Título: Pesquisas sem resultados imediatos
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 09/02/2012, Brasil, p. 8/9

Estudos genéticos realizados no Brasil e nos Estados Unidos em doentes de Chagas devem beneficiar as próximas gerações dos pacientes NotíciaGráfico

Os pesquisadores norte-americanos Sarah Williams-Blangero e John L. Vandeberg repassam um recado claro aos doentes de Chagas de Posse (GO), na divisa com a Bahia, durante os dois encontros anuais da dupla estrangeira com os moradores. Depois de coletarem as amostras de sangue e fazerem o eletrocardiograma de cada um deles, os "gringos", como são chamados em Posse, avisam que a pesquisa não irá beneficiar esta geração de doentes.

Os resultados serão futuros. Poderão ser úteis para os filhos das pessoas que hoje colaboram com o estudo genético de Sarah e John. "Nós explicamos a eles que os resultados do estudo provavelmente não beneficiarão as pessoas que participam do projeto. Esperamos que os resultados beneficiem as gerações futuras", diz Sarah em entrevista por e-mail ao Correio.

Os testes feitos pela dupla de "gringos", que conduz um mapeamento genético para descobrir por que apenas determinadas pessoas desenvolvem a doença de Chagas, englobam 2 mil moradores da zona rural de Posse. São os pesquisadores que fornecem os diagnósticos do mal de Chagas à população local, que permanece sem assistência médica e sem perspectiva de tratamento, um abandono comum no país, como o Correio mostrou em série de reportagens desde domingo. Os moradores de Posse continuarão sem respostas para a evolução da doença.

TRANSMISSÃO Pesquisadores tentam saber por que somente algumas pessoas picadas por barbeiros e infectadas desenvolvem cardiopatias e inchaços no esôfago e no intestino

As pesquisas em curso ainda não desvenderam alguns dos principais mistérios envolvendo o mal de Chagas. Um deles é o que Sarah e John tentam responder com base no material genético de brasileiros desassistidos: por que somente algumas pessoas picadas por barbeiros e infectadas pelo protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença, desenvolvem cardiopatias e inchaços no esôfago e no intestino?

Financiamento Os pesquisadores do Instituto Texas Biomedical, em San Antonio, estado do Texas, buscam características imunológicas diferenciadas nos moradores de Posse. As amostras de sangue são analisadas na unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte. Todo o projeto, inclusive essas análises na Fiocruz, é custeado pelo governo norte-americano. "Não trabalhamos diretamente com o governo brasileiro. O apoio é indireto, por meio da Fiocruz", diz Sarah. Todos os estudos envolvendo o material genético são realizados por Sarah e John no instituto em San Antonio.

"Ao avaliar os dados sobre as relações familiares e os marcadores da doença, é possível fazer análises genéticas que identifiquem genes determinantes do mal de Chagas", afirma a pesquisadora ao Correio. "Até o momento, descobrimos fatores genéticos que parecem influenciar vários aspectos da progressão da doença. Mas este é apenas o primeiro passo." A pesquisa se propõe a prever quais indivíduos têm maior propensão ao desenvolvimento do mal de Chagas.

As irmãs Orica, de 68 anos, e Sebastiana Umbelina de Oliveira, 60, passaram a vida convivendo com esse mistério. Dos 12 irmãos, nascidos numa fazenda na região de Trindade (GO) a 50km de Goiânia, seis desenvolveram a doença de Chagas. Dois morreram por complicações cardíacas.

Orica sabe que tem Chagas e faz o acompanhamento da doença desde a década de 1980. Sebastiana não foi infectada pelo Trypanosoma cruzi. "A gente via barbeiro na cama. Na época se usava colchão de palha", conta Orica. Ela tem uma explicação para o fato de metade dos irmãos ter desenvolvido a doença e metade ter escapado: "Os barbeiros chegavam pelas paredes. Quem dormia nas camas do meio escapava".

As pesquisas científicas em curso tentam ainda novos medicamentos para o tratamento na fase crônica. "Depois de 40 anos com pouca ou nenhuma pesquisa clínica em novos medicamentos, vive-se um momento de avanços", afirma Isabela Ribeiro, gerente do programa clínico em doença de Chagas da DNDi, uma organização sem fins lucrativos que pesquisa novas drogas para doenças negligenciadas. Ela cita estudos que buscam verificar a eficácia de medicamentos já existentes e testar novos remédios para os doentes crônicos. Um dos testes avalia a eficácia do benznidazol, única droga existente na fase aguda, e até mesmo na fase crônica, para cardiopatias severas.

O aperfeiçoamento das técnicas de transplante de coração também é aguardado por doentes crônicos com graves problemas cardíacos. No Distrito Federal, o Instituto de Cardiologia é o único que faz transplantes de coração. Foram apenas 20 até agora, 10 deles em pacientes com Chagas. "Não se sabe se os casos não existem ou se não são encaminhados pela rede pública", afirma Renato Bueno Chaves, médico cardiologista do serviço de transplantes do instituto.

"As dificuldades dos pacientes com Chagas são as mesmas de outros pacientes que precisam de um transplante de coração", diz o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. "O DF ficou oito anos sem fazer um transplante cardíaco. Só voltou a fazer no ano passado."

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