fatos narrados na delação não guardam relação com a Lava-Jato e que, portanto, não deveriam ter sido submetidos, por prevenção, à relatoria de Fachin. O relator deveria ser escolhido por sorteio, disseram. O advogado da empresa, por outro lado, defendeu a manutenção do ministro.

Entendimento semelhante teve o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em sua fala, ele afirmou que Fachin deve permanecer como relator e que, como tal, tem competência para homologar delações de maneira individual. Para o procurador, permitir a revisão completa do acordo da JBS, a esta altura, trará consequências para várias outras colaborações premiadas. "Se isso ocorrer, a mensagem que se passa é de que o Ministério Público pode prometer, mas não sabe se poderá cumprir. Isso compromete toda a segurança jurídica", disse.

Fachin afirmou que as colaborações premiadas fazem parte de uma fase preliminar do processo, já que são meios de obter provas - ensejando investigações em relação a supostos fatos criminosos narrados pelos delatores. É só no julgamento do mérito, destacou, que se poderá analisar a real eficácia do acordo, em uma atribuição do plenário do Supremo. "Não há juízo de valor a respeito das declarações do colaborador. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do delator, razão pela qual os depoimentos colhidos não são, por si só, meios de prova", afirmou.

Ele votou, ainda, pela legalidade da distribuição automática das delações da JBS à sua relatoria, dizendo que também está à frente do processo sobre pagamento de propina para liberação de recursos do FI-FGTS, delatado pelo ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal Fábio Cleto e que envolve empresas do grupo JBS. "Neste ponto, não há dúvida que há conexidade evidente [entre os dois processos]", afirmou. Fachin lembrou que, quando considera não haver relação com outros processos dos quais é relator, ele tem solicitado a redistribuição. Foi o caso do inquérito contra o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) - Marco Aurélio acabou sorteado.

Em seguida, Moraes votou no mesmo sentido de Fachin - ele já havia anunciado a interlocutores, no intervalo, que seu posicionamento seria "surpreendente". Para o ministro, o mais novo membro da Corte, não é possível avaliar, no momento da delação, se os donos da JBS eram os líderes da organização criminosa - caso isso fique comprovado no futuro, destacou, o "perdão" aos crimes cometidos pelos empresários deverá ser revisto. "No momento em que o relator analisou a homologação, nem ele, nem o procurador da República têm elementos (para essa análise), porque a investigação ainda está no início", sustentou.

Enquanto lia suas conclusões, Moraes foi interrompido dezenas de vezes por outros colegas do plenário. Gilmar, por exemplo, interveio para criticar a PGR - segundo ele, Janot tem atuado para legislar. Ele citou acordos que suspendem o prazo prescricional de um crime, sem a devida base legal. "Algo assim poderia ter sido homologado?", questionou, em pergunta retórica.

Marco Aurélio também se manifestou, afirmando que "a delação é simples depoimento, que será considerado na hora devida". Para ele, o ato da homologação é "meramente formal", sendo que os termos do acordo serão avaliados, no futuro, pelo órgão julgador - seja a turma ou o plenário do STF. Já para Fux, o tribunal analisará a eficácia da delação - ou seja, se o conteúdo narrado se comprovou - na hora da sentença, mas a avaliação sobre os termos cabe ao relator na hora da homologação. Seria nesse momento, disse, que o acordo deveria ser anulado ou alterado caso o delator fosse o líder da quadrilha.

O decano Celso de Mello também interrompeu o voto de Moraes para defender que a homologação é ato monocrático do ministro, não dependendo de aval do plenário ou da turma. Antes do julgamento, ele avaliou que, como a validação ou a anulação das delações da JBS é uma questão polêmica, o plenário do tribunal pode ficar dividido.

Celso de Mello defendeu que há uma série de questões jurídicas extremamente relevantes que precisam ser analisadas sobre o instituto da delação. "O primeiro consiste na definição de limites e da extensão dos poderes do relator na homologação, aquela fase inicial do procedimento", disse, ressaltando que o instrumento "não está ameaçado" e que "tem se revelado eficaz no combate à criminalidade, notadamente a do colarinho branco e as que afrontam o sistema financeiro nacional. "Penso que o STF deva estabelecer uma interpretação que privilegie o instituto, mas que jamais obstrua sua incidência", afirmou.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4281, 22/06/2017. Política, p. A9.