Quantas Lava Jato?

Vera Magalhães

02/07/2017

 

 

O Brasil precisa de um diploma de bacharel em Direito se quiser entender os muitos pesos e várias medidas e as decisões aparentemente contraditórias das últimas semanas determinadas pelas várias instâncias judiciais e, por vezes, dentro das mesmas cortes em relação ao andamento da Lava Jato.

Afinal, quantas Lava Jato existem? O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região absolveu João Vaccari Neto por falta de provas numa das ações em que ele havia sido condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro. Na mesma ação, a mesma turma do TRF-4 agravou em muito a pena concedida pelo mesmo Moro a Renato Duque. Ocorre que o mesmo Duque já disse que coletava propina na Petrobrás para o PT, do qual o próprio Vaccari era tesoureiro.

A diferença, para os desembargadores, é que no caso de Duque havia depósitos.

Mas e se na delação – que está em curso – ele disser que repassou esses depósitos ao PT via Vaccari? Na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento que manteve Edson Fachin como relator da denúncia contra Michel Temer e Rodrigo Rocha Loures. O mesmo Fachin, no entanto, retirou vários processos contra Lula, seus parentes e outros investigados das mãos do juiz Sérgio Moro – para as quais o próprio Fachin os havia remetido – por entender que não há relação com a Lava Jato. E por que no caso de Temer ela foi automática? A plateia, atônita, fica sem entender. E mesmo os bacharéis em Direito talvez tenham de fazer muita ginástica para explicar.

A Segunda Turma do STF concedeu, há mais de um mês, habeas corpus que levou à revogação da prisão de José Dirceu.

Logo depois, Fachin remeteu o caso de Antonio Palocci ao plenário. Enquanto isso, na Primeira Turma, primeiro foi negado habeas corpus a Andrea Neves, irmã de Aécio. Uma semana depois, a mesma Primeira Turma soltou a mesma Andrea. O que mudou de uma semana para outra? O que distingue os casos de Dirceu e de Palocci? Afinal, a que colegiado cabe analisar habeas corpus? Ninguém sabe, ninguém diz.

Nesse Escravos de Jó processual promovido pelos senhores togados, nem a lógica parece prevalecer, quanto mais uma decisão juridicamente sólida e unificada.

Delcídio do Amaral era senador quando foi preso em flagrante sob a acusação de comprar o silêncio de Nestor Cerveró na Lava Jato e de arquitetar um tabajara plano de fuga para o ex-diretor da Petrobrás. Foi afastado do mandato e rapidamente cassado por seus pares. Aécio Neves foi gravado supostamente tramando contra a Lava Jato. Foi afastado do mandato, mas teve a prisão negada. Até aí ok: não havia o flagrante do caso Delcídio. Mas agora ele tem o mandato devolvido por outro ministro, que ainda faz elogios a sua conduta como parlamentar (!). A sociedade acha que os ministros estão fazendo alguma pegadinha.

Andrea Neves e demais investigados no caso Aécio tiveram seus processos remetidos à primeira instância pois não têm foro privilegiado.

Porém, Rocha Loures segue sob os cuidados do STF, pois seu caso seria “indissociável” do de Michel Temer.

Qual a diferença? Ou as diferentes instâncias da nossa já tão lenta Justiça param de usar os atalhos da lei para justificar decisões que aos olhos dos leigos parecem contraditórias ou vão conseguir ter contra si a mesma desconfiança que já aniquilou o Executivo e o Legislativo.

Ou se determinam quais os entendimentos legais para questões como prisões preventivas, habeas corpus, prevenção de relatoria, foro e outras centrais da Lava Lato ou a maior investigação de corrupção da história do Brasil vai naufragar por si só, sem nem ser necessária nenhuma trama dos políticos.

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'Enquanto houver Bambu, lá vai flecha', diz Janot 

Aline Bronzati, Pedro Venceslau e Fabio Serapião

02/07/2017

 

 

Procurador-geral afirma que ‘caneta’ é sua até setembro, quando deixa cargo; para ele, só ‘prova satânica’ liga Temer à mala de Loures

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou ontem que vai continuar no “mesmo ritmo” até o dia 17 de setembro, quando então passará a chefia do Ministério Público Federal (MPF) para a sua sucessora, Raquel Dodge.

“Enquanto houver bambu, lá vai flecha. Até 17 de setembro, a caneta está na minha mão.

No dia 18 não está mais. Ainda bem. Vou continuar nesse ritmo que estou”, disse Janot, em palestra no 12.º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo.

Janot apresentou na segunda- feira passada denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva – a ação já chegou à Câmara, que precisa analisar a petição e autorizar ou não a análise na Corte. No dia seguinte, o presidente classificou a denúncia de “ficção” em meio a uma “guerra” e, na quarta-feira, nomeou uma rival de Janot para a PGR.

Questionado sobre se há prova cabal contra Temer, Janot respondeu: “Há 20, 25 anos, a gente comentava: ‘Não é possível que para pegar picareta tenha que tirar fotografia do sujeito tirando a carteira do bolso do outro’.

