Melhora da economia vai demorar a surtir efeito na arrecadação

Martha Beck

Geralda Doca

28/08/2017

 

 

 

 A queda livre nas receitas, que obrigou o governo a propor mudanças nas metas fiscais de 2017 e 2018, foi resultado de uma combinação de fatores que se transformou numa tempestade perfeita para a equipe econômica. Além da recessão, que vinha derrubando o recolhimento de impostos e contribuições desde 2014, o governo teve de enfrentar o efeito da redução dos índices de preços sobre a arrecadação e a contribuição cada vez menor dos setores industrial e financeiro aos cofres públicos. No mês passado, a Receita Federal recolheu R$ 109,9 bilhões, 0,34% a menos que em julho de 2016.

Especialistas e integrantes do governo ouvidos pelo GLOBO afirmam que, embora a economia já dê sinais de recuperação, isso vai demorar a se refletir nas receitas, deixando um quadro fiscal difícil nos próximos anos. O pesquisador do Ibre/FGV e ex-secretário de Política Econômica da Fazenda Manoel Pires lembra que a receita líquida do governo atingiu 20% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, quando as contas públicas fecharam o ano com superávit primário de 2% do PIB. De lá para cá, a receita caiu, ficando em 17,4% do PIB em 2016. Para este ano, a projeção é de 17,3% e, para 2018, de 16,8%.

— A receita está em torno de 17% de um PIB que não cresce. Teria de voltar a um patamar de 19% para que o país volte a fazer superávits primários e reduza a dívida pública — explicou Pires.

 

RECUPERAÇÃO COM REFORMA

Os cálculos da equipe econômica mostram que a forte queda da inflação teve impacto negativo sobre as contas públicas. Se preços mais baixos são bons para a renda das famílias, também reduzem a base de incidência dos impostos e contribuem para derrubar as receitas. A inflação baixa (menor que o centro da meta, de 4,5%) fez com que as projeções dos técnicos no Orçamento de 2017 ficassem muito descoladas do resultado efetivo verificado até agora. A frustração apenas com esse fator já está em R$ 19 bilhões. Para 2018, o número é ainda maior, de R$ 23 bilhões.

A estrutura tributária brasileira se tornou um agravante. Com a recuperação da economia puxada mais fortemente pelo setor do agronegócio, que tem carga tributária menor que o segmento industrial, a receita também sofreu. Além disso, o setor financeiro vem dando contribuições menores para a arrecadação. Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, explicou que os bancos fizeram provisões nos últimos anos e estão descontando perdas do imposto devido. E muitas empresas estão num processo de absorção de prejuízos do passado, o que impacta a arrecadação:

— Isso vai mudar. O que nós prevemos é uma recuperação gradual. Quando o PIB está subindo, a receita cresce mais do que o PIB. Quando começa a cair, a receita cai mais. Com a recuperação da economia e com PIB crescendo mais, a receita vai crescer. Com isso, vamos chegar a superávits primários importantes. Ainda é difícil prever quando vai acontecer.

O ministro afirmou que será preciso fazer uma reforma tributária que mude a distribuição da carga tributária entre os setores:

— Tem questões estruturais que vamos ter que olhar à frente, que são as mudanças setoriais na economia.

Para o professor do Instituto de Direito Público (IDP) e pesquisador do Ibre/FGV José Roberto Afonso, a arrecadação não voltará aos tempos áureos da década passada sem uma reforma tributária. Segundo ele, com as mudanças nas relações econômicas, o sistema, voltado a tributação de mercadorias e serviços, tornou-se obsoleto. Transações virtuais (armazenamento de dados em nuvem, ouvir música) crescem cada vez mais e não geram arrecadação. Além disso, afirmou, há transformações no mercado formal de trabalho, com maior participação de prestadores de serviços e menos carteira assinada.

— A perspectiva é que a carga tributária siga se deteriorando, como já vem ocorrendo desde o fim da década passada. Vai melhorar só quando se construir um novo e moderno sistema tributário — disse Afonso.

 

IMPACTO DO CÂMBIO

Segundo dados da Receita Federal, o recolhimento de tributos de entidades financeiras já caiu quase 7% no ano, ficando em R$ 91,4 bilhões até julho.

Para Afonso, os ganhos financeiros que sustentavam muito da arrecadação despencaram com juros reais e menos crédito. Ele lembrou o caso do BNDES, que chegou a emprestar R$ 200 bilhões por ano e que, em 2017, mal chegará a um terço. Isso representa menos IR, CSLL e PIS/Cofins.

Fontes do mercado financeiro argumentam que a situação é diferente de acordo com o foco de cada banco. Em instituições com muitos negócios fora do país, como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil, a queda no recolhimento de impostos está relacionada ao câmbio. Esses bancos tiveram prejuízo tributário com operações de hedge (proteção contra variações da moeda estrangeira) porque o dólar subiu nos dois últimos anos e, agora, estão com estoque de crédito — o que vem reduzindo a base de impostos a pagar.

A recessão — que praticamente paralisou novas concessões de crédito e a arrecadação de impostos desse serviço, num cenário de risco mais alto por causa da inadimplência — ajuda a explicar porque os bancos estão pagando menos para o Fisco.

Segundo técnicos do governo, a demora dos contribuintes em aderir ao novo Refis por causa da dificuldade do governo em fechar acordo com o Congresso em torno do regime tem impacto negativo na arrecadação.

O globo, n.30702 , 28/08/2017. ECONOMIA, p. 15