Temer, por inércia

Eliane Cantanhêde

04/06/2017

 

 

O ex-presidente Lula é réu cinco vezes, já, já, vai virar pela sexta e está sendo chamado pelo MPF a pagar multa de R$ 87 milhões só no caso do triplex. O quase ex-senador Aécio Neves foi denunciado pela PGR na sexta-feira no rumoroso caso da JBS, que ainda vai longe. E o presidente Michel Temer acordou ontem com um pesadelo: a PF prendeu o ex-deputado Rocha Loures, considerado seu braço direito e um delator com alto poder de destruição.

O que há em comum em tudo isso, além da força e da determinação dos procuradores, policiais e juízes na maior operação de combate à corrupção do planeta? Todos os principais partidos do País, o PT de Lula, o PSDB de Aécio e o PMDB de Temer chafurdaram nas piores práticas políticas e afundam juntos na Lava Jato.

Como falar em eleições diretas para presidente num ambiente assim, com lama para todo lado? É lindo gritar, ou cantar, “diretas já”, mas a Constituição não autoriza, não há tempo para mudá-la e maior parte da sociedade, que não é boba, não se engajou nessa festa. Nem os partidos estão preparados, nem os candidatos animam.

Dois desastres previsíveis: a vitória de um réu cinco vezes, acusado de ser o grande cérebro e articulador da corrupção institucionalizada, e Bolsonaro virar ídolo nacional. Onde ele vai, já é recebido como salvador da pátria, abrindo filas para selfies. Já imaginaram num palanque agora, com o País em chamas e a política em cinzas? Quanto às eleições indiretas: os partidos que têm mais votos e maior capacidade de puxar votos no Colégio Eleitoral são exatamente o PMDB de Temer e o PSDB de Aécio, que estão de quarentena. Aliás, alguém precisa dar um toque nos meninos tucanos, os deputados de cabelos pretos que querem pular do barco Temer. Soa entre esquizofrênico e hipócrita. Depois do papo de Aécio com Joesley Batista, derrubar Temer por um papo com Joesley Batista? Numa hora dessas? Num rasgo de lucidez, onde o que menos há é lucidez, o petista Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e exchefe da Casa Civil de Dilma, desembarcou em Brasília para o Congresso do PT com duas frases inquestionáveis: “o Brasil não é parlamentarista para trocar de presidente de seis em seis meses” e “se for eleição indireta, Temer tem mais legitimidade, afinal, era vice”.

Se cair uma bomba sobre Temer, se a PGR tiver um caminhão de provas contra ele e se Rocha Loures disser – e provar – que era apenas carregador de malas de dinheiro do presidente, não tem jeito. Temer terá de ser trocado. Até lá, ele se beneficia de três fatores e vai ficando: apesar de tudo, a economia anda para a frente, os juros continuam caindo e o PIB parou de cair; falta autoridade moral no mundo político para trocá-lo; nenhum nome se impôs consensualmente para sucedê-lo.

Temer, portanto, fica por inércia.

A política se move muito, faz muita espuma, mas rodando em círculos, sem ir a lugar nenhum, imobilizada pela Lava Jato e os próprios erros monumentais.

Do outro lado, a força-tarefa anda resolutamente a passos largos e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em desabalada carreira, faz tudo o que tem e acha que deve fazer até setembro, quando entrega o bastão para seu sucessor, ou sucessora.

Temer balança num equilíbrio dificílimo, portanto, contando com o pragmatismo do setor privado, que dá absoluta prioridade à recuperação da economia e tenta relevar essas “questõezinhas morais”, e com a situação dramática da sua base aliada e da própria oposição, que mal se seguram nas próprias pernas. Atire a primeira pedra!

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Publicitário liga Joesley a impeachment

Pedro Venceslau

04/06/2017

 

 

GOVERNO SOB INVESTIGAÇÃO / Acusado em delação de receber propina, Elsinho Mouco, marqueteiro de Temer, diz ter sido pago por empresário para ‘derrubar’ petista

Acusado por Joesley Batista em sua delação premiada de ter recebido R$ 3 milhões em propina da JBS na campanha de 2010 e outros R$ 300 mil em espécie em 2016 a pedido do presidente Michel Temer, o publicitário Elsinho Mouco disse ao Estado que o empresário o contratou com dois objetivos: eleger o irmão José Batista Júnior em Goiás e “derrubar” a presidente Dilma Rousseff na esteira do movimento pelo impeachment.

Em uma das conversas entre eles, em maio de 2016, no auge do movimento “Fora, Dilma”, Joesley se ofereceu para pagar por um serviço de monitoramento de redes sociais que nortearia a estratégia do PMDB de blindagem a Temer. Na ocasião, foi incisivo: “Vamos derrubar essa mulher”.

Marqueteiro oficial de Temer desde 2002, quando o peemedebista foi eleito deputado federal, Elsinho é ainda hoje o principal conselheiro de comunicação do presidente e um dos redatores de seus discursos.

Foi ele, por exemplo, que escreveu o pronunciamento no qual Temer finalizou dizendo com o dedo em riste: “Não renunciarei”.

Contratado pelo PMDB, Elsinho também foi um dos criadores do programa Ponte Para o Futuro e autor de ideias como o slogan “Bora, Temer” para substituir o “Fora, Temer” no pós-impeachment de Dilma.

