Acordo entre bancos e BC pode ter sigilo

Fabrício de Castro / Fernando Nakagawa / Carla Araújo

09/06/2017

 

 

Medida provisória publicada ontem cria novas regras para investigação e punição de bancos e corretoras envolvidas em fraudes; mudanças chegam em momento de incertezas no setor, com possíveis delações de pessoas ligadas ao mundo financeiro

 

 

O sistema financeiro ganhou novas regras para a investigação e punição de irregularidades cometidas por instituições financeiras ou pessoas físicas. Uma medida provisória publicada ontem criou a possibilidade de que bancos e corretoras possam fazer acordo de leniência com o Banco Central, uma alternativa que antes não existia. Além disso, multas aplicadas às instituições aumentaram 8 mil vezes, saltando de um máximo de R$ 250 mil para até R$ 2 bilhões.

O Banco Central fez pressão no governo para acelerar a edição dessa MP, que chega em um momento de incertezas no setor financeiro. Em meio à crise política, desdobramentos da operação Lava Jato parecem chegar mais perto do mundo econômico. Há expectativa de delações premiadas de pessoas com fortes ligações com o mundo dos bancos e corretoras, como os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, além dos operadores financeiros Adir Assad e Lúcio Funaro.

Nesse contexto, uma das principais novidades criadas pela MP é o instrumento do acordo de leniência com o BC. Instituições ou investidores que confessarem prática ilegal e derem informação útil à autoridade poderão ser beneficiados com a “extinção de ação punitiva ou redução de um terço a dois terços da penalidade aplicável”. O benefício poderá ser dado até a bancos e corretoras que já são investigados. Assim, na prática, instituições eventualmente citadas na Operação Lava Jato poderão fechar acordos com a autoridade monetária.

O tema parece especialmente importante quando se analisam eventuais desdobramentos das investigações. O impacto de dificuldades em uma grande construtora investigada, por exemplo, são expressivos, mas contornáveis. Já no sistema financeiro, problemas podem comprometer a credibilidade de uma instituição, o que pode comprometer o funcionamento de um banco ou corretora e, dependendo do seu porte, ter reflexos em todo o sistema financeiro.

Em última instância, o governo poderia ser obrigado a socorrer as instituições com dinheiro público.

O Banco Central nega que a medida tenha alguma relação com eventuais delações premiadas. Diz que estudos sobre o aprimoramento dessas regras vêm ocorrendo desde 2010.

Uma minuta da MP chegou a ser enviada ao Palácio do Planalto ainda no governo Dilma Rousseff, mas acabou engavetada.

O Estadão/Broadcast apurou que, em março, uma nova versão bastante similar chegou à Casa Civil, com dose extra de pressão para a publicação. A edição do texto foi concluída e acertada em reunião entre Michel Temer e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, na última terça-feira.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45160, 09/06/2017. Economia, p. B4.