Ninguém vai passar recibo. Esse tipo de prova é satânica, é quase impossível”, disse Janot.

De acordo com a denúncia, o presidente apontou seu ex-assessor e ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) como interlocutor dos interesses da JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. As delações do Grupo J&F, da família Batista, embasam a acusação contra Temer e Loures, que foi filmado após receber uma mala com R$ 500 mil de um executivo do grupo (mais informações nesta página). Temer ainda é investigado por obstrução da Justiça e organização criminosa.

O procurador-geral afirmou também que não se sente confortável ao propor uma ação penal contra o presidente. “Não gostei de apresentar denúncia.

Ninguém tem esse prazer louco”, disse. “Quando me dirijo a um determinado político, não é por ser político, mas por ter cometido crime”, afirmou.

Criticado por ter concedido benefícios aos Batista, como imunidade, Janot defendeu o acordo de delação da J&F. “Escolha de Sofia: não fazer o acordo e fingir que não vi? Deixar que continue porque imunidade é alta ou baixa? Foi a escolha de Sofia. Foi a escolha que eu tive. Sem imunidade não teria acordo. E mais malas teriam toda semana”, afirmou. Segundo ele, há “um zilhão de hipóteses de rompimento do acordo”.

Sucessora. Segundo Janot, a escolha do nome de Raquel como sua substituta foi legítima e representa um avanço institucional, apesar de seu favorito ser Nicolau Dino, o mais votado. “Participei de dois processos e integrei a lista em primeiro lugar. Nas minhas campanhas, eu disse que o primeiro nome da lista não é obrigatório.

O importante é consolidar a lista.

Isso ele (Temer) fez. É um avanço constitucional enorme. A lista é tríplice. A escolha para mim foi legítima”, disse ele. Questionado sobre a rivalidade com Raquel, Janot afirmou que não a persegue. “Dizem que persigo ela. Que sou inimigo.

Não tenho nada contra a doutora Raquel. Temos diferença de entendimento. Tenho de ter flexibilidade para fazer acordo de delação”, disse Janot. O mais votado da lista da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) foi Dino, com 621 votos. Raquel recebeu 587 votos e Mario Bonsaglia ficou com 564.

Sucessão. Para Janot, escolha do presidente Temer dentro da lista tríplice foi ‘legítima’

‘Picareta’

“Há 20, 25 anos, a gente comentava: ‘Não é possível que para pegar picareta tenha que tirar fotografia do sujeito tirando a carteira do bolso do outro’. Ninguém vai passar recibo. Esse tipo de prova é satânica.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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Ex-assessor de Temer, filmado com mala de dinheiro, deixa prisão

André Borges, Rafael Moraes Moura e André Dusek 

02/07/2017

 

 

Loures, acusado de receber propina da JBS, estava preso desde o dia 3 de junho; ele terá de usar tornozeleira

O ex-assessor do presidente Michel Temer e ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) chegou por volta das 16 horas de ontem a sua residência no Lago Sul, área nobre de Brasília, em um carro da Polícia Federal. Por decisão tomada anteontem pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ele foi posto em liberdade. Loures será monitorado por tornozeleira eletrônica.

Depois de deixar a Superintendência da PF em Brasília às 10h15 de ontem, Loures foi levado para Goiânia, onde colocou o equipamento. A tornozeleira, que não estava disponível na capital federal, visa a garantir o cumprimento da decisão de Fachin, que mandou soltar o peemedebista, mas impôs medidas cautelares.

Loures foi filmado após receber de um executivo do Grupo J&F – controlador da JBS –, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, uma mala com R$ 500 mil, em São Paulo. Segundo Joesley, Loures foi indicado pelo presidente Temer para intermediar interesses do grupo junto ao governo federal. O ex-assessor e ex-deputado estava preso desde o dia 3 de junho.

Anteontem, o ministro Fachin encaminhou ao diretor-geral da PF, Leandro Daiello, o alvará de soltura de Loures, “a ser cumprido com as cautelas de lei e com observância das medidas determinadas”.

O ex-deputado mora em um pequeno condomínio de luxo, com quatro casas. Ele terá de ficar em recolhimento domiciliar noturno (das 20 às 6 horas) e aos sábados, domingos e feriados, está proibido de deixar o País – tem de entregar seu passaporte à PF em 48 horas – e não pode manter contato com investigados, réus ou testemunhas do caso JBS. Os agentes federais deixaram o local logo após Loures entrar em sua casa. O peemedebista não falou com a imprensa.

Julgamento. Fachin levará, em agosto, para julgamento na Segunda Turma do STF um recurso contra sua decisão que determinou o envio ao Tribunal Regional Federal da 3.ª Região os autos das investigações relativas ao procurador da República Ângelo Goulart Vilella e ao advogado Willer Tomaz de Souza, ambos presos no âmbito da Operação Patmos. Os dois pedem a revogação da prisão.

Preparação da defesa

Michel Temer viajou a São Paulo ontem para se reunir com seu advogado, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, para preparar defesa na denúncia. Ele levou uma cópia do documento para Brasília.

 

O Estado de São Paulo, n. 45183, 02/07/2017. Política, p. A8