Sua narrativa de defesa, que ainda será apresentada, começa em 2009, ano em que foi chamado para coordenar o projeto político do irmão mais velho da família Batista, e termina em janeiro de 2017 em um encontro regado a “whisky 18 anos” e “camarões gigantes” na residência de Joesley, no bairro Jardim Europa, na capital paulistana.

Indicado por um amigo em comum, Elsinho desembarcou em Goiânia em 2009 com a missão de colocar “Junior Friboi” na acirrada disputa pelo governo goiano no ano seguinte. O marqueteiro conta que gravou vídeos, fez logotipo, encomendou pesquisas e fez tudo mais que o script de uma campanha competitiva e com recursos ilimitados exige.

Total de gastos ficou em R$ 3 milhões. Mas, quando a disputa estava para começar para valer, Joesley “deu de presente” ao irmão a consultoria de outro marqueteiro renomado e Elsinho foi dispensado. Junior Friboi acabou, entretanto, desistindo de entrar na política, pelo menos naquele momento.

Player. Era uma quarta-feira no começo de maio do ano passado, quando Elsinho recebeu um convite de Joesley para uma visita. “Ele era um player, o maior produtor de proteína animal do mundo. Era objeto de desejo de todo mundo. Cheguei com duas horas de antecedência para não correr o risco de ficar parado no trânsito”, contou o marqueteiro. Seu objetivo era conquistar a conta publicitária de pelo menos uma das inúmeras empresas do grupo, mas a conversa enveredou por outro caminho.

“Para minha surpresa, ele chamou Dilma de ingrata, grossa e incompetente. E disse: ‘Temos que tirá-la’”, lembrou. A surpresa se deve pelo fato de a JBS sempre ter mantido boas relações com os governos do PT. Apesar do crescimento do movimento pelo impeachment entre empresários, os Batista nunca criticaram Dilma publicamente.

Protagonismo. Entre goles de whisky e mordidas de camarão no espeto, Joesley teria dito que gostaria de ajudar de alguma forma o movimento das ruas. “Em 2016, empresários, sindicatos patronais, movimentos sociais (MBL, Vem Pra Rua, Endireita Brasil, etc.), muita gente queria o impeachment da Dilma. Uns contrataram carro de som, outros contrataram bandanas, pagaram por bandeiras, assessoria de imprensa. Teve gente que comprou camisa da seleção brasileira e foi pra rua.

O Joesley estava nessa lista. Ele se ofereceu para custear o monitoramento digital nessa fase”, contou o marqueteiro.

O empresário perguntou então quanto custaria o serviço, que a princípio seria pago pelo PMDB nacional. “R$ 300 mil”, respondeu Elsinho de pronto. “Eu pago isso. Vamos derrubar essa mulher”, teria dito Joesley.

Segundo o marqueteiro, o dono da JBS chamou então um mordomo e deu a ordem: “Pega lá R$ 300 mil e entrega para o Elsinho”. O dinheiro teria sido colocado em uma pasta e deixado no carro do publicitário.

Quando questionou a melhor forma de emitir nota, o empresário teria desconversado. Disse que não queria deixar digitais no impeachment e o assunto ficou para depois.

Segundo Elsinho, uma das “maiores empresas” de assessoria de imprensa foi contratada para o serviço. “Paguei quase R$ 200 mil para eles, R$ 60 mil de imposto e R$ 40 mil e pouco de lucro para mim”, disse. O resultado serviu para monitorar movimentos pró-impeachment, o PMDB e a Fundação Ulysses Guimarães.

A nota teria sido feita então à revelia do Joesley. Cinco meses depois da conversa, os dois voltaram a se encontrar. Elsinho achou que finalmente “seria testado” como publicitário de umas das empresas do grupo.

Mas, de novo, a conversa iria por outro caminho. “Ele disse que tinha um problema, que estava sem entrada no governo desde a queda de Geddel Vieira Lima (da Secretaria de Governo) e pediu para marcar uma conversa.

Ele queria um cúmplice”. A assessoria da JBS disse que “os atos cometidos pelos executivos foram informados à PGR e estão documentados nos autos da delação homologada pelo STF”. “A companhia prossegue em seu firme propósito de colaborar com a Justiça brasileira.” / COLABOROU VALMAR HUPSEL FILHO

Estratégias. Marqueteiro oficial do presidente, Elsinho bolou o slogan ‘Bora, Temer’ para substituir o ‘Fora,Temer’

Pró-impeachment

“Para a minha surpresa, ele (Joesley) chamou Dilma de ingrata, grossa e incompetente. E disse: ‘Temos de tirá-la’.”

Elsinho Mouco

MARQUETEIRO

PONTOS-CHAVE

Da crise de Dilma à posse de Temer

Abertura

O então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autoriza a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, já sem apoio, em dezembro de 2015.

Afastamento

A Câmara aprova o afastamento de Dilma em abril de 2016. Os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal assinam o documento votado.

Aprovação

No dia 12 de maio, o Senado aprova o impeachment e Dilma é afastada da Presidência. Seu então vice, Michel Temer, assume interinamente.

Posse

Dilma é condenada no Senado por crime de responsabilidade fiscal e cassada em 31 de agosto de 2016. Temer toma posse como presidente da República.

 

O Estado de São Paulo, n. 45155, 04/06/2017. Política, p. A6