Entrevista - Antônio Claudio Mariz de Oliveira

Fausto Macedo e Eduardo Kattah

02/07/2017
 
 
PRESIDENTE ACUSADO / Para advogado de Temer, intenção do Planalto de dar celeridade à denúncia não pode ocorrer ‘em detrimento da defesa’

‘Não subestimo os parlamentares, não acho que já ganhou’

Antônio Claudio Mariz de Oliveira, advogado do presidente Michel Temer

O advogado de Michel Temer, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, disse em entrevista ao Estado que discorda do otimismo do Palácio do Planalto na análise do pedido de autorização da Câmara para que o Supremo Tribunal Federal julgue a denúncia contra o presidente por crime de corrupção passiva. Para Mariz, a estratégia do governo de tentar acelerar a tramitação das acusações formais na Casa (a expectativa é de que sejam apresentadas novas denúncias) não pode ser feita “em detrimento da defesa”. Mais do que advogado, Mariz é amigo e conselheiro do presidente.

Com quase 50 anos de advocacia, ele diz acreditar que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, poderá deixar para setembro – às vésperas de deixar o cargo – o oferecimento de uma terceira acusação. Mariz lança dúvida sobre a delação da JBS, que teria sido “pré-estudada, pré-examinada”.

Como o senhor está trabalhando na defesa do presidente?

Pedi um levantamento teórico sobre prova ilícita. Vamos ter de traduzir isso para a Câmara. É uma outra linguagem, alguma coisa que seja facilmente aprendida por eles. Na Câmara não é uma defesa preliminar, é uma defesa final. Temos até dez sessões para apresentar.

O senhor vai usar as dez sessões para apresentar a defesa?

Acho que não. Primeiro, eu até tive uma discordância com o Planalto, mas eu vou usar um tempo intermediário. O Planalto passou a falar que isso teria de ser imediatamente. Eu disse que esse tempo não é do Planalto, é meu. Esse tempo é do defensor. Vou usar umas três, quatro sessões. Se for já e eu não estiver com a defesa pronta, vou usar as dez sessões.

Um fatiamento da denúncia pode empurrar para setembro o oferecimento de uma terceira acusação, prolongando o processo.

Nossa intenção política é que as coisas se acelerem para que o País possa ter um andamento normal. Para o presidente da República é muito bom que essas coisas se resolvam, para que suas preocupações se voltem para o governo. Tenhamos pressa, porém, não em detrimento da defesa. Isso eu tenho batido muito, porque a visão do Planalto é uma e a minha visão é outra. Eu disse isso ao presidente. Não subestimo os parlamentares, eu não acho que já se ganhou. Eu não acho que isso seja uma decisão a respeito de um projeto de lei ou uma deliberação de caráter eminentemente político de interesse do Planalto. É uma decisão a respeito da liberdade, da dignidade, da honra, da imputação de um crime contra alguém e esse alguém é o presidente da República. É preciso que os parlamentares sejam tratados como juízes e não como parlamentares apenas.

É um ambiente perigoso para o presidente?

Acho que não, até porque a denúncia é muito frágil. É muito mais baseada em hipóteses, suposições, uma verdadeira criação mental, uma verdadeira elaboração ficcional, do que baseada em fatos concretos.

O presidente partiu para o enfrentamento com o procurador-geral. Ele agiu corretamente?

Pessoalmente, sim. Ele está sendo massacrado e tem a responsabilidade de governar o Brasil.

Temer chegou a dizer que estava preparado para a guerra...

O presidente usou a expressão muito mais eufemisticamente. Mas há um confronto muito forte e o presidente está enfrentando esse confronto.

Como vê a decisão do presidente de escolher a segunda colocada na lista tríplice para a Procuradoria- Geral da República?

Eu não sei. Não palpito porque não conheço.

A defesa é a favor de que se unifiquem eventuais outras denúncias na Câmara? Se as acusações tramitarem separadamente não haverá um grande desgaste?

Se não unificar, com certeza. E, depois, não se sabe quantas denúncias virão. A Câmara não pode ficar esperando a procuradoria dizer: ‘Olha, podem tocar que agora não terá mais denúncia ou esperem um pouco porque agora terá’. Essa denúncia primeira vai ter uma marcha.

No mérito, a acusação era de que o destinatário dos R$ 500 mil na mala de Rodrigo Rocha Loures era o presidente.

Quem disse isso foi o (Ricardo) Saud (executivo da J&F) na delação. E essa delação representa uma das vergonhas nacionais, pelas benesses dadas. O Datafolha fez pesquisa na qual 80% desejam a prisão para esses homens. O conteúdo da delação é suspeito por si só. Uma delação desejada, uma delação, eu não tenho provas, pré-estudada, pré-examinada. Parece que o delator não teria apresentado fatos que houvessem satisfeito os procuradores, mas, quando veio com a delação enfocando o presidente da República, aceitaram e deram benesses.

A defesa suspeita de que essa delação tenha sido estimulada?

Há suspeita de ter havido uma conversa prévia, onde se disse: ‘Olha, é preciso que se tragam fatos consusbtanciosos’. Eu estaria sendo leviano se afirmasse que autoridades (da PGR) disseram (a Joesley e outros executivos da JBS): ‘Vá gravar o presidente da República’. Não falarei isso, mas que houve uma prévia conversa, dizem até que houve um treinamento do delator por algumas autoridades.

Vai arrolar como testemunha o ex-procurador Marcelo Miller? Temer jogou suspeita sobre ele.

Eu acho esse fato em si deplorável, digno de todas as críticas e até suspeitas, mas não coloco isso como algo fundamental para a defesa. Mas é algo muito estranho. Estão dizendo que esse mesmo procurador foi quem ajudou o (ex-diretor da Petrobrás Nestor) Cerveró (que fez delação) a fazer aquela armação contra o Delcídio (Amaral, senador cassado). Eu não sei.

O presidente não nega ter recebido Joesley no Jaburu...

Claro que não nega. O problema é receber o dinheiro, o núcleo do crime. Estamos falando de um crime. Qual é o fato caracterizador desse crime? Da corrupção passiva?

O presidente, como o servidor número um, não teria de estar acima de qualquer suspeita?

Teria, agora, será que as suspeitas têm base forte? É isso que precisamos verificar. Ou será que essas suspeitas têm origem em um momento político, em uma razão política, e essas suspeitas foram instrumentalizadas e bem instrumentalizadas por uma rede de televisão, juntamente com o Ministério Público? Eu não sei. Eu acho que sim, mas o que fazer? Ele (Temer), se sentindo absolutamente perseguido, inocente, não deve dar continuidade à luta para provar sua inocência? l Por que o presidente não respondeu às 82 perguntas da PF? Fiz longa petição (para o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF) explicando as perguntas não respondidas. Perguntas fora do período, invasivas, que dizem respeito quase que a poderes advinhatórios que ele (Temer) não tem. Achamos que não devesse responder.

QUEM É

Criminalista há quase 50 anos, foi secretário de Segurança em São Paulo na década de 1990 (governo Quércia). Atuou no mensalão, foi cotado para o Ministério da Justiça e já defendeu nomes como Duda Mendonça e Paulo Maluf.

 

O Estado de São Paulo, n. 45183, 02/07/2017. Política, p. A4