BC estima quadro desanimador para demanda interna

Sergio Lamucci

23/06/2017

 

 

A revisão da estimativa do Banco Central (BC) para o PIB de 2017 mostra um quadro desanimador para a demanda doméstica, excluindo a variação de estoques. No Relatório de Inflação divulgado ontem, o BC manteve a projeção de um crescimento de 0,5%, mas promoveu mudanças nos componentes do indicador. Pelas novas previsões, o conjunto formado pelo consumo das famílias, pelo consumo do governo e pelo investimento deve subtrair 0,2 ponto percentual do crescimento de 0,5% esperado para este ano, como aponta o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. No documento de março, esse conjunto teria uma contribuição positiva de 0,6 ponto.

Pelas novas projeções do BC, todo o crescimento pelo lado da demanda neste ano virá da variação de estoques - nas contas de Montero, a estimativa da autoridade monetária implica uma colaboração de 0,7 ponto percentual dos estoques para a expansão da economia neste ano. O setor externo, por sua vez, deve ter contribuição nula - em março, a expectativa era de que a diferença entre as exportações e as importações retirasse 0,1 ponto do PIB em 2017.

O cenário do BC para o PIB do ano tem semelhanças com o registrado pela economia brasileira no primeiro trimestre. De janeiro a março, o PIB cresceu 1% em relação ao três meses anteriores, feito o ajuste sazonal. Nesse período, o conjunto formado pelo consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento tirou 0,5 ponto percentual do crescimento, nos cálculos do Goldman Sachs. A variação de estoques, por sua vez, teve a maior influência para explicar o resultado do PIB, com uma contribuição positiva de 1,13 ponto no primeiro trimestre. O setor externo entrou com mais 0,41 ponto (eventuais diferenças na soma se devem a arredondamentos).

As novas projeções do BC para a composição do PIB evidenciam o tamanho do problema na economia. Mesmo depois de o PIB ter caído 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016, a demanda continua a mostrar muita fraqueza. Para o consumo das famílias, o Relatório de Inflação reduziu a previsão de um crescimento de 0,5% para variação zero em 2017. "A piora está associada, principalmente, ao dinamismo do mercado de trabalho e à evolução do crédito ao longo do primeiro semestre deste ano", diz o BC.

Para o investimento, a autoridade monetária estima agora um tombo de 0,6%, em vez de um recuo de 0,3%, "refletindo, em especial, as perspectivas de menor absorção de bens de capital". No caso do consumo do governo, a projeção de uma alta de 0,2% passou para um recuo de 0,6%, por causa "do ajuste fiscal em curso".

A demora na recuperação se deve em parte ao nível de endividamento de empresas e famílias, que entraram na recessão numa situação financeira complicada. A redução dos juros ajuda no processo de diminuição dos débitos, mas a retomada do investimento e do consumo é lenta, num quadro marcado por grande capacidade ociosa e desemprego elevado. No primeiro trimestre, o investimento caiu 1,6% em relação ao trimestre anterior, enquanto o consumo das famílias recuou 0,1%.

Como se vê, as estimativas do BC apontam para mais um ano ruim para os dois componentes da demanda. Para complicar, a nova crise política tende a afetar a confiança de empresários e consumidores. A prévia de junho do Índice de Confiança da Indústria da Fundação Getulio Vargas (FGV), por exemplo, mostrou queda de 2,3 pontos em relação a maio, para 90 pontos, na série com ajuste sazonal.

O Relatório de Inflação traz também um boxe analisando a evolução dos estoques no ciclo econômico recente. Uma das conclusões é que "o estoque efetivo de produtos industriais caiu tanto em 2015 quanto em 2016", levando em conta as sondagens da FGV e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), números da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e dados do balanço patrimonial de empresas industriais de capital aberto. "Ao longo desse período, a queda parece ter sido suficiente para ajustar os estoques aos níveis desejados/planejados pelas firmas, embora dados de empresas abertas indiquem níveis ainda altos da razão estoque/receita", aponta o BC, explicando que esse último indicador visa medir a "adequação entre estoques e o nível de vendas das empresas industriais".

Na visão do BC, olhando para frente, "uma contribuição positiva mais efetiva dos estoques para a demanda final parece condicionada a uma recuperação dos demais componentes da demanda, em especial do consumo das famílias e da formação bruta de capital fixo [FBCF, medida das contas nacionais que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação]", diz o BC, que arremata: "Como o cenário central deste Relatório pressupõe recuperação gradual dos dois componentes, a contribuição de estoques para a demanda final em 2017 deve ser positiva." Um ponto é que as estimativas do BC de estabilidade do consumo das famílias e queda de 0,6% da FBCF se referem ao resultado da média do ano. A expectativa é de um desempenho mais favorável na segunda metade de 2017, com base na aposta de uma retomada gradativa da economia.

Pelo lado da oferta, as novas projeções do BC indicam um desempenho ainda mais forte da agropecuária, que deve crescer, pelas estimativas da autoridade monetária, 9,6% neste ano - a projeção anterior era de 6,4%. A indústria também teve o seu desempenho revisado para cima - de queda de 0,1% para uma alta de 0,3%. Já a previsão para os serviços, que têm o maior peso no PIB, foi revisado para baixo - de um crescimento de 0,1% para um recuo de 0,1%.

Ao falar das mudanças nas projeções do BC, Montero observa que elas contemplam "um mesmo crescimento, com menos demanda final e mais oferta agropecuária", uma combinação extremamente favorável em termos de inflação.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4282, 23/06/2017. Brasil, p. A2.