Comércio externo garante entrada de dólares no País mesmo com crise política

Fabrício de Castro

08/06/2017

 

 

Balança. Saldo de US$ 3,4 bilhões registrado após as denúncias contra o presidente Temer foi puxado pelo lado comercial, principalmente pelas exportações agrícolas; de acordo com analistas, número mostra que não houve fuga de capitais com a crise

Mesmo com o estouro de uma nova crise política, a entrada de dólares no País ficou positiva em maio. Desde que surgiram as principais denúncias de executivos da JBS contra o presidente Michel Temer, o Brasil recebeu US$ 3,42 bilhões, conforme os dados mais recentes do Banco Central, divulgados ontem.

O número leva em conta o fluxo cambial registrado nas áreas financeira e comercial do dia 18 de maio até a última sexta-feira, 2 de junho. O saldo foi puxado basicamente pelo comércio externo, principalmente pelas exportações agrícolas.

Mas o desempenho da área financeira – conta que reúne os investimentos produtivos por parte de estrangeiros, os aportes feitos em ativos, como ações e títulos, e as remessas de lucros e pagamentos de juros – chamou a atenção.

Entre os dias 2 e 17 de maio, essa conta financeira registrou um fluxo negativo de US$ 4,92 bilhões. Entre 18 de maio e 2 de junho, após as delações virem à tona, esse déficit caiu para US$ 1,31 bilhão. Com o saldo de US$ 4,73 bilhões da área comercial, ainda sob a influência positiva da época de embarque da safra de grãos, chegou-se ao superávit cambial de US$ 3,42 bilhões.

Para analistas, os números indicam que a pressão política sobre o governo Temer – que fez o dólar saltar mais de 4% ante o real no período – não provocou uma fuga de recursos, como se poderia esperar.

“A crise é preocupante para a área financeira, mas não houve – e antes também não havia – um sinal de fuga expressiva de capitais”, avaliou o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria Integrada.

“Na verdade, o movimento financeiro já tem sido predominantemente negativo ao longo dos últimos meses, mas não é desordenado. Não houve corrida após a crise.” O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, faz avaliação semelhante. “O fluxo financeiro já vinha sendo negativo antes da crise política”, diz.

Ele chamou a atenção ainda para o fato de o dólar, apesar de ter chegado perto de R$ 3,40, acabar se acomodando em patamares menores, perto dos R$ 3,25. “A impressão é de que o mercado continua muito leniente com a situação política do País. O risco, na nossa avaliação, é muito maior do que está sendo colocado no preço pelos agentes.” Para alguns analistas, essa “acomodação” do mercado, apesar da possibilidade de Temer deixar a presidência, tem a ver com uma sensação de que, seja quem for o presidente, já há uma convicção formada sobre a necessidade da aprovação das reformas previdenciária e trabalhista. Há também uma aposta na manutenção da equipe econômica, que é bem avaliada pelo mercado.

Uma prova disso está no Termômetro Broadcast, ferramenta que traz a avaliação de profissionais do mercado sobre a atuação do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Em maio, apesar da nova crise política, a nota geral da Fazenda saltou quase um ponto, de 5,9 para 6,8. Já a nota do Banco Central passou de 6,9 para 7,2.

Fluxo. Os dados consolidados de maio, divulgados ontem pelo Banco Central, mostram que o País recebeu US$ 744 milhões líquidos no mês passado inteiro. A cifra é resultado de entradas pela área comercial de US$ 5,97 bilhões e de saídas pela via financeira de US$ 5,22 bilhões.

Para Campos Neto, da Tendências, a crise política tende a dificultar uma melhora do fluxo na área financeira nos próximos meses, justamente porque o risco político é grande.

“Por hora, não há perspectiva de uma entrada muito forte de recursos, diante das incertezas que cresceram nas últimas semanas. Mas uma piora exacerbada do fluxo dependeria de algum fato novo que coloque em risco a agenda econômica do governo”, acrescentou.

 

O Estado de São Paulo, n. 45159, 08/06/2017. Economia, p. B1